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EUA inventam mais uma crise contra o Irã

Ninguém sabe o que sairá das conversações que se iniciarão em Genebra, dia 10 de outubro, entre o Irã e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, sobre o programa nuclear do governo de Teerã.

Por Jack A Smith, para o Asia Times

O Irã diz que tem expectativas favoráveis, mas, a julgar pelo que disseram EUA, Reino Unido, França e Alemanha, na semana passada, no encontro na ONU e na reunião do G20 em Pittsburgh, todos planejam, para os próximos meses, impor sanções draconianas ao Irã. Daí pode resultar outra crise grave, da qual o mundo não precisa nesse momento.

Rússia e China – que têm poder de veto no Conselho de Segurança que podem debilitar e até impedir a imposição de outras sanções – têm resistido, até agora, ao movimento do governo Obama que exige novas e mais duras punições pela ONU. Obama manteve reuniões em separado essa semana com os presidentes russo Dmitri Medvedev e chinês, Hu Jintao, num esforço para obter a concordância de ambos para ameaças mais fortes, caso o Irã resista durante as negociações de outubro.

A Casa Branca, mais tarde, sugeriu para a imprensa que Medvedev poderia estar sendo seduzido pelo ponto de vista de Obama, mas não parece haver qualquer evidência que reforce essa possibilidade, além de uma frase de Medvedev ("em alguns casos, as sanções são inevitáveis"). Em relação à China, evidentemente, ninguém foi tão longe. A China opõe-se por princípio a todos os tipos de sanção como meio para resolver disputas internacionais.

Moscou e Pequim não endossam a imagem negativa do Irã que Washington, Telavive, Londres, Paris e Berlim trabalham para criar e divulgar. Ambos entendem que a situação seria muito mais complexa do que a divulgada, com insistência, pelos EUA e seus aliados.

A questão iraniana assumiu o centro do palco repentinamente, dia 25 de setembro, durante uma semana de atividade política frenética. A Casa Branca encenou uma conferência de imprensa teatralmente produzida, logo na abertura da reunião do G20, para detonar ali a sua bomba política destinada a destruir o argumento iraniano de que seu programa nuclear visa a fins pacíficos, não à construção de armamento nuclear.

A conferência abriu com Obama ao microfone, ladeado por Nicholas Sarkozy e Gordon Brown solenemente perfilados à esquerda e à direita. Alguém explicou que a chanceler alemã Angela Merkel ali estaria, não tivesse sido retida por problemas de mau tempo que atrasaram seu voo.

Obama então ‘denunciou’ que o Irã durante vários anos construíra secretamente uma instalação subterrânea, em território montanhoso, próxima à cidade de Qom, a cerca de 160 quilômetros da capital Tehran, para somar-se às instalações nucleares em Natanz que o mundo já conhecia. Sugeriu fortemente que a nova fábrica destina-se-ia a produzir armamento nuclear sem qualquer notificação ao resto do mundo. A construção da fábrica é fato; para o resto, não há qualquer comprovação.

Obama foi duro: "A decisão do Irã, de construir mais uma instalação nuclear sem notificar a Agência Internacional de Energia Atômica, implica desafio direto ao núcleo duro do regime de não-proliferação (…) e ameaça a segurança e a estabilidade da Região e do mundo". Qualquer recusa a "come clean" [aprox. "confessar tudo"], disse Obama, "levará à confrontação".

Sarkozy e Brown falaram imediatamente depois e foram ainda mais violentos: explicitamente exigiram sanções mais fortes. Para Brown: "O nível de falsidade do governo do Irã, e a escalada do que nós cremos que seja violação dos compromissos internacionais, causarão choque e ira em toda a comunidade internacional."

O New York Times noticiou que "depois de meses de vacilação sobre a necessidade de engajar-se, o Sr. Obama parece ter dado um passo adiante na direção de considerar inevitáveis novas sanções contra ao Irã (…). Funcionários norte-americanos disseram esperar que o pronunciamento do presidente torne mais fácil argumentar a favor de sanções internacionais."

A maioria dos deputados e senadores já vem criticando duramente o governo iraniano e o recente pronunciamento do presidente só fez reacender as chamas da hostilidade. Ileana Ros-Lehtinen, deputada de direita, da Florida, e presidente da comissão de Assuntos Internacionais da Câmara de Deputados, declarou: "Os EUA e outros países devem imediatamente impor sanções duras contra o regime iraniano, inclusive com corte na importação de gasolina pelo Irã. O mundo não pode assistir sem resistência à conversão em realidade desse pesadelo que é o Irã nuclear." John Kerry, Democrata de Massachusetts e presidente da comissão de Relações Internacionais do Senado não fez por menos: "É chegada a hora de suplementar o engajamento com sanções internacionais mais robustas."

