Crack, um problema social 

Título da matéria: Degradação toma conta da “Casa do Crack” na Vila de Ponta Negra


 


Era uma casa que não tinha teto, não tinha nada. Mas que não era nada engraçada. O chão da sala é abarrotado de latas usadas, rou

A expansão do crack na sociedade brasileira e, particularmente natalense, é algo impressionante. Todos os dias apreensões e crimes relacionados à droga são noticiados pelos jornais. Supostas “clínicas de reabilitação” estão lotadas de viciados. Na Vila de Ponta Negra, a artista plástica Paula Polin tenta dar um destino aos inúmeros usuários, que levam uma vida completamente à margem da sociedade e muitas vezes no limite do que se denomina “humano”.


 


Paula é a responsável pela “descoberta” da casa. Há cerca de cinco meses ela iniciou um trabalho com os usuários de crack da Vila de Ponta Negra. Primeiramente, com um intuito artístico e depois com olhos mais voltados para o social. “No início eu trocava as latinhas onde eles fumam por um salgado ou até mesmo por dinheiro. Agora, elas já entregam para mim sem pagamento”, explica. A artista plástica costumava encontrar os usuários em dois locais: na casa abandonada e em um dos muitos terrenos baldios da região.


 


O que Paula e a reportagem da TRIBUNA DO NORTE perceberam ao visitar a “casa do crack” é como a vida dos usuários é levada a limites inimagináveis para o resto da sociedade. De acordo com Paula Polin, os viciados praticamente “moram” ali. “Eles passam praticamente todo o tempo nessa casa. Mesmo com esse cheiro insuportável, mesmo com o chão imundo. Alguém conseguir dormir num lugar como esse é simplesmente impressionante”, afirma.


 


Não é exagero. Todas as referências do que é a vida de um ser humano passam a estar subitamente contestadas naquele ambiente. Se formos imaginar o que é a vida de uma pessoa no que se denomina sociedade e como vivem os usuários de crack, a discrepância é chocante. Mas não se enganem. Ambos os mundos têm regras fixas e bem definidas. Os dois têm padrões de comportamento. Enquanto “aqui” as pessoas costumam trabalhar, estudar, se alimentar, cultivar relações interpessoais, etc, no mundo do crack as sensações que a substância provoca e os riscos assumidos para consegui-la dão o tom da vida dos viciados.


 


Os viciados não têm moradia fixa. Dormem na rua, onde der ou então em alguma das “casas do crack” espalhadas pela cidade. Eles não estão incluídos no regime de tempo como o conhecemos. A reportagem tentou, através de Paula, marcar horário para entrevistar um dos frequentadores da “casa do crack” da Vila de Ponta Negra. Foi em vão. De acordo com a artista plástica, muito dificilmente um usuário compareceria.


 


Abandonados pela sociedade e sem referência familiar


 


Já sem tempo e sem espaço, os usuários levam a vida praticamente sem outra referência existencial importante: as relações de amizade e família. “A maioria deles largou a família ou foi expulso de casa porque ninguém mais aguentava os furtos. Toda a vida deles gira em torno da droga. Às vezes, eles cometem furtos até entre entre eles mesmos”, conta Paula.


 


No fim, a existência dos usuários que frequentam esse ambiente gira em torno do uso  e de como conseguir a droga. “Eles acordam tarde, quando acordam, porque muitas vezes passam a noite fumando. A partir das 14h, começam o movimento para arranjar a droga. Uns pedem dinheiro na praia. As meninas se prostituem enquanto os homens tentam planejar algum assalto”, relata Paula. Na convivência da artista plástica com os usuários, a rotina tem sido essa. “Espero um dia conseguir algum projeto social para trabalhar com eles”, sonha.


 


Sobrevivente


 


O estudante Francisco M.O.F, de 29 anos, conhece bem o cotidiano dos usuários de crack da cidade. Há oito anos ele tenta se livrar da dependência. Mesmo tendo chegado a passar 1 ano e 18 dias sem fumar, as recaídas são constantes. Na ocasião da conversa com a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, Francisco estava há oito dias “limpo”. De acordo com ele, as “casas do crack” estão espalhadas por toda a cidade.


 


“São pontos de uso de drogas que podem ser desde casas abandonadas até residências de usuários que são usadas para sessões coletivas de fumo de crack. Além da droga, são planejados furtos e é realizada prostituição nesses locais”, relembra F.M.O. O estudante conta já ter vivido em “casas” em Mãe Luiza, nas Rocas, na Favela do Maruim e na Vila de Ponta Negra. “Sinto que estava no fundo do poço. Já cheguei a passar sete dias sem dormir, sem tomar banho direito, sem fazer a barba”, conta. E acrescenta: “Comer também não é prioridade”.


 


O completo abandono das convenções sociais da sociedade organizada, convencionalmente denominada “civilização”, chega no limite quando se fala em dinheiro. Da forma como a sociedade vive, o vício fica insustentável. É simples: o usuário não trabalha, não consegue, após estar sob o efeito agudo da droga, se encaixar nos padrões sociais de existência; dessa forma, não arranja dinheiro para comprar a droga. Por fim, resta o furto como saída para continuar se drogando. “O usuário de crack que diz que nunca realizou um assalto a mão armada está mentindo”, sentencia F.M.O. O pior é que esse é o único momento em que os usuários são de fato vistos pela sociedade.


 


Fonte: Tribuna do Norte – repórter: Isaac Lira