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As eleições no Japão e a luta antinuclear

Vencedor devido às intransigentes posições contra as armas nucleares, o O PDJ enfrentará um conjunto de inúmeros desafios se persistir em cumprir as suas próprias promessas de se libertar totalmente das ameaças constituídas pelas armas nucleares.

Por Lawrence S. Wittner*

Embora na origem da esmagadora vitória do Partido Democrático na oposição nas eleições parlamentares no Japão de dia 30 de agosto estejam inúmeras causas, uma das consequências será o reforço da luta por um mundo livre de armas nucleares.

Ao longo dos últimos anos, o longo reinado dos conservadores no Japão, reagrupados dentro do injustamente apelidado, de Partido Democrático Liberal (PDL), tem vindo a demonstrar crescentemente sinais de negligenciar o estatuto japonês de se manter livre de armas nucleares. Seguindo o exemplo do desenvolvimento das capacidades nucleares da Coreia do Norte, dirigentes do partido afloraram publicamente a hipótese de o Japão adquirir armas nucleares. Mais recentemente, um antigo membro do governo revelou aquilo de que muitos japoneses já suspeitavam: há décadas atrás, um governo do PDL concordou em autorizar escalas em território japonês a aviões e navios estadunidenses transportando armas nucleares. Observadores estrangeiros até começaram, então, a esboçar a análise segundo a qual o governo japonês do PDL, ao insistir nas garantias nucleares dadas pelos EUA, poderia acabar por enfraquecer a posição da administração de Obama quanto à redução da importância das armas nucleares na política de defesa norte-americana.

Mas a estrondosa vitória do Partido Democrático do Japão (PDJ) e a sua vincada posição antinuclear alterou dramaticamente a situação. Defendendo os três princípios antinucleares da nação – um compromisso de 1967 do governo de então, de não possuir, construir ou deixar entrar em território nacional armas nucleares – o líder do Partido Democrático Yukio Hatoyama prometeu transformar estes três princípios em letra de lei. E nem sequer esta luta antinuclear se limitará ao Japão. O PDJ defende uma zona livre de armas nucleares para toda a região. Assim como, recentemente, ou seja no mês de Agosto, Hatoyama pronunciou-se publicamente afirmando que "lutar por um mundo livre de armas nucleares como o deseja o presidente Barack Obama, é, precisamente, a obrigação moral do nosso país".

A vitória do PDJ dá novo alento à campanha pela abolição das armas nucleares que, recentemente, se transformou de uma visão utópica para um programa político pragmático.

Movimento em crescendo

Muito antes destes governantes norte-americanos e japoneses virarem a sua atenção para a necessidade de se abolir os vastos arsenais nucleares, inúmeros grupos de cidadãos organizados têm organizado vigorosas campanhas nesse sentido. E essas mesmas campanhas de desarmamento nuclear desempenharam a função de convencer governantes a retroceder na corrida a esse tipo de armamento e até a aceitar desmantelamentos. Como consequência dessas políticas, o número total de armas nucleares em todo o mundo, diminuiu de cerca de 70.000 no pico da guerra-fria para, aproximadamente, 24.000 hoje em dia.

Para além disso, nos últimos anos a luta pelo desarmamento nuclear, transformou-se num combate por um mundo totalmente livre de armas nucleares. Em janeiro de 2007, e novamente em janeiro de 2008, um grupo de antigos conselheiros nacionais norte-americanos de defesa, escreveu um conjunto de artigos no jornal Wall Street Journal sustentando que sendo a existência de armas nucleares um perigo para o futuro da humanidade, o governo norte-americano deveria lutar pelo objetivo da abolição de armas nucleares. Ao longo da sua recente campanha presidencial, Obama, repetidamente, referiu-se à reconstrução de um mundo livre de armas nucleares, tal como o voltou a fazer em abril. Nesta última oportunidade, e discursando na cidade de Praga, comprometeu o governo norte-americano a "lutar pela paz e segurança num mundo livre de armas nucleares". Posteriormente, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, anunciou o seu próprio projeto para envolver o mundo todo "no seu combate por um mundo livre de armas nucleares".

Um conjunto de eleitos importantes juntou-se, igualmente, a esta luta. Em 2008, a Conferência de presidentes de câmaras municipais adoptou, por unanimidade, a resolução apoiando a eliminação mundial de armas nucleares até 2020. Seguiu-se-lhe, em 2009, uma resolução saudando entusiasticamente, e também aprovada por unanimidade, "a nova liderança e tolerância de que os EUA passaram a dar provas em relação ao combate por um mundo livre de armas nucleares" e desafiando o presidente Obama "a anunciar na Conferência do tratado de não proliferação de armas nucleares de 2010" o início das negociações para a subscrição de um "acordo internacional para a abolição de armas nucleares até 2020".

