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 Mantega diz que Lula tinha razão sobre a marolinha

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha certa razão sobre as proporções da crise sobre a economia brasileira. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada neste domingo (13), Mantega disse que "a crise bateu nos portos brasileiros mais como marolinha".

Mantega disse que Lula sabia que o Brasil estava em "condições mais sólidas" para encarar a crise. O ministro da Fazenda elogiou a atuação do Banco Central (BC) até o momento e citou a agilidade das medidas tomadas. Em relação à taxa básica de juros do País, decidida pelo BC, Mantega afirmou que não vê motivo para aumentos em 2010. O ministro disse que "em algum momento no futuro", talvez não até o final do governo Lula, o Brasil terá uma taxa de juros real (descontada a inflação) não maior que 2% ou 3%.

De acordo com o ministro, o governo estuda medidas que estimulem a competitividade brasileira no pós-crise, entre elas a redução de custos na folha de pagamento. Mantega disse que o governo não irá retomar o recolhimento do compulsório (percentual repassado pelos bancos ao governo de todos os depósitos feitos pelos clientes) em níveis anteriores à crise. Veja abaixo a entrevista:

Com a volta do crescimento no segundo trimestre, qual é a intensidade da recuperação?

Hoje estamos com o crédito bastante recomposto. Não é 100% ainda, o custo financeiro é elevado, os "spreads" [diferença entre a taxa que o banco paga ao captar dinheiro e a que cobra ao emprestar] estão elevados, porém há uma recomposição razoável do crédito. O mercado consumidor está indo bem. Acredito que podemos encerrar o ano com um crescimento de 1%.

O que teria acontecido se o governo não tivesse tomado medidas anticrise?

Estamos fazendo um estudo, não temos o resultado completo, mas as medidas fiscais e monetárias devem ter produzido um efeito entre 2% e 2,5% do PIB a mais.
Se tivermos 1% positivo de PIB neste ano, se não fossem as medidas, cairíamos 1,5%. É uma estimativa.

Com a volta do crescimento, vai haver prorrogação das desonerações para a indústria?

Não há, neste momento, nenhuma intenção de prorrogar essas medidas. Eu não vou aqui jurar, porque a gente está sempre observando a situação da economia. A velocidade [do crescimento] no último trimestre será em torno de 4%.

E as medidas monetárias, como a liberação dos compulsórios, dinheiro que os bancos têm de recolher ao BC?

Até o ponto em que nós discutimos, não há intenção de voltarmos neste momento ao nível de compulsório anterior. Deve permanecer do jeito que está. Não é o caso de retornar esse dinheiro, mesmo porque ainda temos R$ 160 bilhões de compulsório. Agora, é uma coisa que não depende apenas de mim, é uma questão que depende do Banco Central.

As taxas de juros voltarão a subir em 2010?
 
A redução da taxa de juros não tem necessidade de ser revertida. Não vejo nenhum motivo para subir, mas eu não tenho a última palavra nessa questão. A inflação está muito bem comportada, não há razão para mexer na equação.

Mesmo em 2010?

Em 2010 estamos ampliando o produto potencial do país, a economia brasileira está pronta para funcionar sem inflação com um PIB de 5%.

Voltando à questão dos compulsórios, os bancos vão usar esse excesso de dinheiro para aumentar o crédito?

Não posso garantir, mas, se eles não canalizarem, vão perder dinheiro.

Qual a taxa de juros ideal no final do governo Lula?

Não sei se no final do governo Lula, mas em algum momento no futuro o Brasil terá uma taxa básica com um juro não maior que 2% a 3% reais. Não mais que isso, não há necessidade.

Quais são os problemas pela frente?

O Brasil ainda tem inúmeros problemas a enfrentar até se tornar uma potência de primeira grandeza. Ainda há resquícios da crise. Temos uma queda do comércio internacional, isso afeta o setor exportador e não foi resolvido. Temos o problema do câmbio valorizado desestimulando as exportações brasileiras e dando, digamos, uma condição menos competitiva [às exportações].

Como resolver esse problema?

