Poetas lançam primeiro cordel em sistema braille

O Cariri confirma ser um celeiro de grandes manifestações culturais, com o pioneiro cordel em sistema braille

Crato O primeiro cordel em sistema braille do Brasil sai da fonte da arte caririense, dentro da comemoração dos 200 anos do alfabeto braille. ´Do Selo Lambido ao Ponto Com´ é o título do trabalho, produzido em duas mãos. Os poetas José Mauro da Costa, mineiro de Belo Horizonte, e Ulisses Germano Leite Rolim, de Iguatu e caririense por escolha, começaram a tratar do trabalho por meio de uma brincadeira, mas que agora faz história.

O lançamento será nacional para todos os institutos de portadores de deficiência visual do Brasil. Foi a principal atração da sétima edição do evento Livro de Graça na Praça, que aconteceu no último domingo, na Praça da Liberdade, com a distribuição de 30 mil exemplares de livros totalmente gratuitos. A promoção foi da Associação dos Escritores e Produtores do Livro de Graça na Praça.

Foram impressos inicialmente 1.500 exemplares na gráfica da Academia de Cordelista do Crato, numa edição normal. A xilogravura foi confeccionada por Lusyennir Lacerda. A edição em braille foi confeccionada através do patrocínio Instituto Benjamim Constant. "Essa é uma forma de divulgar a poesia, a métrica e a rima do cordel", diz o professor de arte, também músico e compositor. Ele explica que conheceu José Mauro há alguns anos no município do Crato. Um professor aposentado de literatura, alheio às chamadas "tecnologicidades".

Ele não usa celular e nem tem e-mail. Daí nasceu o cordel a idéia "Do Selo Lambido ao Ponto Com". Um contraste dos tempos que se renovam, mas as percepções do que há de bom e a atemporalidade da arte. "Uma forma de se falar das vantagens de cada tempo, das tecnologias disponíveis", diz ele.Na apresentação do cordel, com a poeta Josenir Lacerda, ela vai mais longe, ao falar de um duelo bandido e bem formatado.

Ulisses se encantou no Cariri. Quer até morrer em plena Chapada do Araripe. Já publicou alguns cordéis. A sua grande felicidade para se inspirar na rima dos livretos foi encontrar poetas como Luciano Carneiro, Bastinha, Josenir Lacerda, todos da Academia de Cordelistas do Crato. "Vim prá dizer/ que toda minha cantoria/quer rimar com o dia/ que a paz um dia reinar/então deixo esse planeta satisfeito/por ter feito do defeito/uma lição para mudar", diz o poeta, deixando sua rima em homenagem ao trovador Francisco Correia Lima, o Correinha.

Ulisses tem tido dificuldades de conseguir apoio para ir participar do lançamento em Belo Horizonte. Ele diz que essa será uma oportunidade de falar do Cariri para a imprensa de vários estados, mas que mesmo assim com dificuldades não deixará de ir participar do que ele considera um momento.

Inclusão cultural

O evento é uma das atrações do calendário cultural da capital mineira, durante este mês. Considerado de grande sucesso nos anos anteriores, tem como objetivo difundir o hábito da leitura, promover a inclusão cultural, integrar a literatura no contexto do circuito cultural da Praça da Liberdade e ainda possibilitar a interação entre o autor e os variados leitores.

Anualmente, os livros são editados especialmente para distribuição gratuita em praça pública com a presença dos autores. Nos últimos seis anos, foram entregues à população cerca de 40 mil exemplares de várias obras. Os cordéis "Do Selo Lambido ao Ponto Com" e "Corpo de Bombeiros" serão lançados para o público infanto-juvenil, além do lançamento da edição em braille. A meta é divulgar ainda mais essa arte, por meio do incentivo à leitura, bem como à produção de texto.

Versos destacam mundo com tecnologias

No mundo tecnológico/ aparentemente ilógico/ do viver globalizado/ existem muitas pessoas/ que seguem tecendo loas/ à volta ao passado./ Assustadas com o novo/ ficam espalhando pro povo/ a mensagem distorcida/ que a tecnologia mata/ a sabedoria nata/ acumulada na vida./ Pessoalmente, não creio/ e vos falo sem receio/ que a destruição do erro/ nasce do nascer do novo/ que Colombo no seu ovo/ deu solução ao emperro./ A humanidade tão ávida/ acolhe a mudança, impávida/ a internet é o portal/ da nossa biblioteca/ onde está a hipoteca/ do saber universal./ O desuso é a conseqüência/ do avanço da ciência/ conforto sempre faz bem/ usando certo e bom senso/ podemos, sim, assim penso/ penso o conforto também./ Quem não tem computador/ deveria andar de andor/ voltar a telegrafar/ sentar no bonde parado/ viver no ultrapassado/ tempo de manivelar./ Ora pois, que absurdez!/ parar o tempo de vez/ bom mesmo é facilitar/ mostrar a cara do mundo/ num piscar de um segundo/ ver a notícia chegar!/ Os dois lados da moeda/ muitas vezes envereda/ pro lado mal do pensar/ mas quando o conhecimento/nos liberar do tormento/o bem há de despontar. (trecho do cordel)

Fonte: Diário do Nordeste