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Besouro: Nasce um super-heroi brasileiro?

"Besouro", que estreia dia 30, não se parece em nada com o grosso das produções brasileiras. Não é comédia, não se passa em uma favela e não tem atores da Globo. E é bem esse avesso que pode fazê-lo voar alto. Contra fórmulas das produções nacionais, este é um filme de ação,  com efeitos especiais à moda Hollywood. Mas o enredo gira em torno de uma das mais ricas manifestações culturais do país, a capoeira. E o personagem principal é candidatíssimo ao posto de super-heroi brasileiro.

Quando se nasce e cresce na Bahia, ouve-se falar em Besouro, o capoerista que desafiou a estrutura de opressão herdada da sociedade escravocrata – viva e tacanha mesmo depois da Lei Áurea. De boca em boca, conta-se que o homem de "corpo fechado", filho de Ogum, tinha poderes de força, astúcia e coragem acima da condição humana. O mito de Besouro Cordão de Ouro correu os ventos como raio e, tempos depois da morte, aos 24 anos, em 1925, alcança forte o fim da primeira década do século 21.

Depois de ser contada no teatro (por meio do premiado Besouro Cordão de Ouro, de João das Neves); cantarolada em músicas (a exemplo de Lapinha, de Paulo César Pinheiro); descrita em livro (como Feijoada no paraíso, de Marco Carvalho); a saga do vaqueiro-capoerista entra potencializada na tela do cinema, com forte intenção de alçá-lo ao posto de "super-herói" verde-amarelo.

"Alguns pontos em comum com os filmes de super-heróis de cartoon fazem Besouro ter uma relação com as produções do gênero. Apesar de ser obra de ficção baseada em fatos reais, o longa-metragem relaciona-se com a criação de um mito, o nascimento de um herói. Mas Besouro é um filme original na sua forma e no seu conteúdo", avalia o diretor João Daniel Tikhomiroff.

O roteiro da vida real do negro Manoel Henrique, baiano da região do Recôncavo, guarda coincidências com as clássicas histórias da origem dos super-heróis. Ele defendeu o povo massacrado pelo trabalho escravo. Nas rodas de capoeira, perpetuaram-se as façanhas. Numa delas, ele teria sobrevivido a uma saraivada de balas. Em outra, escapado dos policiais quase por encanto, como se voasse feito o inseto que inspira o apelido.

O momento em que Besouro conhece seus poderes é narrado pelo ator Milton Gonçalves, que faz uma participação a convite do diretor. "É o anúncio para o mundo do nascimento de uma personagem maravilhosa", conta o ator, que gostou da ideia de um herói brasileiro e negro que desafia a física como o próprio inseto besouro – que é pesado demais para voar, mas voa. "Temos tão poucos heróis no Brasil. Esse é único, não se parece com os que se vê na TV", diz Gonçalves.

"Besouro narra a trajetória de um personagem fascinante, que muito jovem recebe uma "missão" de seu mestre: defender o seu povo. Ele segue mesmo não se sentindo preparado para cumpri-la. A busca do significado dessa missão, a determinação em desafiar o poder e defender os fracos o fazem se aproximar de um super-herói", compara o diretor.

O que vai chegar às telas brasileiras vem rodeado por esse mundo mágico. Da china, veio Huen Chiu Ku, especialistas em lutas aéreas de filmes como O tigre e o dragão e Kill Bill. O ator Ailton Carmo aparece no ar, em extensões longas, adaptando golpes de capoeira aos de lutas marciais orientais.

Para fazer essas sequências, intérpretes e dublês foram içados por cabos e guindastes. A inovação pode abrir nicho inexplorado no promissor mercado de cinema nacional, que ainda não mergulhou no infindável universo das aventuras dos heróis de quadrinhos.

"Acredito que Besouro ajude o Brasil a buscar caminhos diversos em suas produções, uma variação de gêneros tão importante para a conquista do público. E a diversidade que nosso filme introduz pode servir de outras inspirações ao nosso cinema", avalia João Daniel Tikhomiroff. Veja abaxo curta entrevista com ele:

Besouro é um super-herói brasileiro?

Sim. Por que não? Um super-herói qe luta contra a opressão imposta ao seu povo. E que para isso usa os poderes que a sua cultura e as suas crenças lhe oferecem. É um autêntico super-herói brasileiro.

Algum filme de super-herói te inspirou em algum aspecto em Besouro?

Besouro partiu de total originalidade. Certamente alguns filmes, incluindo de super-heróis, me ajudaram na inspiração. Apenas depois do roteiro pronto, num exercício de preparação com o elenco, fazíamos sessões de alguns filmes que selecionei , para servir de inspiração na construção de personagens. Assistimos a Batman – Cavaleiro das Trevas (mais pelo Coringa), Corpo fechado, O tigre e o dragão, Kill Bill , Sangue negro, entre outros.

Por que acha que, nos últimos 10 anos, aconteceu esse boom de filmes de super-heróis?

Desde criança, assisto a filmes de super-heróis. Como cineasta, acho Batman – Cavaleiro das Trevas extraordinário. Adoro os filmes de X-Men, me divirto com Homem-Aranha, Homem de Ferro, Quarteto Fantástico.

Talvez o sucesso desses filmes (e de seus quadrinhos) se deva ao fato de que super-heróis são seres humanos transformados em sobre-humanos, superando as limitações. Li artigo assinado pelo professor de filosofia Nildo Viana, que dizia: "Super-heróis são personagens vivos, mágicos da ilusão e da fantasmagoria, mas também são mestres do sonho e símbolo do desejo de poder. É justamente aí que encontramos a relação entre super-heróis e inconsciente coletivo".

Talvez isso ajude a explicar o fascínio do público aos super-heróis. Eles representam o espelho mágico do homem, em busca de seus instintos mais primitivos: o desejo de superação, vingança e poder.

Acredita que é possível conciliar uma boa história com as características indissociáveis dos filmes de super-heróis(combates, efeitos especiais etc)? Como?

Sem dúvida, Batman – Cavaleiro das Trevas é um exemplo. De certa forma poderia dizer que ET, do Spielberg, foi uma espécie de super-herói que todas as crianças da época se identificaram e adotaram. Acredito que Besouro tenha conseguido isso. A intensidade dramática e história convivem muito bem com as incríveis cenas de ação e a relação com o mundo mágico.

Com agências