Partido Comunista do Brasil fez de BH laboratório de atuação

Dilke Fonseca – jornal Hoje em Dia

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), pela primeira vez, começa a questionar a indicação do prefeito pelo interventor. A luta pela autonomia municipal é uma das bandeiras levantadas pelo partido, que desenvolve um papel muito importante na mobilização da população dos bairros. Era 1945. Belo Horizonte até aquele momento não tinha tido nenhuma eleição para prefeito.

Esquina da Sinuca - Frederico Haikal

A primeira foi em 1947. Administrava a cidade Juscelino Kubitschek, nomeado prefeito de 1940 a 1945 pelo governador Benedito Valadares, mas as manifestações públicas já faziam parte da cena política.Nesse cenário, se destaca o PCB e sua forma inovadora de interferência no espaço público, resgatado no recorte feito pela historiadora Raquel Aparecida Pereira, mestre em História e Culturas Políticas pela UFMG.

Autora da dissertação “Bandeiras Vermelhas nas Ruas da Cidade: comunismo e espaço público em Belo Horizonte (1945-1951)”, Raquel mostra como um partido na clandestinidade, proibido de usar este espaço, o ocupa efetivamente quando surge a oportunidade e inaugura uma nova forma de trabalhar a cidade ao criar os comitês de bairro. “Ele colore a cidade de vermelho”, traduz.

Antes de 1945, o PCB ficou 23 anos na clandestinidade. Neste intervalo, o partido usou poucos instrumentos de manifestações públicas e, portanto, não pode ser visto como uma força política atuante. A partir de 1945, quando é considerado um partido legal, começa a atuar de forma diferente, e tem que mudar todos os instrumentos de atuação. Desta forma, passam a ser organizadas palestras em fábricas, festas, piqueniques, bailes e, inclusive, bingos, para mobilizar as pessoas.

As manifestações aconteciam sempre com algum objetivo. E sempre era muito importante, segundo apurou, que, depois de uma palestra política, ocorresse uma hora dançante nesses espaços que chama de “espaços de sociabilidade”. Em alguns casos, estes eventos eram ao ar livre, em outros, não. Muitas células funcionavam em galpões.

Em 1947, o PCB é novamente cassado. Os deputados são cassados, e o partido é considerado ilegal. O PCB se torna um pouco mais radical, principalmente, a partir dos manifestos de 1948 e de 1950. Estes manifestos proclamam a tomada do poder pelos comunistas, e isso acaba afastando os militantes das manifestações, principalmente, por serem ilegais, constata Raquel.

O PCB começa a questionar a democracia que foi colocada e os próprios governos e vai buscar a tomada do poder. Em consequência, acaba abandonando os instrumentos de manifestações públicas que usava antes, que eram as festas, os comícios, as manifestações públicas.

O partido abandona estes instrumentos e inicia a luta armada. Em Minas, ela começou a partir do Manifesto de 1950. Por causa da repressão, principalmente, os seus quadros vão se esvaziando e, como resultado, o partido vai perdendo força.

A historiadora afirma que, neste momento, a ocupação do espaço público diminui, mas até 1951 os comunistas ainda buscam esta ocupação travestidos nas bandeiras da campanha pela paz.

Eles se infiltraram em várias associações, principalmente, na Associação Mineira pela Paz e buscam sob este movimento manter os ideais comunistas e continuar ocupando o espaço público por meio de manifestações e comícios.

Todos os partidos se movimentavam, a diferença do Partido Comunista é que trazia um ideal “totalmente diferente” dos outros. Era a ideia de um governo popular, dedicado às camadas populares. O PCB estava há muito tempo no ostracismo tanto que, relata Raquel, todas as pessoas pensavam que não tinha mais nenhuma influência política.

Mas, no momento em que se coloca de novo na cena política, conquista espaços rapidamente. “Quando pude ver que tinham imagens de manifestações públicas. Que eles realmente ocuparam o centro da cidade. Isso me surpreendeu por serem comunistas. A gente estava em 1945, e eles estavam nas ruas ocupando espaço e falando a que vinham”.

Esquina da Sinuca: palco de atuação

A Praça da Estação foi palco de grandes eventos do Partido Comunista e também o local conhecido como Esquina da Sinuca que ficava no cruzamento da Avenida Amazonas com as ruas Tupinambás e Espírito Santo. Estes dois locais são identificados como símbolos deste momento por terem acolhido mais de 100 manifestações de 1945 a 1947, período em que o partido esteve na legalidade.

Mas também permaneceram como referência já que serviram de palco para protestos em outros momentos da história. Durante a ditadura, a ‘Esquina da Sinuca’, por exemplo, permaneceu como ponto de encontro, segundo relatos feitos por militantes à pesquisadora.

Imagens, recortes de jornais e panfletos digitalizados com convocação para comícios, mas também para bailes deste período, estão preservadas no Arquivo Público Mineiro, na Avenida João Pinheiro, 372, em pastas com documentos do extinto Departamento de Ordem Política e Social (Dops), dão uma ideia da movimentação e consequente tensão existente naquele período.

Cada passo e atividade dos comunistas eram registrados pelos serviços de segurança. Fotos de reuniões, matérias de jornais, comícios, de militantes carregando faixas, dezenas de registros estão disponíveis para acesso público apenas no local.

E foi exatamente na organização do acervo do extinto Dops, durante três anos, que Raquel percebeu que a atuação do Partido Comunista e mesmo de outros movimentos políticos em Belo Horizonte não se restringia ao período da ditadura e de outros momentos de maior repressão política.

Neste trabalho, ela mostra, por exemplo, que a atuação política do PCB em Minas remonta ao ano de 1930. Na década de 30 já existia a implantação de alguns núcleos da Aliança Nacional Libertadora, organização política liderada pelo PCB para combater o fascismo e o imperialismo, por vários municípios do Estado.

A visão de uma das manifestações a levou a fazer este trabalho, já que não conseguia imaginar uma aglomeração de pessoas na ‘Esquina da Sinuca’, local hoje bastante movimentado, e por não ter aparentemente nenhum papel político. Mas este foi o principal espaço ocupado pelo Partido Comunista neste período.

Publicado no jornal Hoje em Dia, de 25/10/2009