Como planejado, a ‘denúncia’ espetaculosa gerou manchetes em todo o planeta. Provavelmente convenceu muitos norte-americanos, já dispostos a odiar o Irã, de que Teerã está construindo bombas atômicas para atacar Israel e os EUA.

Essa conclusão é provável e verossímil para pessoas que, durante 30 anos, assistiram à incansável campanha de Washington para demonizar o governo revolucionário que derrubou um governo-fantoche lá implantado pelos EUA – o famigerado xá do Irã. Os EUA romperam relações diplomáticas com o Irã depois daquele ato de ‘lesa-majestade’ e da subsequente "crise dos reféns", e nunca suavizaram o tom em relação ao Irã, até hoje.

Aconteça o que acontecer entre a opinião pública e o Irã, vale a pena lembrar que de nada adiantou o gigantesco esforço de propaganda para ‘vender’ à maioria dos políticos e dos cidadãos norte-americanos a completamente desnecessária guerra do Iraque. Como quando a injusta invasão do Iraque foi construída pelas corporações de ‘mídia’, as mesmas corporações desempenham hoje com esmero seu papel protagonista – todos os jornais e televisões repetem sem qualquer crítica o que dizem os funcionários do governo Obama sobre o ‘perigo’ que representariam as armas nucleares iranianas – que não existem.

A situação do Irã é politicamente diferente, mas é comparável à situação do Iraque, se se considera a manipulação da opinião pública pela grande mídia e a possibilidade de que, no futuro, a confrontação que está sendo inventada hoje escape a qualquer controle.

Podemos estar assistindo hoje, outra vez, a um jogo de altas apostas geopolíticas, no qual nada é o que parece ser? Essa é exatamente a minha opinião. Basta, para convencer-se, analisar as ‘acusações’ contra o Irã, baseadas nas ‘revelações’ da semana passada.

A ‘notícia’ espetaculosa e ‘chocante’ foi apresentada como urgente, repentina, surpreendente – mas os serviços de inteligência dos EUA, além de vários outros serviços de inteligência aliados dos EUA, já sabem, desde 2006, que o Irã está construindo uma segunda unidade para processamento de urânio, que continua a ser construída e ainda não está em condições de operar.

Conforme artigo datado de 26 de setembro divulgado pelo grupo jornalístico McClatchy[1], que cita um funcionário da inteligência dos EUA, "desde o início, todos os aliados souberam da nova fábrica".

Mike McConnell, diretor do Serviço Nacional de Informações do regime de George W. Bush informou o presidente Obama sobre essa nova fábrica imediatamente depois da eleição. Desde então, Obama sempre recebeu informes detalhados sobre o andamento da construção da nova fábrica. Antes de subir ao microfone para ‘denunciar’ a ‘novidade’, semana passada, o presidente Obama informou vários outros governos; informou também a AIEA e outros agentes.

Funcionários em Washington têm dito que o Irã teria descoberto "na primavera passada" que os EUA estavam espionando a fábrica ‘secreta’. Dizem também que o Irã, então, informou a AIEA, dia 21 de setembro, sobre a existência da fábrica – sugerindo que a informação só chegou à AIEA porque o ‘segredo’ teria sido descoberto pelos EUA. Em declaração datada de 24 de setembro, a AIEA reconheceu que o Irã informara que "uma unidade-piloto de enriquecimento de urânio está sendo construída no país" e que soubera, pelo Irã, "que nenhum material nuclear fora introduzido nas instalações daquela unidade."

O Irã tem dito repetidas vezes, à AIEA (que tem sede em Viena) e ao mundo que a unidade que está sendo construída produzirá combustível atômico para abastecer as usinas nucleares. Imediatamente depois do discurso de Obama na reunião do G20, o Instituto de Energia Atômica do Irã declarou que a nova "unidade semi-industrial de enriquecimento de combustível" está sendo construída em estrita obediência aos parâmetros e regulações da Agência Internacional de Energia Atômica." A imprensa noticiou que "a direção do programa nuclear iraniano sugeriu que os inspetores da AIEA poderiam, evidentemente, visitar o local." O convite foi distribuído antes de Washington exigi-lo.

Um presidente Mahmud Ahmadinejad muito sereno apareceu em outra conferência de imprensa, em Nova York, logo depois das ‘revelações’ de Obama. Dava a impressão de considerar a fala de Obama e a encenação tão fortemente espetacularizado que cercou as ‘revelações’, não apenas como esforço patético para fazer o rato parir uma montanha mas, sobretudo, como ato de má-fé, naquela ocasião, antes do início das conversações. E sugeriu, em tom sem qualquer traço de ameaça, que Obama em pouco tempo terá muito de que se arrepender, pela atitude de confrontação.

