Entrevista: os verdadeiros keynesianos e os oportunistas
A Associação Keynesiana Brasileira (AKB), ligada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realiza, em Porto Alegre (RS), de 9 de 11 de setembro, seu II Encontro Internacional. Em entrevista ao Monitor Econômico, presidente da AKB, Fernando Ferrari,lembrou a importância em distinguir os verdadeiros seguidores de John Maynard Keynes e os "oportunistas":
Publicado 31/08/2009 13:23
"Os verdadeiros keynesianos vêem que falhas do mercado sempre existem e exigem políticas do Estado", disse, acrescentando que o II Encontro terá. dois objetivos específicos: analisar a conjuntura econômica mundial, a partir dos desdobramentos da crise financeira internacional, e debater os rumos da teoria econômica. Ferrari reconhece que nenhuma medida regulatória, no âmbito internacional, foi tomada até agora para reduzir a instabilidade financeira mundial, "que será o tema central das discussões."
Mas considera que a recuperação que se conseguiu até o momento deve-se às medidas anticíclicas adotadas. O endereço do site do evento é www.ppge.ufrgs.br/akb.
O "pior da crise já passou", como a mídia conservadora vem divulgando?
Seria precipitado dizer isso, mas a recuperação está sendo mais rápida que o esperado, justamente pelas medidas implementadas no primeiro momento nas economias desenvolvidas e, num segundo momento, nas emergentes. Elas se referem à política fiscal e à monetária contracíclicas. Não fosse isso, ainda estaríamos com os mesmos problemas, mas, no segundo trimestre, a Zona do Euro teve crescimento positivo na Alemanha e na França.
E quanto à queda nos EUA?
Ela foi menor que a esperada justamente por causa das medidas fiscais. Ademais, as próprias organizações multilaterais reconheceram que a queda e a intensidade da recessão não foram maiores porque houve políticas intervencionistas. Esse é o aspecto fundamental. Nesse particular, nosso encontro pretende mostrar que foram as políticas keynesianas contracíclicas que permitiram uma recuperação mais rápida.
Outra questão que voltará ao debate é a regulação do sistema monetário internacional, além da possibilidade de uma nova moeda de liquidez internacional, até pelo fato de que se tem como consenso que o crescimento será tímido e abaixo do que vinha ocorrendo ultimamente.
A liquidez injetada pelos bancos centrais pressionará a inflação, as medidas fiscais vão provocar déficit e haverá pé no freio para compensar fragilização monetária e, principalmente, fiscal. Tudo conspira para que, durante alguns anos, convivamos com a heterodoxia. Não há como fugir disso.
Todos os economistas se tornaram keynesianos?
Há os convictos e os de conveniência, oportunismo. Em debate promovido pela revista The Economist já se observou a separação entre aqueles que entendem que o problema macroeconômico estaria resolvido e que o equilíbrio ficaria por conta do mercado e os keynesianos, que vêem que falhas do mercado sempre existirão, exigindo políticas de Estado.
Esse debate voltou, daí o keynesianismo precisar mostrar que, na teoria e na prática, políticas keynesianas explicam porque o capitalismo é suscetível a crises repetidas. Para administrar essas crises precisa haver regulação, monitoramente do Estado e políticas macroeconômicas ativas, principalmente nos países emergentes, sempre mais afetados nas crises por terem histórico de inflação, desemprego, crescimento volátil e fragilidade externa. Por isso o receituário keyneisiano não pode ser negligenciado.
Quais as principais consequências das falhas sistêmicas intrínsecas ao funcionamento do sistema, apontadas pelos keynesianos?
Elas levam frequentemente a situações de concentração de renda e de desemprego. Nesse sentido, a "mão invisível" do mercado não funciona adequadamente sem o complemento da mão visível do Estado. Em outras palavras, a intervenção do Estado, no sentido complementar aos mercados privados, é imprescindível para criar um ambiente institucional favorável às decisões de gastos privados (consumo e investimento), impactando, assim, a demanda efetiva.
A crise vai obrigar a uma maior cooperação entre os países ou acentuará a concentração da riqueza e a exploração do trabalho, como previu Marx?
Marx disse que, a cada crise, além da concentração, as contradições ficam mais evidentes, até levar à ruptura do sistema capitalista. Para mim, que não sou marxista, a crise mostra a necessidade de intervenção do Estado e de mais regulação.
A questão é reestruturar a dinâmica capitalista. Essa reorientação do sistema se dá através de mecanismos que contemplem a idéia de que as crises são recorrentes e que precisa haver uma interface entre Estado e mercado. O mercado funcionando, mas tendo por trás um Estado forte, que sinalize um ambiente institucional favorável para que os agentes empreendedores possam tomar decisões.
Qual será o tema central do II Encontro?
A instabilidade financeira no capitalismo contemporâneo. A crise está mostrando que o processo de globalização, com livre mobilidade de capital, inovações financeiras tipo securitização, derivativos, valorização exacerbada dos agentes financeiros sobre o setor produtivo acabou ruindo com a crise do subprime, como ruiu com a crise da Nasdaq, na década de 90.
Ou seja, queremos mostrar que no processo de globalização financeira, no qual a riqueza financeira se sobrepõe à riqueza real, se a economia capitalista já era inerentemente instável, a desregulação geral aumentou mais ainda essa instabilidade.
Para evitar que as crises sejam mais impactantes, os mecanismos regulatórios são importantes para que possamos convier pacificamente com essa instabilidade, já que é impossível eliminá-la. É preciso criar condições para que o futuro possa ser menos o nebuloso possível, que as crises sejam normais e inseridas no contexto, sem causar maiores turbulências.
Quais os objetivos da AKB para o curto prazo?
O Dossiê da crise (coletânea de artigos recentemente publicada pela AKB) teve boa repercussão e esse congresso será o primeiro depois que a crise apresentou algum recrudescimento. Existem algumas alternativas teóricas das mais explicativas da crise e da maneira como sair dela.
Por isso traremos renomados economistas keynesianos do mundo inteiro, como Marc Lavoie (University of Ottawa) e Jan Kregel (University of Missouri at Kansas City) para termos sinalização de que, mesmo que o pior tenha passado, não se pode negligenciar a teoria keynesiana para entender a instabilidade do capitalismo, nem as medidas macroeconômicas para conviver com crises que virão.
O ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que fará palestra no evento, defende a limitação do déficit em transações correntes, uma espécie de lei de responsabilidade para as contas externas. Qual a sua opinião?
É uma idéia interessante. O descontrole em conta corrente é o primeiro indicador de que o país é vulnerável a um possível ataque especulativo. Se existem metas fiscais e de inflação, nada mais natural do que limitar o déficit em conta corrente para que não ultrapasse o ponto crítico, ou seja, 4% do PIB.