A Conferência de bispos católicos norte-americanos, relativamente silenciosa sobre desarmamento nuclear desde o seu dramático apelo antinuclear de 1983, demonstrou um interesse renovado sobre o assunto em 2009. Em 8 de abril, falando em nome da Conferência o bispo Howard Hubbard da cidade de Albany saudou a liderança da administração Obama na luta "por um mundo livre de armas nucleares" e afirmou que a Conferência "desejava trabalhar com a Administração e com o Congresso na defesa de legislação" que prosseguisse esse objetivo. A 29 de julho, numa ideia divulgada num "Simpósio de Dissuasão" dirigido pelo Alto Comando estratégico norte-americano, o Arcebispo Edwin O’Brien da cidade de Baltimore – um prestigiado membro da comissão da Conferência Internacional Justiça e Paz – começou esse encontro militarmente orientado insistindo que "o nosso mundo e os seus líderes têm de se esforçar num futuro para o nosso mundo, livre de armas nucleares".

O mundo do trabalho e a luta pela paz

O mundo do trabalho começou também a mobilizar-se contra as armas nucleares. A 10 de Julho de 2009, a Confederação Sindical Internacional – que representa 157 milhões de trabalhadores oriundos de 157 países (incluindo os membros da AFL-CIO – Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais) lançaram uma campanha internacional em defesa do desarmamento nuclear. O aspecto fulcral dessa mesma campanha é a petição clamando por um tratado de desarmamento nuclear subscrito por todos os estados membro das Nações Unidas. Segundo esta Confederação mundial do trabalho, esta campanha foi "articulada em estreita colaboração com o grupo mundialmente implantado dos presidentes de câmaras municipais para a paz", liderado pelo presidente da câmara municipal da cidade de Hiroshima Tadatoshi Akiba, que, por sua vez, clamou por um mundo totalmente livre de armas nucleares em 2020.

Embora os movimentos defensores da paz nos EUA, se tenham ultimamente preocupado mais com o fim das guerras no Iraque e no Afeganistão, assim como a impedir a guerra contra o Irão, ultimamente têm-se notado o aprofundamento das preocupações no sentido de se lutar por um mundo livre de armas nucleares e, especialmente, tentando entrar em sintonia com a Conferência para a revisão do tratado de não proliferação de armas nucleares a decorrer em Maio de 2010, nas Nações Unidas. No começo do verão de 2009, organizações que pugnam pela paz e pelo desarmamento, divulgaram uma petição a exigir a abolição das armas nucleares directamente endereçada a Obama, e exigindo o aproveitamento dessa mesma conferência para a administração propor negociações para a assinatura de um tratado abolindo inteiramente as armas nucleares. Está ainda de pé, um projeto de convocação de uma manifestação antinuclear à frente da sede das Nações Unidas para dia 2 de maio de 2010, assim como estão previstos outros eventos, de menor dimensão, para ajudar a encorajar boas vontades para o combate por um mundo totalmente livre de armas nucleares.

Neste momento, o patamar que o resultado das eleições no Japão elevará, sobre o eventual desabrochar desta campanha mundial por um mundo livre de armas nucleares, permanece incerto. O PDJ enfrentará um conjunto de inúmeros desafios se persistir em cumprir as suas próprias promessas de se libertar totalmente das ameaças constituídas pelas armas nucleares. Embora o sentimento predominante da opinião pública no Japão seja a recusa das armas nucleares, verifica-se um medo crescente para com o programa de armamento nuclear norte-coreano – um fato que, indiscutivelmente, irá provocar alguma erosão na doutrina antinuclear da nova administração. O compromisso de se manter o Japão como um país livre de armas nucleares continua a ser sedutor, ao mesmo tempo que o Japão já desenvolveu as capacidades científicas e tecnológicas para produzir armas nucleares rapida e facilmente. Para além desse fato, muitos japoneses (e particularmente alguns membros do PDJ) embora não se sintam protegidos com a criação de um arsenal de armas nucleares japonês, sentem-se agradados em continuar debaixo da alçada nuclear norte-americana. Por conseguinte, poderá haver alguma resistência aos esforços internacionais para a criação de um mundo livre de armas nucleares.

Mesmo assim, a inversão de rumo que se espera após as eleições ganhas pelo PDJ, poderá encorajar os opositores das armas nucleares, uma vez que não só, não deixa de ser uma importante vitória para o combate antinuclear, como pode representar uma mudança eventual na política quanto às armas nucleares, de uma grande potência econômica. Mas acima de tudo, este resultado eleitoral, serve de indicador do crescimento da influência do movimento antinuclear.

* Lawrence Wittner é professor de História na Universidade Estadual de Nova York – Albany e colaborador da Política Internacional em Análise (Foreign Policy Focus).

Este texto foi publicado em Foreign Policy Focus: www.fpif.org

Tradução de João Hinard de Pádua, para o Diario.info