Crescem condenações contra mau atendimento telefônico
"Apesar de todo o dinheiro ganho pelas grandes corporações, o consumidor continua tendo má acolhida nesses serviços de atendimento via telefone", avalia o desembargador Rizzatto Nunes, que completa: "São várias as condenações judiciais mandando pagar indenizações por danos morais causados ao consumidor."
Publicado 07/09/2009 13:32
Desde o dia 1º de dezembro do ano passado, está em vigor o Decreto nº 6.523 de 31-07-08 do Presidente da República que regulamenta os chamados SACs (Serviços de Atendimento ao Consumidor) via atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados, tais como empresas de telefonia, de internet, de tevê à cabo, de planos de saúde, de aviação, de energia elétrica, financeiras, de seguros e de cartões de crédito.
Rizzatto Nunes
para o Terra Magazine
Nesta coluna já mais de uma vez perguntei: precisávamos de um Decreto para que o consumidor pudesse ser melhor atendido nos SACs? A resposta é positiva, sem dúvida.
Mas, faço outra pergunta a você leitor: depois da regulamentação, você foi sempre bem atendido nos SACs? Eu não fui. Aliás, nem eu, nem meus amigos, nem certamente centenas de pessoas. Com ou sem regulamentação, os SACs continuam sendo de má qualidade quando não verdadeiros centros de desinformação e violação aos direitos do consumidor.
Veja esta: Uma amiga minha, depois de ser enganada pelo televendas de seu canal de tevê à cabo, indignada, cancelou o serviço e migrou para uma concorrente. Na dúvida sobre os serviços que a nova rede lhe oferecia, ligou ao SAC e recebeu a informação de que adquirira certos canais. Dias depois, alguns canais foram bloqueados. Era só "degustação" por alguns dias, disseram. Mas, não haviam deixado isso claro. Minha amiga está engolindo a indigestão, que lhe foi oferecida enganosamente.
Leia agora esta que aconteceu comigo na semana passada. Tive de fazer uma transação bancária via internet. Como não deu certo, liguei para minha gerente que gentilmente me atendeu e me disse que ela não poderia me ajudar. A ajuda somente poderia vir do serviço telefônico que tem o nome de "SOS". Passou-me o número e eu, feliz com o rápido atendimento dela, liguei para o tal número do SOS. Na primeira tentativa, fiquei ouvindo uma música uns dois, três minutos e a linha caiu sem que eu fosse atendido. Imediatamente liguei de novo. Caiu novamente, após me fazer passar minutos com a tal musiquinha. Esperei dez minutos e tentei uma terceira vez, mas o resultado foi o mesmo. Não fui atendido. E o SAC é intitulado SOS! Pode? Parece que sim.
Apesar de todo o dinheiro ganho pelas grandes corporações e também da incrível tecnologia de ponta dos tempos atuais, o consumidor continua tendo má acolhida nesses serviços de atendimento via telefone.
Lembro que o Decreto regula não só questões de atendimento envolvendo informação, dúvida e reclamação do consumidor, como também de suspensão e cancelamento dos serviços contratados. Esses dois últimos aspectos são fundamentais porque, como parte dos telefonemas dos consumidores é para cancelar o contrato, então, o fornecedor faz de tudo para impedir que a solicitação se concretize, o que viola abertamente o direito instituído. É a prova de que a mentalidade de muitos empresários que atuam no país ainda está dezenas de anos atrasada.
Então, como a modernidade capitalista de respeito ao consumidor não chega ao Brasil, uma das saídas é legislar, criando regras para que o fornecedor se atualize forçosamente. Lembro também que o Poder Judiciário tem sido bastante acionado por causa de falhas nesse tipo de serviço e tem dado sua contribuição para dar um "empurrão" no setor. São várias as condenações judiciais mandando pagar indenizações por danos morais causados ao consumidor. Veja algumas já referidas aqui.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, condenou uma companhia telefônica a pagar R$25.000,00 de indenização por danos morais causados pela falha do atendimento desse serviço telefônico. O consumidor cancelara a assinatura, pondo fim a relação estabelecida com a operadora. No entanto, apesar disso, continuou recebendo faturas com cobrança nos meses seguintes. O consumidor voltou a ligar, desta vez reclamando, mas não adiantou. A cobrança ilegal prosseguiu. Ele, então, desistiu do SAC e mandou uma carta, mas não adiantou. A emissão das faturas e as cobranças continuavam. O consumidor, sem alternativa, entrou com ação judicial requerendo que o juiz determinasse que a empresa telefônica parasse com a cobrança. O Juiz marcou audiência e nesta, o advogado da empresa se comprometeu a mandar cessar a cobrança abusiva. Mas, por incrível que pareça, a cobrança ainda prosseguiu por mais quatro meses.
Num outro caso, o Tribunal mandou a companhia telefônica devolver ao consumidor o valor que ele havia pago por ligações feitas de seu aparelho celular, que fora roubado no exterior. Logo depois do roubo, o consumidor tentou, em diversas oportunidades, contatar a empresa pelo SAC para avisar do roubo e pedir o bloqueio do aparelho. Não conseguiu. O aviso só foi dado três dias depois, mas ainda assim a operadora cobrou indevidamente o valor lançado na fatura das ligações feitas pelo ladrão!
E num outro processo, também envolvendo operadora de telefonia, o Tribunal condenou a empresa a pagar R$25.000,00 por danos morais causados por cobrança abusiva e ilegal. O drama do consumidor nesse caso teve início já na aquisição das linhas. Ele adquiriu duas, uma para si e outra para a namorada. Mas, uma das linhas não foi cadastrada na promoção oferecida pela operadora. Conclusão: começou a sina de cobranças abusivas e ligações sem fim ao SAC. No início, o consumidor coagido e com medo de ser negativado nos serviços de proteção ao crédito, pagou as faturas, apesar do valor indevidamente cobrado. E, em seguida, tentou receber de volta a quantia paga, via SAC. Não obtendo sucesso e cansado, num certo mês, não pagou e teve a linha cortada. Foi obrigado a recorrer ao Judiciário para ver sanado o abuso.
Por fim, numa outra ação judicial o Tribunal condenou a empresa a pagar R$15.000,00 por danos morais causados a uma consumidora, estudante universitária. Ela, sem dinheiro, atrasou o pagamento de duas contas telefônicas. A linha foi cortada. Depois disso, ela pagou as faturas com todos os acréscimos exigidos, mas o pessoal do SAC disse que para a religação ela teria de pagar uma outra conta que ainda iria vencer! Ela insistiu e mostrou o absurdo de exigirem o pagamento antecipado da conta e disse que precisava da linha para pode usar a internet, pois tinha de entregar um trabalho escolar, mas não lhe foi dada nenhuma atenção. Ela ficou sem a linha até chegar o dia do vencimento da conta futura e só depois desse outro pagamento é que a mesma foi reconectada.
São muitos os casos parecidos e certamente há dezenas, centenas de consumidores lesados que não foram ao Judiciário. O que chama atenção, é que não era para ser assim. Das duas uma: há má-fé das empresas que preferem continuar abusando, porque talvez isso traga alguma vantagem financeira (o lucro compensa a perda) ou a competência administrativa demonstrada na oferta (com marketing e publicidade de primeira, tecnologia de ponta etc) não chega ao setor de suporte e atendimento.
*Rizzatto Nunes é mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP. É desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Autor de diversos livros, lançou recentemente "Superdicas para comprar bem e defender seus direitos de consumidor" (Editora Saraiva) e o romance "O abismo" (Editora da Praça).