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Mais um passo rumo à Conferência Paulista de Comunicação

Fortalecer a organização popular e avançar numa política coletivamente construída em defesa da democratização da comunicação no Brasil, para além do calendário da Confecom, é o principal desafio posto para os movimentos sociais. Uma das questões a ser resolvida é o financiamento da etapa estadual da conferência.

Por Luciana Araujo*, na Carta Maior

Como o governo Serra abriu mão da prerrogativa de convocar a conferência e o Legislativo não tem dotação orçamentária específica para a realização da atividade, serão ser buscadas alternativas para garantir o transporte, alojamento e alimentação dos participantes.

A comissão organizadora da 1ª Conferência Paulista de Comunicação foi oficialmente instalada no dia 5 de outubro. Com a presença das representações dos movimentos sociais, do poder público e do empresariado, a comissão definiu que a etapa estadual da Confecom poderá contar com até 1.240 participantes de todo o Estado. O evento, coordenado pela Comissão de Transportes e Comunicação da Assembleia Legislativa e pela Comissão Paulista Pró-Conferência – que organiza desde abril movimentos sociais, trabalhadores e entidades –, será realizado entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro. O tema da etapa estadual será o mesmo da Conferência Nacional – “Comunicação: meios para construção de direitos e de cidadania na era digital”.

A reunião da comissão organizadora, dia 8 de outubro, discutiu o regimento interno da conferência paulista, as funções da comissão organizadora e aspectos relativos à infra-estrutura, divulgação e funcionamento da etapa estadual.

A maior polêmica entre o poder público e a assim chamada sociedade civil (empresários e movimentos sociais) deu-se em torno do número de participantes. O Legislativo defendia uma conferência estadual com, no máximo 300 participantes. Os movimentos sociais advogavam um processo mais amplo e democrático, baseado no contingente populacional do Estado. Esta proposta foi apoiada pelos empresários presentes.

Como o Palácio 9 de Julho, onde em princípio acontecerá a etapa estadual, comporta até 1240 pessoas utilizando-se todos os plenários da Casa, chegou-se a um acordo que este será o teto de participação.

Agora, a principal questão a ser resolvida é o financiamento da etapa estadual da Confecom. Como o Governo Serra abriu mão da prerrogativa de convocar a conferência e o Legislativo não tem dotação orçamentária específica para a realização da atividade, serão ser buscadas alternativas para garantir o transporte, alojamento e alimentação dos participantes. Mas um acordo no Colégio de Líderes da Alesp e disposição política dos governos federal e estadual para liberação da verba necessária podem assegurar a realização da atividade a contento.

O fato do Executivo não ter convocado a etapa estadual, assim como a Prefeitura de São Paulo não convocou a etapa municipal, evidencia o comprometimento destes poderes com o interesse das empresas de comunicação e sua falta de comprometimento com a democratização e pluralidade na mídia.

A etapa estadual foi convocada às pressas após a Comissão Paulista buscar interlocução com parlamentares. O deputado estadual Raul Marcelo (PSOL), em articulação com o líder da minoria na Alesp, deputado Vicente Cândido (PT), pautou junto à presidência da Casa o problema. A Mesa Diretora então determinou a convocação por meio da Comissão de Transportes e Comunicações, presidida por Edmir Chedid (DEM).

As dificuldades para a realização da Confecom

A Conferência Nacional de Comunicação é uma antiga reivindicação dos movimentos que defendem a democratização da comunicação social no Brasil. Convocada em abril deste ano para ocorrer de 1º a 3 de dezembro em Brasília, a Confecom já esteve ameaçada por uma série de problemas.

O primeiro entrave foi o contingenciamento do orçamento aprovado no ano passado para o evento. Dos R$ 8,2 milhões destinados, R$ 6,5 milhões foram cortados no mês de maio. Após muita pressão dos movimentos sociais a dotação foi recomposta por meio do projeto de lei 27/09, aprovado pelo Congresso Nacional no último dia 30.

A postura do empresariado do setor também colocou o evento em risco. Após pressionarem por uma representação inflada na Confecom – o que foi aceito pelo governo federal e garantiu aos barões da mídia a possibilidade de terem 40% da delegação da conferência. A “sociedade civil não empresarial” – ou seja, todos os brasileiros que não detêm meios de comunicação – terá outros 40% da delegação. E o poder público, 20%. Vale dizer que é uma novidade na história das conferências o empresariado ser contado enquanto um segmento social à parte – esse “critério” teve sua estréia na Conferência de Meio Ambiente.

Além disso, qualquer resolução polêmica só poderá ser aprovada com 60% do total de votos. Mesmo assim, ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão), ABRANET (Associação Brasileira de Internet), ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), ADJORI Brasil (Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil), ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais) decidiram abandonar a comissão organizadora nacional da Confecom.

Em São Paulo, a seção estadual da ADIJORI decidiu compor a comissão organizadora. Bem como outras entidades empresariais, à exceção dos concessionários de radiodifusão (veja o ato de composição da comissão aqui).

O verdadeiro debate

As tentativas empresariais de controle e boicote à Confecom buscam camuflar o temor de que a conferência discuta questões como marco regulatório, propriedade cruzada, legalização da radiodifusão comunitária, controle social, monopólio, verbas publicitárias e conteúdo.

Esses são os temas que mobilizam as entidades representativas dos segmentos sociais violentados cotidianamente pela falta de pluralidade nos conteúdos midiáticos, a ditadura do pensamento único dos grandes meios, a mercantilização da imagem da mulher, a homofobia, o racismo mal-disfarçado e a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza difundidos pela estrutura de comunicação social estabelecida no Brasil. Os movimentos sociais querem discutir também o respeito à Constituição Federal e o fim do monopólio, que faz com que a mídia brasileira seja controlada por oito famílias e duas igrejas.

Mas o desenvolvimento do processo até aqui, com a sobre-representatividade do empresariado entre os delegados, a limitação dos eixos temáticos, o regimento nacional e o poder de veto sobre temas sensíveis, demonstra que os setores patronais têm encontrado no governo federal um ponto de apoio que preocupa os movimentos sociais.

No entanto, mesmo diante dos dilemas colocados na construção da 1ª Confecom e da possibilidade bastante concreta de que não seja viável avançar em nenhum tema de relevante interesse social, dados os critérios de organização, os defensores da democratização da comunicação têm alguns desafios nesse processo que não se encerra em dezembro. Entre eles estão a necessidade de: retomar e fortalecer a organização de redes e articulações nos estados e no país, a fim de constituir capacidade convocatória para fazer avançar um verdadeiro marco regulatório do setor adequado à realidade nacional; incorporar à pauta a defesa da regulamentação do exercício profissional do jornalismo no país, especialmente após a derrubada da exigência do diploma pelo Supremo Tribunal Federal; construir uma nova legislação de imprensa que assegure o controle social, o direito de resposta e a liberdade de expressão, ao invés da liberdade de empresa hoje em vigor; e debater com profundidade a necessidade de constituição de um sistema público de comunicação no Brasil e não somente de um sistema estatal.

* Luciana Araujo é jornalista e editora da revista Debate Socialista