Ahmadinejad disse aos jornais que a unidade-fábrica em questão não será operacional antes de no mínimo 18 meses e que não violou o Tratado de Não-proliferação Nuclear (TNN). Disse mais: disse que "armas nucleares são anti-humanidade, além de desumanas" – comentários afinados com sua pregação pela eliminação de todos os arsenais nucleares.

O presidente do Irã disse também que o Irã informara a AIEA sobre aquela unidade em setembro, não quando a construção fora iniciada, porque a AIEA só exige essa informação a partir de um determinado ponto da construção, não porque tivesse ‘descoberto’ algum espião norte-americano nos arredores [e riu].

O que se conclui disso tudo? Primeiro, que há muita discussão sobre as medidas de salvaguarda da AIEA, sobre as quais se baseia o TNN. Para o Irã, todos os seus procedimentos estão completamente de acordo com o que exige o Tratado – o que parece estar correto.

O repórter Jim Lobe, da agência Inter Press Service, escreveu, dia 25 de setembro, que "sob o Acordo das Salvaguardas básico do Tratado de Não-proliferação Nuclear, do qual o Irã é signatário, os Estados-membros devem informar sobre suas unidades-fábricas nucleares e projetos, pelo menos 180 dias antes de introduzir nelas qualquer material nuclear".

Em artigo de 26 de setembro no New York Times, Neil MacFarquhar escreveu que na opinião de Graham Allison, diretor do Belfer Center da Universidade de Harvard e especialista em Irã nuclear, "a atitude de Teerã baseia-se sobre diferentes interpretações das regras da Agência."

"Durante vinte anos" – disse Allison –, a agência exigiu que o Irã informasse apenas quando algum material nuclear [necessário para enriquecer o urânio] fosse introduzido em alguma instalação. Em 2003, essa determinação foi alterada, nos termos do que a Agência exige de outros (mas não de todos) países; e a Agência passou a exigir notificação a partir do início de qualquer construção." Mas, prossegue Allison, "a Agência não denunciou o Irã quando Teerã declarou que continuava a ser regido pela versão antiga da regra, dado que assinara o Tratado firmado sobre a regra antiga, não sobre qualquer outra."

Ao falar à imprensa depois do discurso de Obama, Ahmadinejad disse que a nova unidade pode estar pronta em 18 meses. Portanto, na interpretação do Irã, sobre seu dever no cumprimento do que o Tratado determina, a notificação à AIEA aconteceu, de fato, com um ano de antecedência. Os EUA sabiam da nova fábrica. Nesse caso, por que Teerã esperou três meses antes de notificar a Agência, sobre a nova fábrica? Teriam tido medo de ser denunciados por não-cumprimento do acordo, se não notificassem imediatamente a AIEA?

"Agimos estritamente dentro do que a lei determina" – disse o presidente iraniano. "Informamos a Agência; a Agência pode vistoriar a construção e escrever seus relatórios. De fato, não há novidade alguma."

Para a Associated Press, Teerã informou à AIEA especificadamente, que o nível de enriquecimento de urânio possível na nova unidade será de no máximo 5% – suficiente só para finalidades pacíficas (para material bélico, o urânio tem de ser, no mínimo, 90% enriquecido).

A AP observou também que a AIEA agora "diz que o Irã está obrigado a notificar a Agência quando começa a projetar esse tipo de fábrica" e que nenhum governo pode "modificar unilateralmente esse acordo". As coisas parecem, sim, muito confusas.

Mas o Irã jamais foi acusado, antes, de não respeitar o Acordo; e foi deixado livre para proceder conforme determinava a regra antiga – durante décadas. Tudo isso considerado, a ‘crítica’ espetaculosa, cenografada, de que foram protagonistas Obama, Blair e Sarkozy parece não ter, mesmo, qualquer fundamento ou qualquer mérito sérios. Ahmadinejad parece ter mais razão que os demais: "de fato, não há novidade alguma".

Nota de tradução

[1] O artigo pode ser lido em http://news.yahoo.com/s/mcclatchy/20090926/wl_mcclatchy/3320132. Lá se lê: "Sabemos da nova unidade há vários anos" – disse a fonte. "Desde o início, todos os aliados souberam da nova fábrica; como nossa inteligência é partilhada, todos têm informação suficiente para saber que a unidade produzirá urânio enriquecido. Não há qualquer limitação de acesso. Temos várias fontes de informação e contrainformação, os informes são comprovados e confiamos nas nossas fontes."

Traduzido por Caia Fittipaldi. O artigo original pode ser lido em:
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/KI30Ak01.html
Título do
Vermelho