Apertem os cintos, o computador sumiu!!!

Ainda é muito cedo para especular sobre as prováveis causas do acidente com o Air France 447, mas podemos e devemos aproveitar para debater sobre algo que assusta até mesmo profissionais da aviação: o excesso de automação nas cabines da nova geração.

Apertem os cintos - Aroeira

Tido como processo irreversível, ele ocorre na esteira de toda uma cultura em que estamos acostumados a reverenciar e pagar caro por novos mimos tecnológicos no minuto seguinte a seu lançamento. Essa cultura tem nos "gadgets" seus expoentes mais visíveis e não me espantaria o uso desse conceito até como ferramenta de marketing na "venda" desses jatos ao público.

A começar pelo velho "manche" que foi substituido pelo "Side-stick" nome técnico do nosso conhecido "Joy-stick" pois nenhum fabricante de aviões gostaria que o manche de sua aeronave fosse conhecido como "manche de brinquedo".

Como Piloto Comercial, Técnico de Manutenção e as vezes passageiro como qualquer um, me preocupa o fato de que a aviônica embarcada nos jatos atuais possa, em várias situações, ter mais autoridade do que o Piloto.

A princípio não me convence a explicação de que a esperança depositada nesse automatismo, era de que os erros de operação, responsáveis pela maior parte dos acidentes segundo as estatísticas – pudessem ser minimizados. Pelo balanço atual, acabamos acrescentando mais possibilidades de falhas, sendo que em várias situações os pilotos ficam impedidos de tentar qualquer manobra final para salvar a aeronave.

Em meus quase 20 anos de experiência de Manutenção observei também que as aeronaves quando envelhecem, apresentam alguns problemas relacionados a mau contato em fiações elétricas (principalmente nos "plugs") por onde passam sinais elétricos necessários a operação dos diversos sistemas.

Estas situações devidamente previstas e contornáveis pelos manuais de operação e manutenção não causavam problemas de controlabilidade nem perda total da aeronave, devido ao número reduzido de implicações e por serem sistemas com redundância mecânica satisfatória. A longevidade de alguns aviões desse tipo é notória e eles continuam prestando grandes serviços mesmo após 20 ou 30 anos de operação.

O mesmo não se pode dizer das aeronaves modernas onde predomina o conceito Fly, Power e Brake By Wire (Voo, Potência e Freio por fios) onde a redundância mecânica desaparece.

Nessa arquitetura digital com "bites" e códigos binários oscilando de 0,8 a 1,5 Volts, onde sistemas integrados ou inter-dependentes trocam milhares de informações por segundo à velocidade da luz, é quase impossível prever todas as situações resultantes da ausência ou erro de um ou mais sinais eletrônicos que sejam indispensáveis ao perfeito funcionamento do sistema. É sabido que com o tempo, fios, plugs, terminais e contatos elétricos ficam mais sujeitos a falhas.

Entrando mais um pouco na seara técnica, é bom esclarecer que dentro desses módulos operam Softwares e programas de computador no sentido clássico, também sujeitos a mau funcionamento e conflitos de versões.

Entretanto, nenhum piloto é surpreendido com a seguinte frase estampada nos monitores da cabine: "Este programa executou uma operação ilegal e será fechado". Na prática a frase apenas é substituída por exemplo por: "O Sistema tal está inoperante".

Agora o que todos diriam se soubessem que nestes sistemas a ferramenta inicial de solução de falhas é o popular "Reset", sim isso mesmo, desliga-se tudo, aguardam-se alguns segundos e depois liga novamente.

Lembrando sempre que os sistemas aqui mencionados compreendem diversas unidades encadeadas como em um joguinho de dominós onde se um não derrubar o outro algo deixa de acontecer no final. Note que estamos falando de milhões de dominós.

Convém lembrar que já no seu lançamento, essa geração de jatos comandados por computadores causou preocupação no vôo de demonstração numa feira de aviação, quando um deles colidiu com as árvores no final da pista. Afirmam alguns que possivelmente seu sistema automático "entendeu" que devia pousar ao invés de acelerar e subir novamente como desejava o piloto.

O vídeo está aqui: http://www.youtube.com/watch?v=_EM0hDchVlY

No Brasil as cinzas do depósito de cargas no Aeporto de Congonhas, foram testemunhas de outro acidente onde se faz necessário explicar o quanto pesaram as possíveis falhas do sistema eletrônico para a cadeia de eventos que culminou na nossa maior tragédia aérea – o vôo 3054.

Um dia talvez voaremos em aviões até mais automatizados que o A-330, mas este período de transição entre aeronaves predominantemente eletro-mecânicas para aeronaves com grande número de computadores com autoridade total tem que ser melhor avaliado, pois não se trata apenas de transição das máquinas mas também dos homens e mulheres que as projetam, constroem, pilotam e que fazem sua manutenção.

Esperamos sinceramente que os organismos nacionais e internacionais ligados ao projeto, fabricação, operação e manutenção de aeronaves atuem em conjunto para analisar o que ocorreu nestes acidentes e assim possamos evitar novas ocorrências semelhantes.

A morte dessas pessoas, pelo menos tem que contribuir para provocar um grande debate que permita buscar soluções duradouras.

E finalmente, o mínimo que queremos é que os passageiros não sejam transformados em cobaias pagantes voando em um brinquedo eletrônico prestes a se transformar numa máquina assassina.

*Enildo Bernardes é Piloto Comercial e Técnico de Manutenção de Aeronaves. 

 

 

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