Não será de forma artificial nem com manipulação de câmbio. Somos adeptos do câmbio flutuante, deu certo no Brasil, mas temos de ser agressivos na compra de reservas. E temos que tomar medidas que aumentem a competitividade da indústria brasileira, reduzir custos. Se o câmbio está destinado a ser valorizado por uma série de razões, boas até, temos de compensar isso. Temos de dar taxas de juros cada vez mais baixas para o exportador brasileiro, para o investimento que vai gerar essa exportação.

Quais são as medidas em estudo nessa área?

Um programa de redução de custos, para aumentar a competitividade da economia brasileira no pós-crise.

Mas há espaço fiscal para tomar essas medidas?

Pensamos em medidas que serão implantadas a partir do início do próximo ano. Então já se beneficiarão da recuperação da arrecadação. Faremos novas medidas de caráter de redução de custo financeiro e de custo tributário no ano que vem. Medidas pensando no cenário pós-crise, no qual o mundo será diferente.

Diferente como?

Teremos uma competição muito mais forte no comércio exterior, porque o mercado encolheu. Vamos ter de disputar mais os mercados.

Quais medidas serão lançadas no ano que vem?

Reduzir o custo da folha de pagamento, por exemplo.

A questão fiscal não é outra grande dor de cabeça hoje? 

É verdade que é mais difícil. Mas reduzimos o superavit primário também. E se há um país em condições de cumprir é o Brasil. Mais do que todos os nossos parceiros.

O governo pode usar o fundo soberano nessa política de aumento de competitividade?

No limite, pode. Não gostaria de usar o fundo soberano para sustentar gastos correntes. Prefiro cortar gastos correntes a usar o fundo para isso. Poderei usar o fundo soberano para novos estímulos econômicos, por exemplo, uma nova desoneração de folha [de pagamento].

Não seria ideal comprimir gastos correntes?

Não só é ideal como é uma labuta diária deste ministério. Este ministério não estimula o gasto.

Mas a ideia de colocar limite para crescimento dos gastos com pessoal acabou não dando certo.

Está lá com o Romero Jucá [líder do governo no Senado]. Ele colocará em pauta. Combinei com ele de incluir em alguma medida que esteja tramitando, ainda neste ano. Nossa proposta é de 1,5%. Sei que eles têm a proposta de 2,5%. Se o PIB crescer a 4%, estaremos diminuindo a relação da despesa corrente com o PIB.  Não vou fazer um escândalo se for 2,5%. Eu prefiro 1,5% porque fica mais controlado. Se passar de 2,5%, já teremos um limitador dos gastos.

Como o sr. avalia a atuação do BC na crise?

Eu diria que o BC teve um desempenho excelente na crise, reagiu rapidamente, todas as decisões foram tomadas em conjunto. Foi uma ação conjunta nos campos financeiro, monetário e fiscal, que foi muito bem-sucedida.

Qual a principal lição desta crise?

Não se pode deixar os mercados fazerem o que bem entenderem, principalmente no campo financeiro. É preciso ter regulação pública, uma fiscalização intensa. Não é recomendável acumular desequilíbrios fiscais e externos.

A crise mostrou um lado mais intervencionista e nacionalista do governo Lula.

Até admito que somos mais nacionalistas. Mas vejo isso como uma virtude. O nosso nacionalismo é para defender o interesse do emprego e da produção brasileira, sem xenofobia.

Não é característico do governo Lula ser intervencionista?

O Estado tem um papel importante no estímulo ao crescimento porque já vimos que os mercados erram e acabam levando as economias a crises. Discordo que haja filosofia estatizante. O que há, sim, é que damos importância maior ao Estado para desenvolver certas tarefas, como planejar o desenvolvimento e estimular determinados setores. E está dando certo.

A polêmica estatizante versus privatizante pode ser usada em 2010 contra o governo Lula?

Não vão usar esse discurso porque vão quebrar a cara.

Afinal, vivemos ou não uma marolinha?

A crise bateu nos portos brasileiros mais como uma marolinha, de fato. Acho que o nosso presidente até que tinha razão. Quando ele falou isso, foi no início da crise, que não tinha chegado com toda sua virulência. E ele sempre soube que o país estava em condições mais sólidas.

Com informações da Folha de S.Paulo