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Oriente Médio: A quem serve Abbas?

Uma delegação de oficiais da segurança do Egito uma vez mais embarca para a missão impossível de tentar definir as bases da próxima rodada de conversações de reconciliação entre os grupos políticos palestinos, prevista para acontecer entre Hamás e Fatá no Cairo, em setembro.

Por Hasan Abu Nimah, para o The Electronic Intifada

A delegação egípcia, chefiada por Omar Suleiman, chefe da segurança, já se encontrou com o líder do Fatá, Mahmoud Abbás, em Amman, antes de partir para Ramállah, Damasco e Gaza para encontrar-se com outros membros do Fatá e do Hamás, na esperança de suavizar suas respectivas posições, antes do encontro no Cairo.

Os egípcios têm sugerido, como dizem os jornais, que os dois grupos aceitem esperar as eleições legislativas e presidencial na Palestina, previstas para janeiro, antes que se tente qualquer acordo de reconciliação. Mas nem essa ideia, nem qualquer outra, tem conseguido superar o impasse nas negociações, que continuam paralisadas.

Os dois lados têm reafirmado o compromisso de participar dos encontros do Cairo, assim como têm reafirmado também a decisão de construir algum entendimento, embora esses sentimentos sempre ritualisticamente manifestados nada sugiram em termos de progresso iminente.

Um dos principais obstáculos ao entendimento são as centenas de partidários do Hamás mantidos como prisioneiros políticos nas prisões da Autoridade Palestina e do Fatá na Cisjordânia. (A Autoridade Palestina tem repetidamente negado que esses prisioneiros existam, embora, paradoxalmente, Abbás tenha anunciado que 200 prisioneiros, todos do Hamás, seriam libertados no início do Ramadan.) O Hamás também exige que as forças de segurança do Fatá, mantidas, treinadas e supervisionadas pelo general Keith Dayton dos EUA, suspendam a perseguição incessante aos combatentes do Hamás (perseguição que é parte do plano dos norte-americanos para esmagar qualquer resistência à ocupação israelense).

Aí, de fato, está o xis da questão. O Fatá e o aparelho da Autoridade Palestina que o Fatá controla participam da estratégia dos EUA, de combater a resistência, como condição para que a Autoridade Palestina continue a receber financiamento internacional. E o Hamás está, de fato, exigindo que seu opositor, Fatá/Autoridade Palestina, abandone seu principal papel como parte da "estratégia de paz" e seu compromisso com a chamada "comunidade internacional", o mapa do caminho do Quarteto e o plano Dayton.

Nesse quadro de relações, o Hamás é sempre o alvo prioritário na lista de inimigos da Autoridade Palestina. A mesma ideia explica também que as prisões da Autoridade Palestina estejam lotadas de membros do Hamás; e tem sido apresentada associada também a várias mortes que teriam ocorrido sob tortura, também de membros do Hamás, no último mês.

O Hamás – compreensivelmente, desse ponto de vista – vê a continuidade da caça aos seus partidários pelas forças da AP como totalmente incompatível com qualquer reconciliação. De sua parte, a Autoridade Palestina diz que essas mesmas ações (como o incidente em Qalqiliya em maio, quando a Autoridade Palestina atacou uma casa na qual se escondiam membros do Hamás, ataque que resultou em seis mortos) são evidência de que a Autoridade Palestina está cumprindo os deveres e obrigações que lhe cabem no plano definido de "combater o terrorismo".

Qualquer indicação, pela Autoridade Palestina, de que poderia abandonar esses compromissos, deixariam Abbás e seu governo em posição insustentável ante seus financiadores e apoiadores estrangeiros. Se Abbás chegou a considerar a opção entre fazer a paz com o Hamás ou conservar o apoio de seus patrões estrangeiros, certamente já se decidiu pela segunda via.

Não se pode ignorar que Abbás e sua Autoridade em Ramállah funcionam sempre segundo parâmetros especificados para atender a conveniência – de fato, as necessidades – da segurança do poder ocupante e das políticas pró-Israel de seus apoiadores estrangeiros. Não há lugar para o Hamás nesse quadro tão rigidamente construído. Apesar de o Hamás ter-se declarado disposto a integrar-se ao sistema político e jogar pelas regras, a ideia geral é eliminar completamente da equação política o movimento de resistência, negando-lhe qualquer papel político.

Abbás só aceitará uma reconciliação se o Hamás submeter-se à autoridade do Fatá e ao permanente controle pela Autoridade Palestina, autolimitando-se à estratégia política desenhada pelo Fatá e que, até o presente, ainda não deu os frutos que muitos esperavam que desse.

