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CDHM se manifesta sobre caso Roger Abdelmassih

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados manifestou publicamente, na última quinta-feira (20), por meio de nota dirigida especialmente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), sua posição em relação ao caso do médico Roger Abdelmassih, acusado de ter praticado atos criminosos contra suas clientes.

A nota é assinada pelo presidente da CDHM, deputado Luiz Couto (PT-PB), e pela deputada Iriny Lopes (PT-ES), ex-presidente deste colegiado.

Leia abaixo a íntegra da nota, também disponível na página da Comissão: www.camara.gov.br/cdh

Manifestação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso das mulheres vítimas do médico Roger Abdelmassih.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, por meio de seus membros, o Presidente do colegiado, Deputado Luiz Couto, e a Deputada Iriny Lopes, apresenta à consideração do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sua preocupação diante de um caso emblemático de violação de direitos humanos que, segundo informações da imprensa, chega hoje a essa corte na forma do pedido de habeas corpus para o acusado, o médico Roger Abdelmassih, preso sob a acusação de estupro e atentado violento ao pudor contra cinquenta e seis mulheres.

A defesa de Adbdelmassih recorre ao Superior Tribunal de Justiça depois de o desembargador José Raul Gavião de Almeida, da 6ª Câmara de Direito Criminal, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ter indeferido o pedido de habeas corpus, com base na periculosidade do réu. Estima-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo realize o julgamento do mérito do pedido nas próximas semanas.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) também tomou providências, tendo suspenso de forma cautelar o registro profissional do acusado por tempo indeterminado. A interdição cautelar foi unânime entre os conselheiros presentes à sessão plenária realizada no Cremesp, depois de abrir cinquenta e um processos contra o médico.

O órgão decidiu com base na resolução de 2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que prevê a interdição em casos em que o profissional esteja prejudicando gravemente a população. A decisão do Cremesp foi comunicada à Justiça Federal, já que o conselho é a autarquia federal responsável por regular a atividade médica e zelar pela ética dessa atividade profissional.

O médico Roger Abdelmassih encontra-se em prisão preventiva decretada pelo juiz Bruno Paes Stranforini, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, desde o dia 17 de agosto. O processo corre sob segredo de justiça.

Segundo o advogado criminalista José Luiz Oliveira Lima, que defende o médico, a prisão do seu cliente é "ilegal" e o acusado nega a prática de qualquer ato ilícito, aguarda o desenrolar das investigações e tem tranquilidade de que, “ao final, tudo será esclarecido". Numa estratégia gasta em casos como esse, o acusado afirma que as acusações não são comprovadas e procura desqualificar as provas.

Ora, será que as mais de sessenta mulheres que estão testemunhando estão todas mentindo à Justiça? Não é o que parece. Embora a presunção de inocência seja um princípio constitucional, os indícios contra o acusado são veementes, parecendo estar longe de ser uma denúncia leviana.

O acusado foi denunciado pela primeira vez ao Ministério Público em abril de 2008, por uma ex-funcionária. Depois, diversas pacientes com idades entre trinta e quarenta anos, a maioria com o perfil de profissionais bem-sucedidas, disseram ter sido molestadas quando estavam na clínica. Segundo apurou a imprensa, a Promotoria chegou a receber cerca de setenta relatos de supostas vítimas de Abdelmassih.

Mulheres que passavam por tratamento contra infertilidade na clínica do acusado afirmam terem sido surpreendidas por investidas do médico quando estavam sozinhas, durante consultas ou nos quartos particulares de recuperação. Três dessas mulheres dizem que foram molestadas após sedação.

É lamentável que um dos mais famosos especialistas em reprodução assistida do país apareça como autor de crimes covardes. Valer-se da condição de médico e da situação fragilizada da mulher é gravíssimo. O caso, além de representar violações de princípios éticos da profissão e da caracterização de crime de estupro, segundo os relatos das vítimas, trata-se de flagrante violação de direitos humanos.

Há também um componente de ofensa, de desrespeito ao gênero feminino, haja visto que a violência contra a mulher é histórica, cultural e não escolhe classe social ou grupos étnico-raciais, como esta Comissão testemunha desde a sua criação, em 1995.

Também por ser um caso com um grande número de vítimas e por ter provocado forte clamor na sociedade, este episódio deve ser tratado como verdadeiramente é: um caso emblemático, que não deve cair na impunidade, sob pena de passar para as cidadãs e os cidadãos do nosso país a mensagem de que a incolumidade da mulher não é relevante para a Justiça.

Na data de hoje – 20 de agosto – completam 9 anos de outro caso marcante pela crueldade e impunidade de violência contra a mulher: o assassinato da jornalista Sandra Gomide, cujo assassino confesso, o também jornalista Antonio Pimenta Neves, continua solto, embora condenado em primeira instância.

Apesar de arbitrariedades e da impunidade que ainda ocorrem no Brasil, como no caso do Sr. Pimenta Neves, e no restante do mundo, há avanços e vitórias graças aos movimentos pelos direitos humanos da mulher.

No plano do Direito Internacional, existem diversos instrumentos que são úteis para o desenvolvimento e a proteção dos direitos humanos das mulheres, tais como acordos, tratados, protocolos, resoluções e estatutos, muitos deles ratificados pelo Brasil.

Estes instrumentos foram desenvolvidos com o passar dos anos e no contexto de avanço das lutas de gênero, destacando-se, na proteção dos direitos humanos das mulheres: a Carta das Nações Unidas (1945); a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (1979); a Declaração de Viena (1993); a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher (1993); a Convenção de Belém do Pará (1995); a Declaração de Beijing (1995) e o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (2002).

Há nos círculos de militantes em direitos humanos uma crítica recorrente de que tais instrumentos são pouco considerados, quando não desprezados por operadores do Direito, inclusive nos tribunais.

Brasil, em que pesem algumas críticas justas formuladas por juristas brasileiros, a Lei 11.340/06 (Maria da Penha) representa um avanço significativo na proteção das mulheres vítimas de violência.

No momento em que se procura fazer valer a Lei Maria da Penha, que se busca superar concepções discriminatórias contra a mulher, a justiça deve ser cautelosa para não passar a idéia de que o prestígio de um profissional é valor mais importante que os direitos de gênero.

Por estas razões, e com todo o respeito e devida vênia ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados – preocupada com a possibilidade de resultarem em impunidade os crimes praticados contra as mulheres – cumpre seu dever de procurar demonstrar a transcendência e grande dimensão simbólica que o caso ora nas mãos dessa Casa assume para os Direitos Humanos no Brasil.

Brasília, 20 de agosto de 2009

Deputado Luiz Couto
(Presidente da CDHM)

Deputada Iriny Lopes