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José Reinaldo: Brasil faz bem em receber presidente iraniano

Recentemente, devido às visitas do presidente de Israel, Shimon Peres, do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas e do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil, o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, concedeu uma entrevista ao jornalista Luís Brasilino, do Brasil de Fato. Para ele, Peres não é merecedor “da hospitalidade de um país democrático como o Brasil” e o país “faz bem” ao receber Ahmadinejad. Acompanhe a íntegra a seguir.

Num intervalo de menos de duas semanas, o Brasil recebe a visita de três líderes do Oriente Médio com posições e atitudes completamente diferentes e conflituosas. O presidente de Israel, Shimon Peres – que comandou, entre dezembro de 2008 e janeiro deste ano, um duro ataque à Faixa de Gaza, configurado em 16 de outubro pelas Nações Unidas como crime de guerra – passou pelo país entre os dias 11 e 15.

No dia 20, chega o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, liderança do massacrado povo palestino, mas que tem sofrido críticas pelas concessões que faz a israelenses e estadunidenses.

Por fim, no dia 23, é a vez do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Por seu discurso e conduta de confronto ao imperialismo, o iraniano possivelmente é, ao lado do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a figura mais detestada da imprensa corporativa mundial.

O fato mais importante da visita de Peres foi a aprovação, no dia 12, pela Câmara dos Deputados, de tratado de livre comércio (TLC) entre o Mercosul e Israel. O acordo ainda depende de aprovação no Senado e da sanção presidencial. Na viagem, o presidente israelense também não deixou de criticar Ahmadinejad, ainda que, educadamente, não tenha censurado a passagem do iraniano pelo Brasil.

Nesta entrevista, José Reinaldo Carvalho, secretário de relações internacionais do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), debate as visitas e expõe o desejo de que a passagem de Abbas recupere o prestígio perdido pelo Brasil junto às forças progressistas após a acolhida dada a Peres.

Brasil de Fato: Qual sua opinião sobre o fato de o governo brasileiro ter recebido Shimon Peres? Está correto, mesmo com todos os episódios que construíram sua trajetória belicista?
José Reinaldo Carvalho: Shimon Peres não é merecedor do título que ostenta, de ganhador do Prêmio Nobel da Paz [em 1994], nem da hospitalidade de um país democrático como o Brasil. Na medida em que compartilha a ideologia sionista, que não passa de um tipo de nacionalismo fundamentalista, exacerbado e reacionário, e ajuda a executar a política genocida do Estado israelense contra o povo palestino, Shimon Peres é persona non grata no Brasil. Sua visita contrasta com a posição de solidariedade dos movimentos sociais brasileiros à causa palestina.

Brasil de Fato:Você acredita que Peres trabalhe pela paz com a Palestina? Qual é o seu projeto para os territórios ocupados?
JRC: Não nos iludamos com retórica vazia. Peres está totalmente identificado com as políticas do Estado sionista e é um dos seus executores. Essa política, hoje, consiste em negar a existência do povo palestino, em rechaçar a justa e legítima reivindicação de criar o Estado palestino livre e independente, em intensificar os assentamentos nos territórios palestinos – o que significa expansionismo e colonialismo –, em prosseguir a construção do muro segregacionista, em violar os direitos humanos dos palestinos, em impor obstáculos intransponíveis para a solução do problema dos refugiados, em superlotar os cárceres com presos políticos palestinos, em fomentar políticas de guerra e em consumar o genocídio. As autoridades israelenses, seja Shimon Peres, seja [o primeiro-ministro] Benjamin Netanyahu, não trabalham pela paz, mas pela guerra, e, por isso, devem ser rechaçadas pela comunidade internacional, submetidas à condenação e ao isolamento. Não merecem ser legitimadas por governos democráticos.

Brasil de Fato: O Brasil tem capacidade de influenciar Israel em direção à paz com os palestinos? Qual papel o país pode cumprir?
JRC: Ninguém está em condições de influenciar Israel numa direção contrária à que atua desde que o Estado sionista, usurpador, expansionista e agressivo foi criado, há mais de seis décadas.

Brasil de Fato: No dia 12, a Câmara dos Deputados aprovou um acordo bilateral entre o Mercosul e Israel. O que as partes têm a ganhar com o livre comércio? E qual mensagem, não só o acordo, mas também a visita de Shimon Peres, transmite para os brasileiros e o mundo?
JRC: A aprovação de tal acordo é lamentável. Escarnece com a luta do povo palestino. É uma nódoa para o Mercosul e para as instituições do Estado brasileiro.

Brasil de Fato: Durante a visita, Peres criticou diversas vezes o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Disse que ele adotaria políticas “irresponsáveis e fanáticas” e atacou o programa nuclear do Irã. Além disso, afirmou que Ahmadinejad nega o Holocausto. Você concorda?
JRC: Ressalvados os exageros de retórica e as deturpações da mídia a serviço do imperialismo e do sionismo, tudo o que o presidente iraniano disse sobre as políticas do Estado de Israel é a mais pura verdade. Quanto ao programa nuclear iraniano, as políticas do imperialismo estadunidense e de seu aliado no Oriente Médio, Israel, são hipócritas. Toda nação tem direito a desenvolver seu programa nuclear com fins pacíficos. Estados Unidos e Israel são detentores de armas nucleares, com as quais chantageiam e ameaçam os povos e as nações soberanas.

Brasil de Fato: Em linhas gerais, qual a sua opinião sobre Ahmadinejad e sua visita ao Brasil no dia 23? Apesar dos frequentes enfrentamentos com o imperialismo, ele não pode ser considerado um presidente de esquerda.
JRC: O presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad é o líder de uma nação soberana, hoje confrontada com terríveis ameaças provenientes do imperialismo estadunidense e de Israel. É nessa medida que o Irã merece a solidariedade dos povos e de outras nações soberanas. Isto não significa identidade política e ideológica com o regime iraniano, autodefinido como República Islâmica.

Brasil de Fato: E a visita de Mahmoud Abbas, no dia 20, o que pode ter representado?
JRC: Espero que durante a visita do presidente Mahmoud Abbas, o Brasil possa ter recuperado a confiança das forças progressistas palestinas e a imagem de um país que exerce uma política externa soberana e solidária com os povos agredidos pelo imperialismo e por regimes reacionários como o de Israel.

Brasil de Fato: Como você avalia a cobertura que a mídia corporativa fez da visita de Shimon Peres? O mesmo tratamento seria dispensado a Abbas e Ahmadinejad?
JRC: A cobertura da mídia corporativa, que no fundo é manipulada pelo imperialismo e pelo sionismo, é asquerosa. A visita de Shimon Peres foi para essa mídia o “bem” e a de Ahmadinejad, o “mal”.

Brasil de Fato: Por fim, qual sua opinião sobre a posição do Itamaraty com relação às três visitas, ao conflito Israel-Palestina e à situação no Irã? É ambígua e contraditória ou a abertura do diálogo pode contribuir para a construção da paz no Oriente Médio?
JRC: Em geral, a política externa brasileira sobre a questão do Oriente Médio é positiva e tem um sinal progressista em relação à causa árabe e palestina. O Brasil faz bem em receber o presidente iraniano, apesar das pressões de Israel e dos Estados Unidos. Com relação à visita do presidente Mahmoud Abbas, não creio que existam questionamentos nem pressões. Quanto à visita de Shimon Peres, como brasileiro e militante solidário com a causa palestina, lamento profundamente que este corresponsável pelo genocídio aos palestinos tenha estado em nosso país com tanta pompa e circunstância.

Fonte: Brasil de Fato