Governo do Peru cede a indígenas e revogará decretos
A gestão de Alan García finalmente cedeu ante as manifestações indígenas na Amazônia Peruana. Depois de mais de dois meses de protestos que culminaram com a morte de mais de 34 pessoas, além de greves e bloqueios em estradas e portos, o governo recuou,
Publicado 16/06/2009 11:34
Os textos regulam o uso e a exploração dos recursos hídricos e naturais da floresta, incluindo gás natural, petróleo e madeira. Os grupos indígenas pedem sua anulação por alegarem que as leis facilitam a entrega de suas terras a empresas transnacionais e porque os decretos não teriam respeitado os mecanismos legais de consulta às comunidades afetadas.
O anúncio de que o governo eviará, nesta terça-feira, a proposta de anulação das matérias foi feito no mesmo dia em que o Peru chamou para consultas seu embaixador em La Paz, num novo sinal da deterioração das relações diplomáticas com a vizinha Bolívia, acusada pelos peruanos mais reacionários de incitar os indígenas contra o governo do presidente Alan García.
Em reunião com líderes dos manifestantes, Yehude Simon, chefe do conselho de ministros do Peru, prometeu ainda suspender o estado de emergência e o toque de recolher que haviam sido decretados na cidade de Bagua, na Amazônia peruana, onde, no dia 5, pelo menos 34 indígenas e policiais morreram em confrontos. Outros 60 indígenas estariam desaparecidos.
“Amanhã mesmo (hoje), apresentaremos o projeto de lei pedindo ao Congresso que revogue os decretos”, disse Simon. No maior sinal de recuo do governo desde o início da polêmica, ele pediu “desculpas aos nativos que se sentiram agredidos por alguma ação do governo”.
Diante da pressão dos nativos e da repercussão internacional do caso, a saída política para os confrontos só foi possível depois que o governo aceitou se sentar à mesa com líderes de 390 comunidades indígenas, entre elas a Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep), cujo líder, Alberto Pizango, encontra-se asilado na Nicarágua desde que foi acusado pelo governo de promover a rebelião de Bagua.
A presidente da associação, Daysi Zapata, manifestou desconfiança sobre a negociação iniciada com o governo peruano, mas não deixou de saudar “o recuo do governo e, obviamente, a suspensão do estado de emergência”. “Esperamos que isso realmente nos traga paz”, disse Daysi, para quem a decisão do governo foi “tardia”.
Depois do longo período de conflitos, tentativas infrutíferas de diálogo e um final de repressão policial, com a satanização dos movimentos e perseguição contra seus principais dirigentes, a credibilidade do governo entre os indígenas foi perdida. “Tantas pessoas precisavam morrer para que o governo se desse conta de as leis eram negativas?”, questionou Daysi.
O conflito indígena foi evoluindo até transformar-se em um amplo movimento de protesto nacional. Nos últimos dias, aconteceram novos bloqueios em estradas, tomada de uma aeroposto na cidade andina de Andahuaylas, greves em povoados amazônicos e a convocação de uma paralização nacional para os dias 7, 8 e 9 de julho, além de reivindicações pela renúncia do gabinete e, até mesmo, pela vacância presidencial.
O governo falhou na sua tentativa de isolar o movimento em uma agressiva campanha de desprestígio, qualificando as comunidades de “selvagnes e terroristas” e até de instrumentos de um “complô do comunismo internacional”. Debilitado e ilhado, o presidente Alan García terminou cedendo ante a magnitude do protesto social.
“Com a anulação destas leis, a tensão social seguramente diminuirá, porém, o conflito não estará solucionado. A derrubada é um ponto d epartida para o inpicio do diálogo. Essa crise revelou os limites do modelo econômico neoliberal e do sistema político e é sobre isso que deve tratar o diálogo nacional”, defendeu o sociólogo Eduardo Toche.
Atrito diplomático
A declaração do presidente boliviano, Evo Morales – de que os protestos de indígenas na região da Amazônia peruana eram uma “grande lição” para entender as demandas ambientais dos povos originários – foi mal recebida pelo governo Alan García, que chamou seu embaixador em La Paz para consultas. O presidente peruano disse em diversas ocasiões que Evo está por trás das manifestações indígenas.
O chanceler boliviano, David Choquehuanca, reconheceu que a relação entre os dois países passa por um “mal momento”, mas minimizou o significado da medida peruana: “É normal que um governo convoque para consulta seus embaixadores. Nós mesmos fazemos isso sempre.”
Com Estadão e Página 12