Outra reconciliação tentada antes – o chamado "acordo de Meca" do início de 2007 – teve vida curta exatamente porque incluía o Hamás com parceiro em condições de igualdade. Sob pressão dos EUA, Abbás desistiu desse acordo e demoliu o governo de unidade nacional que se criara pelo acordo.

A recusa a incluir o Hamás como parceiro pleno e respeitando a massa de seus eleitores levou ao fracasso da primeira rodada de reconciliação. Esses fatos não são novidade para os que insistem em tentar diálogos de reconciliação nem para os que insistem em responsabilizar os palestinos – muitas vezes diretamente o Hamás – por não se empenharem em suavizar as diferenças.

Os acordos de Oslo, de 1993, que criaram a Autoridade Palestina, tiveram de ser regularmente adaptados para manter a ênfase nas demandas da potência ocupante. Qualquer esforço para fazer as coisas andar numa direção que autorize os palestinos a auferir qualquer benefício dos acordos, por pequeno que seja, sempre receberam forte oposição de Israel apoiado pelos EUA. Para Israel, os acordos jamais passaram de instrumento para manipular os palestinos, de modo a que Israel pudesse continuar a ocupar e a colonizar terras palestinas.

Por essa razão, Israel, a certa altura, deixou de considerar como seu "parceiro adequado" para a paz, o falecido líder palestino Yasser Arafat. Embora Arafat tenha feito muito para acomodar as exigências de Israel, suas muitas concessões jamais foram consideradas suficientes, sequer quando vários direitos e interesses fundamentais dos palestinos já haviam sido sacrificados. Até que Arafat já não encontrou o que oferecer a mais, dos direitos palestinos, sem que as concessões lhe custassem toda a credibilidade entre os palestinos.

Assim, no início de 2002, uma nova liderança palestina (ou um "líder fantoche", como diz Paul McGeough, em seu importante livro Kill Khaled), teve se ser criada. Embora o ex-presidente Bush, dos EUA, seja muitas vezes responsabilizado pelo movimento que levou à troca de liderança dos palestinos, a ideia, para McGeough, surgiu originalmente dentro do Mossad israelense. Dado que Arafat parecia indestrutível, por causa da enorme popularidade de que gozava entre os palestinos, Efraim Halevy, chefe do Mossad, imaginou uma via alternativa. "Israel não conseguiu remover Arafat, mas Halevy acreditava que Israel conseguiria manipular outros grupos, para reorganizar a infra-estrutura do poder entre os palestinos, de modo que parte significativa do poder passasse a ser investido em outro ponto da cadeia" – escreveu McGeough.

O plano de Halevy foi aprovado pelo então primeiro-ministro de Israel Ariel Sharon e divulgado em várias capitais árabes e em todo o mundo, sempre – segundo Halevy – bem recebido. Bush adotou-o entusiasticamente, motivo pelo qual, em junho de 2002, oficialmente ‘exigiu’ uma nova liderança palestina que participasse das negociações.

O golpe de Halevy contra Arafat, foi ‘golpe branco’, sem sangue, planejado de modo que Arafat continuasse como "líder nominal", mas destituído de todos os seus poderes, que seriam investidos em um novo primeiro-ministro. O homem selecionado para esse serviço "urgentemente reclamado por Washington e pelos israelenses", escreve McGeough, foi Mahmoud Abbás, que logo depois sucedeu Arafat na liderança do Fatá e na presidência da Autoridade Palestina. O controle das finanças foi entregue a um ministro das finanças; um desconhecido funcionário do Banco Mundial, chamado Salam Fayyad, foi produzido sob medida para esse papel. Hoje, Fayyad já é primeiro-ministro, indicado por Abbás.

É difícil encontrar na história outro exemplo de movimento de libertação nacional convertido tão completamente em instrumento a serviço do poder opressor e ocupante. Mas conhecer e compreender essa triste realidade é fator crucial para entender por que qualquer tentativa de "reconciliação" entre os palestinos está antecipadamente condenada ao fracasso, enquanto persistir o quadro que deu origem à situação atual.

O fracasso da recente missão egípcia levou ao adiamento inevitável da rodada de reconciliação prevista para o Cairo, remarcada agora para depois do Ramadan. Uma vez que não interessa a ninguém declarar a total inutilidade de qualquer esforço de reconciliação, deve-se esperar que esse seja apenas mais um de muitos adiamentos que se sucederão.

Hasan Abu Nimah é ex-representante da Jordânia na ONU. Esse ensaio foi publicado também no Jordan Times. Original em http://electronicintifada.net/v2/article10742.shtml