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Metalúrgicos do ABC se inspiram em sindicatos de outras centrais

Em ano de produção e comercialização recorde de veículos automotores, a campanha salarial dos metalúrgicos trouxe uma inversão de papéis. Acostumado a ditar as regras, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, filiado à CUT, fechou acordo com as montadoras que previa aumento real de 2% e abono de R$ 1.500,00. Diante de conquistas maiores de sindicatos em outras regiões de São Paulo, filiados a diferentes centrais, o sindicato do ABC correu atrás e renegociou o abono para R$ 2.800.

O primeiro acordo a pressionar os metalúrgicos do ABC foi o conquistado em Campinas, que acertou 10% de reajuste, com aumento real de 5,32%, acordado com duas fábricas, Honda e Toyota. Em seguida, o sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos conquistou, por intermédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), acordo de 8,3%, com aumento real de 3,7%, mais abono de R$ 1.950.

Os trabalhadores em Taubaté, onde o sindicato é filiado à CUT, voltaram atrás no acordo inicialmente proposto pelo ABC e iniciaram greve de 24 horas na Volks e na Ford. Um novo acordo foi aprovado em assembleias realizadas já em 1º de outubro, com abono extra de R$ 1.300.

"O acordo fechado em Campinas foi determinante para a revisão do abono nas regiões do ABC e Taubaté. Foi uma demonstração muito clara de que os trabalhadores dessas regiões não ficaram satisfeitos com a proposta anterior", afirma Jair dos Santos, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Campinas, onde o acordo com as montadoras foi conquistado sem abono salarial.

"Quando você troca o ganho real — que será adicionado ao salário mensal por 13 meses — por um volume de dinheiro que servirá apenas no curto prazo, não está aumentando nada", critica Santos, lembrando que no próximo ano ele não vai compor a base para o novo reajuste.

O sindicato de Campinas é filiado a Intersindical, uma dissidência da CUT, desde 2007. Em Campinas, como em São José dos Campos (Conlutas), a direção sindical é formada fundamentalmente por ex-membros e líderes da CUT, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Os sindicatos ligados à CUT fazem muitas concessões às empresas porque apoiam o governo federal. Não querem fazer greves, que podem trazer melhores condições aos trabalhadores, para não criar constrangimentos", afirma Luis Carlos Prates, secretário-geral do sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos.

Para ele, a política da CUT abre mais concessões às montadoras. "Eles passaram a ter uma concepção de que é possível resolver juntamente com patrões e governo as demandas trabalhistas. Não foi um problema de acomodação, mas simplesmente uma lógica diferente de prática sindical, mais conciliadora", diz Jair dos Santos, de Campinas. Para os dirigentes de movimentos dissidentes, como Conlutas e Intersindical, o sindicato do ABC teme que reajustes elevados possam afastar empresas da região.

Sergio Nobre, presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC, afirma que é preciso levar em conta as diferenças salariais entre regiões no estado e no país. "Por conta de sucessivas campanhas salariais com reajustes acima da inflação, que outros sindicatos não conseguiam obter, nós ficamos com uma diferença salarial enorme quando comparada com outras regiões de São Paulo e mesmo outros estados, como Paraná e Minas Gerais", afirma. O ABC, segundo Nobre, não pode, a cada campanha salarial, "se distanciar cada vez mais da realidade brasileira e se tornar uma ilha".

Para ele, é salutar que outras regiões alcancem reajustes maiores para diminuir a margem de custos trabalhistas, e assim reduzir a pressão que salários menores em outras regiões exercem sobre a administração das montadoras. "Nosso papel é avançar nas conquistas, mas ao mesmo tempo não podemos dar um tiro no pé. Queremos uma classe bem remunerada, mas, principalmente, com futuro".

A partir dos anos 90, as montadoras escolheram regiões fora do eixo tradicional para os novos investimentos. Fábricas foram construídas em Indaiatuba (Toyota), Sumaré (Honda), Curitiba (Volkswagen, Renault), Gravataí (GM) entre outras regiões.

Além dessas, a Fiat, instalada em Minas Gerais desde os anos 70, indicava um caminho a ser seguido pelas montadoras: territórios com pouca organização sindical e custos mais baixos. Esse movimento das empresas foi determinante para a mudança de organização sindical e, assim, serviu de origem para as dissidências políticas e partidárias.

"Essa competição para ver quem conseguiu acordo maior é besta. Por que os sindicatos no Brasil, com tantas diferenças regionais e salariais, têm de ter o mesmo reajuste? Não faz o menor sentido", afirma Nobre. Para ele, o que separa a atuação sindical é a aceitação de práticas modernas, que ampliam os espaços de negociação com montadoras e governos.

Há uma discussão intensa sobre práticas sindicais no Brasil, avalia o professor de sociologia da Unicamp, Ricardo Antunes. Os metalúrgicos do ABC adotam organização baseada nas câmaras setoriais dos anos 90, fundamentados no modelo de negociação tripartite. "Tentam demonstrar que, de alguma forma, são parceiros das empresas, na ânsia de evitar que o ABC se transforme numa Detroit brasileira", afirma Antunes, lembrando a crise porque passou a cidade americana nos anos 80, quando a competição com fábricas alojadas em outras regiões e países lançou a "capital do automóvel" em recessão.

O outro modelo de sindicalismo, que disputa com a CUT-ABC, é o que busca o confronto com os sindicatos patronais, fundamentado na mobilização de base. "Este sindicalismo, presente em Campinas e São José dos Campos, por exemplo, manteve a organização que o ABC e a CUT tinham nos anos 70 e 80, que sofreu mutações nos últimos anos", avalia Antunes.

Centrais e movimentos criados recentemente, como Conlutas e Intersindical, são dissidências ultraesquerdistas da CUT, e o abandono às origens coincidiu com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2002, que atrelou ainda mais a Central Única dos Trabalhadores ao Estado.

Para Miguel Torres, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, os acordos trabalhistas elevados servem como demonstração de que a indústria automobilística está bem, com produção e vendas em alta. "Em Curitiba, as greves ajudaram a conquistar ótimos reajustes", diz. Torres afirma ser importante que acordos maiores sejam conquistados no Paraná, "onde os salários são menores".

Os sindicatos dos metalúrgicos de São Paulo e Paraná são filiados à Força Sindical, aliada política do governo federal. "Se não fosse a política de aumento do salário mínimo, não teríamos o mercado interno forte, sustentando a economia brasileira, e assim não teríamos esses resultados nas montadoras", afirma.

Da Redação, com informações do Valor Econômico