Lula, o STF e o caso Battisti

Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) se curve à vontade do governo Berlusconi, caberá ao presidente Lula tomar a decisão final sobre o rumoroso caso Cesare Battisti.

A Constituição brasileira proíbe a extradição de estrangeiros por crimes políticos ou de opinião. Sob esse argumento, o STF negou, nos últimos 16 anos, pedidos de extradição, feitos pelo governo italiano, contra ativistas de esquerda que vivem no Brasil livremente. Só mesmo a interferência do neofacista Berlusconi, metido em escândalos de toda a ordem, explica esta aberração, que representa interferência do Supremo em assunto cuja palavra final cabe ao governo.

Retomando as palavras do ministro Joaquim Barbosa, "não cabe ao STF julgar se a decisão do Executivo está correta ou não. Estamos diante de uma decisão soberana. Concessão de refúgio é assunto político" – opinou, defendendo a libertação imediata de Battisti. Segundo Barbosa, o réu está preso ilegalmente desde 15 de janeiro de 2009, quando obteve o refúgio.

A prerrogativa de Lula terá que ratificar a posição do ministro Tarso Genro, que já se pronunciou em favor do asilo. Battisti pertencia a um grupo revolucionário que lutava contra o capitalismo na Itália, sendo a motivação de sua luta, portanto, exclusivamente política.

A acusação contra Battisti é da década 1970, sendo que o denunciante entrou num processo de delação premiada, mudou de nome e hoje não pode ser identificado para provar o que disse. Já Battisti se tornou escritor e esteve exilado na França, no governo Mitterrand.

De acordo com o costume da "delação premiada" qualquer prisioneiro que passe informações para a Justiça tem sua pena reduzida. Não teve Battisti o direito à ampla defesa, tenda sido, portanto, submetido a um tribunal de exceção, que parece ter continuidade no Brasil. Cabe lembrar que a própria Itália negou a extradição do banqueiro Salvatori Cacciola, recusando-se a entregá-lo às autoridades brasileiras.

O Brasil, seguindo a tradição de abrigar refugiados políticos, já deu asilo até ao ditador paraguaio Alfredo Stroessner e ao sucessor de Salazar, Marcelo Caetano. Battisti está muito doente, deveria estar em liberdade e encontra-se preso em cela comum na Papuda, em Brasília. Outra ilegalidade, já que, pelo menos, deveria aguardar a posição do Brasil em prisão destinada a presos políticos.

O governo brasileiro subscreve a convenção de Genebra e deve seguir a sua orientação, que prevê refúgio para perseguidos políticos. Além disso, o sentimento judaico-cristão que permeia a cultura ocidental tem, na liberdade, o seu objetivo supremo. Isaías profetizou o que, em Cristo, se realiza: "O espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me consagrou com a unção para anunciar a boa nova aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos cativos, aos cegos a recuperação da vista, para libertar os oprimidos e para proclamar o ano da graça do Senhor".

*André de Paula é advogado, anistiado político e membro do Comitê contra a Prisão, a Tortura e a Perseguição Política no Brasil. Fatima Lacerda é jornalista da Agência Petroleira de Notícias/Sindipetro-RJ.

Fonte: OAB-RJ