Os Jogos de 2016 são nossos; falta Zelaya voltar
A escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016 nesta sexta-feira (2) é mais que um gesto de justiça para com o Sul do Mundo: é um sinal de que o Brasil está crescendo. Para confirmar o patamar novo, falta o Brasil, a OEA, a ONU e principalmente o povo hondurenho vencerem o outro braço de ferro destes dias e recuperar o mandato do presidente eleito de Honduras, Manuel Zelaya.
Por Bernardo Joffily
Publicado 02/10/2009 15:34
É claro que são acontecimentos em esferas imensamente distintas. Mas tampouco é segredo que a escolha da sede dos Jogos Olímpicos é um termômetro de prestígio político internacional e está longe de não ter nada a ver com política.
Com o Rio, uma quebra de hegemonia
Se não fossem, as metrópoles desenvolvidas do Norte não estariam se revezando como sedes desde o início da fase moderna dos Jogos, em 1896. Foram 15 vezes na Europa e seis na América do Norte (quatro delas nos Estados Unidos) e apenas duas no hemisfério sul do planeta, as duas na Austrália (um país meridional apenas na localização geográfica), em Melbourne, 1956, e Sidney, 2000.
A escolha da Cidade Maravilhosa marca uma quebra dessa hegemonia do primeiro mundo – só alcançada antes pelo México, em 1968, e Pequim, em 2008. E é significativo que seja uma cidade brasileira. Não há patriotada no bordão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem repetido a respeito da competição em Copenhague: "Chegou a vez do Brasil".
O lugar do Brasil na crise hondurenha
A crise hondurenha é distinta por numerosos motivos. A começar pelo fato de que o Rio buscou teimosamente, por quatro vezes, o privilégio de sediar as Olimpíadas; enquanto em Honduras o Brasil não buscou protagonismo – como insistiu o chanceler Celso Amorim em seu depoimento desta semana no Senado: foi atirado no centro da crise quando Zelaya escolheu a embaixada brasileira como abrigo, ao retornar a seu país dominado pelos golpistas de 28 de junho.
Ainda assim, a escolha de Zelaya não foi aleatória. O presidente deposto optou por uma missão diplomática que tivesse princípios o bastante para aceitar seu pedido, coragem suficiente para arcar com as consequencias… mas também uma rede de relações do tamanho requerido e uma diplomacia capaz de aliar firmeza com habilidade e agilidade.
Outra diferença é que em Copenhague os votos do Comiê Olímpico se dividiram, como era de se esperar, entre quatro cidades de quatro continentes (embora a vitória final sobre Madri tenha sido por consagradores por 66 votos a 32). Ao passo que em Honduras o mundo formou uma opinião unânime contra o golpe militar de 28 de junho e pelo retorno do presidente eleito.
Apenas as oligarquias reacionárias latino-americanas, e a direita bushista dos EUA (que acaba de enviar três congressistas a Tegucigalpa), arriscam-se a contrariar este consenso, como se pode acompanhar pela mídia brasileira, com destaque para as Organizações Globo. E o fazem porque reconhecem no governo golpista de Tegucigalpa um irmão de classe.
Uma terceira distinção a vitória olímpica já são favas contadas. Enquanto que a dura batalha de Honduras ainda está em pleno desenvolvimento.
Num mundo único, tudo se relaciona
O povo hondurenho, a legalidade democrática, o mundo e o Brasil têm a justiça do seu lado. São reforçados, igualmente, pela truculência bisonha do chefe do regime golpista, Roberto Micheletti. Em três meses, o aprendiz de ditador conseguiu a proeza de não só isolar-se por completo internacionalmente (nenhuma nação do planeta reconhece o seu "governo"), mas também dividir e contrariar a própria oligarquia hondurenha, que o "elegeu" mas hoje trata de se distanciar dele.
Mas isso não significa que a restauração democrática em Honduras vá ocorrer no piloto automático. A longo prazo, nenhuma ditadura com as características da hondurenha alcança a estabilidade. Porém a vasta experiência latino-americana nessa matéria mostra o quanto esse tipo de regime é capaz de se aferrar ao poder, mesmo apodrecendo em vida e derramando sangue.
No caso de Honduras, o século é outro, a América Latina é completamente outra. Por isso, Honduras parece repetir a história no formato de farsa, ou daqueles velhos filmes mudos em que tudo acontecia em câmera acelerada. Em três meses, o golpe já mostra os sintomas da senilidade. Só perde para o golpe de 11 de abril de 2002 na Venezuela, que fracassou em dois dias, e o ensaio golpista de agosto do ano passado na Bolìvia, que nem chegou a tomar o poder.
De qualquer modo, a torcida contra o Rio de Janeiro na Olimpíada com certeza foi maior na Casa Presidencial de Tegucigalpa, ocupada por enquanto por Micheletti, que em Madri, Chicago ou Tóquio.
Vivemos em um mundo único, onde tudo se relaciona. O Brasil sede da Olimpíada de 2016 terá melhores condições para continuar na pressão para que o regime de Micheletti venha abaixo, talvez já na "mesa de diálogo" que a OEA pretende estabelecer em sua próxima visita à capital hondurenha, na quarta-feira que vem. Com isso, a América Latina continuará invicta em matéria de golpes de Estado neste século. O que, por sua vez, ajuda a fazer com que "a vez do Brasil" seja, mais que um bordão de campanha olímpica, o retrato de um gigante que se cansou de ficar deitado eternamente em berço esplêndido para fazer a sua vez e a sua hora.