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Amir Khair: Lobby por alta do juro é terrorismo de especuladores

No momento em que o G-20 decide que é cedo suspender os estímulos fiscais para tirar o mundo da maior crise desde a Grande Depressão de 1929, o economista Amir Khair, professor da USP e ex-secretário municipal de Finanças de São Paulo, classifica de "terrorismo monetário" a pressão para que o governo brasileiro suspenda a tímida flexibilização das metas draconianas estipuladas para as contas públicas.

"Podemos crescer a taxas robustas, superiores a 5% ao ano, sem riscos inflacionários e, portanto, sem temor do terrorismo monetário causador do agravamento da injusta distribuição de renda, do déficit das contas públicas, do baixo nível do investimento produtivo e do atraso em nosso desenvolvimento", destaca o economista, em entrevista exclusiva ao Monitor Mercantil.

O mercado financeiro e o Banco Central (BC) prevêem que a inflação até o final de 2011 não ultrapassará o centro da meta, de 4,5% ao ano. Qual a justificativa para um aumento da taxa básica de juros (Selic0 em 2010 e 2011 para níveis superiores a 10% ao ano, como projetam alguns segmentos do mercado financeiro?

Eles avaliam que a expansão fiscal do governo federal geraria aumento de demanda que superaria a oferta de bens e serviços produzidos no país, causando inflação. Essa avaliação precisa ser questionada, pois interessa ao mercado financeiro a Selic subir: além dos maiores lucros com os juros dos títulos do governo federal, aumentam o spread em suas operações de financiamento. Em contrapartida, perde o país, pelos maiores custos a serem suportados pelo governo e pelas empresas e pela redução da atividade econômica.

O mercado financeiro afirma que o "forte" crescimento econômico irá ultrapassar o produto potencial. Ou seja, a máxima capacidade de produção do Brasil…

Também usam o conceito de que a taxa de juros neutra, ou seja, a Selic real (excluída a inflação), não pode ficar abaixo de determinado nível, pois causaria inflação. Quando interessa parar de baixar a Selic, o argumento mais usado é que seu efeito sobre a economia leva de seis a nove meses para se consolidar.

A importância dessa discussão é que, caso não procedam essas teses, o país poderia adotar taxas de juros básicas em níveis compatíveis com a realidade internacional. Ou seja, entre cerca de 5% ao ano, no caso de países emergentes, ou de 1%, no dos países considerados desenvolvidos. Essas taxas são compatíveis com inflações baixas ou até deflação.

Quais os benefícios imediatos da adoção de juros civilizados?

As contas públicas teriam redução de despesas com juros da ordem de 2% do PIB e cairia mais rapidamente a relação dívida/PIB. O investimento cresceria, pois as empresas seriam mais estimuladas a investir na produção de bens e serviços do que em aplicar nos títulos do governo federal, que proporcionam ganhos sem risco e têm liquidez imediata.

Também cairiam os ganhos de arbitragem do capital financeiro externo, reduzindo as perdas do país em seu balanço de pagamentos. Além disso, seriam reduzidas as perdas causadas pela elevação das reservas internacionais, responsáveis este ano por metade do crescimento da relação dívida/PIB.

Ocorreria, ainda, uma sensível melhora na redistribuição de renda, uma vez que os ganhos financeiros de altas taxas de juros dos títulos federais têm como contrapartida o pagamento de juros pelo poder público, cuja fonte de recursos se apóia num sistema tributário fortemente regressivo. Enfim, o país poderia crescer mais sem correr os riscos de inflação.

Qual a idéia básica do chamado produto potencial?

O produto potencial, como referido, é o PIB máximo que o país pode suportar sem causar elevação da inflação. É calculado segundo modelos econométricos baseados no histórico de crescimento econômico e na inflação ocorrida, considerando os fatores que podem limitar o crescimento da produção.

Até cerca de cinco anos atrás, o produto potencial no Brasil era estimado em cerca de 3%. Como esse nível foi ultrapassado desde 2004, quando a média de crescimento, até 2008, foi de 4,8% ao ano, sem causar problemas na inflação, foi alterado, variando atualmente entre 4% e 5%.

Qual a falha principal do conceito de produto potencial?

Ele parte do princípio de que a oferta de bens e serviços aos consumidores é feita exclusivamente pela produção nacional, como se a economia fosse fechada ao mundo. Ou seja, não se teria importações de bens e serviços. Assim, um crescimento da demanda só poderia ser atendido pela oferta local, que não acompanharia este crescimento, gerando inflação.

Obviamente, a globalização econômica reduziu as limitações impostas às importações. A conseqüência desse processo foi a eliminação quase completa de ameaças de inflação, com queda constante na inflação mundial.

A memória inflacionária pode fazer do Brasil uma exceção a essa regra?

O caso brasileiro merece destaque dentro desse processo global, pois a par com a desvalorização cambial do dólar em escala internacional, a manutenção de enorme diferencial nos juros internos e externos, entre outros fatores, fez com que a valorização do real talvez tenha sido a maior entre todos países, reduzindo ainda mais os preços dos produtos importados e dificultando as exportações dos produtos manufaturados. Além dessas considerações, o histórico desde 1996 da inflação e do crescimento do PIB no país indica que crescimento não provoca inflação.

É verdadeira a tese de que as alterações na taxa básica de juros (Selic) levam de seis a nove meses para surtirem efeito?

Essa afirmativa não tem comprovação teórica ou empírica. É usada como se fosse um axioma matemático ou um dogma religioso. Desconhece-se relação estatisticamente significativa entre essas variáveis, pois são tantos os fatores a influenciar a inflação, que ocorrem com freqüência erros de previsão até para períodos curtos, de três meses. Como o horizonte da política monetária é bem superior, os erros de previsão são também maiores.

Quais são, então, os fatores condicionantes da inflação?

O desenvolvimento do processo de globalização interconectando mercados e preços, radicalizando a concorrência entre empresas e países, juntamente com os estruturais aumentos de produtividade e de redução de custos de logística e de comercialização, com a progressiva substituição das redes físicas de distribuição por redes eletrônicas, constituem os fatores determinantes da formação de preços em escala internacional e nacional. E a demanda interna, vale repetir, é muito menor do que a oferta interna mais a externa.

Existe a possibilidade de ocorrer um processo inflacionário em escala global?

Essa possibilidade está ligada ao preço das commodities e dos alimentos, que poderão ocorrer com o forte crescimento dos países emergentes, que passam a incluir vultosos contingentes de novos consumidores.

Apesar desse aumento verificado durante vários anos antes da crise de setembro de 2008, a inflação mundial e nacional de cada país pouco se alterou, mostrando a supremacia da concorrência internacional e do crescimento da produtividade na definição dos preços em escala global.