Validação de diplomas de médicos de Cuba: uma questão humanitária
No dia 20 de agosto próximo, às 19 horas, acontecerá na Assembléia Legislativa estadual uma Audiência Pública para que os setores interessados da sociedade debatam uma questão que tem tido pouca repercussão na imprensa. Trata-se do problema da revalidação dos diplomas de brasileiros(as) que se formam em medicina em Cuba, mas que, em verdade, pauta uma discussão muito mais ampla, pois envolve os brasileiros formados em medicina em outros países e os estrangeiros que querem atuar profissional e legalmente no Brasil.
Por Marcelo Chaves*, para o Correio da Cidadania
Publicado 20/08/2009 18:10
Mas por que a Audiência só tratará sobre os formados em Cuba? Por que esse caso merece destaque? Simplesmente pelo fato de ser Cuba o único país no mundo a oferecer oportunidade para os brasileiros pobres se tornarem médicos. Com um detalhe, tudo arcado pelo governo da Ilha. E mais: há um dado quantitativo relevante: já são cerca de 1.000 jovens, entre formados e estudantes pela Ilha socialista.
No entanto, um aspecto qualitativo sempre é posto em questão. O nosso país tem mesmo que verificar a qualidade da formação adquirida fora das nossas fronteiras, pois, sabemos, há uma verdadeira indústria de profissionais e de diplomas, dentro e fora do país. Nesse sentido, mais uma vez, Cuba se sobressai positivamente, pois ali a saúde e o ensino não foram mercantilizados, portanto, aquele país não faz parte da rota de fabricação de diplomas. Além do mais, os índices de saúde cubanos são mundialmente conhecidos e a formação do médico de lá já foi verificada por diversas missões brasileiras que constataram a qualidade e a compatibilidade com o currículo praticado por aqui.
Resta, então, responder a uma singela questão? Por que os diplomas desses brasileiros formados em Cuba não são automaticamente revalidados aqui? Por incrível que possa parecer, a resposta não é tão simples. Há médicos demais no Brasil? Não, pelo contrário, há uma enorme carência desse profissional, não obstante a estatística simples informar que o nosso quadro é compatível com o índice exigido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
As estatísticas oficiais indicam que no Brasil há 1,15 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes. Porém, em vez de revelar, esse dado só encobre verdades sobre a realidade brasileira. Se formos estratificar esses índices, enxergaremos uma realidade absurda. Há cerca de 500 municípios que não têm um médico sequer. Há estado no país que tem média de 0,5 médico para mil habitantes. Se tomarmos os dados de certas regiões muito pobres ou distantes, veremos que o quadro chega a ser caótico. Dados oficiais reconhecem carência de mais de 30% de certas especialidades em hospitais: anestesistas, obstetras, pediatras e psiquiatras, por exemplo.
Hoje as opções de especialização são maciçamente voltadas para as especialidades "rentáveis", como cardiologia, cirurgias plásticas, e por aí vai. Qual a política pública que visa corrigir essa distorção? Desconheço-a. Uma sociedade absolutamente voltada para a produção de mercadorias a qualquer custo terá dificuldade em enquadrar ou disciplinar o rentável filão do "mercado da saúde". O sistema de saúde público, por si só, não tem capacidade de enfrentar a lógica mercadológica e ainda atender às grandes necessidades da enorme população brasileira.
Aliás, uma população socialmente desequilibrada e prenhe de agravos na saúde pública que extrapolam em muito as simples doenças a serem tratadas: alto índice de assassinatos e de violência causadora de traumatismos; alto índice de populações sem acesso a saneamento básico e alto índice de acidentes, principalmente os de trânsito, são elementos que provocam superlotação dos nossos equipamentos de saúde.
Então, a questão continua a incomodar: por que não se revalida rapidamente os diplomas dos brasileiros formados em Cuba? Bem, sobra-nos uma hipótese plausível e incômoda. Em um país capitalista, socialmente apartado como o nosso, onde se pratica uma medicina mercantilizada e elitista, há uma instituição corporativa que só pensa em "proteger" seu "mercado" e que exerce forte influência no parlamento e nas universidades brasileiras. Portanto, tudo isso pode se resumir a uma sigla: CFM (Conselho Federal de Medicina).
Pois bem, a Audiência Pública convocada por uma Frente Parlamentar do legislativo do estado de São Paulo, apoiada por uma Associação de Familiares, é uma ótima oportunidade para que a sociedade brasileira tome conhecimento sobre esse assunto e constate como ele revela uma questão social muito mais profunda.
*Marcelo Chaves é da Associação de Familiares e Amigos de Estudantes em Cuba (AFAC).