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Fórum Social Mundial: A hora do debate com governos

Uma discussão efetiva e direta entre governantes e representantes do movimento social da América Latina e da África é o que tentará promover o Fórum Social Mundial Temático (FSMT), que acontecerá de 29 a 31 de janeiro na capital da Bahia.

Por Mario Osava, para a agência IPS

“Enfrentar a crise com integração, desenvolvimento e soberania” será o tema central do encontro de Salvador, um dos inúmeros encontros locais, regionais ou temáticos que acontecerão em diferentes partes do mundo ao longo de 2010, em substituição ao Fórum Social Mundial (FSM) centralizado, que desde 2005 acontece a cada dois anos.

Será um fórum “inovador” porque terá um caráter “político-cultural”, no qual se mostrará a riqueza das manifestações artísticas do nordeste brasileiro, disse à IPS o professor de história, Franklin de Oliveira Junior, membro da comissão organizadora. Será claramente político pela esperada presença de governantes africanos e latino-americanos, em discussão com líderes da sociedade civil nas “mesas de diálogo e controvérsias”, onde serão debatidos vias de saída para a depressão mundial em curso e que mundo pós-crise se pretende ter. Além disso, haverá seminários, mesas-redondas, discussões e atos diversos “autogestionados” e propostos por organizações e movimentos sociais.

Mas a ideia é que cada atividade do encontro seja acompanhada por uma ação cultural, seja de poesia, música, dança ou outras formas, disse Oliveira. Em Salvador, com três milhões de habitantes, “há 400 bandas de rock, 300 grupos de pagode, além de orquestras filarmônicas e outras dos mais variados estilos musicais”, acrescentou. Esse caráter cultural foi destacado na “plenária” de lançamento público do FSMT, na semana passada na capital baiana, quando apresentaram-se grupos populares de teatro, poesia, dança e capoeira, em um ato que reuniu cerca de 150 representantes de movimentos sociais, comunidades, universidades e governos.

O berimbau, usado nas exibições de capoeira, é o símbolo deste fórum, destacou Oliveira. Além de representar a cultura local, em uma dimensão de luta, pois a capoeira se desenvolveu com arma de combate dos escravos africanos no Brasil, simboliza também o vínculo popular histórico entre África e América. Aproximar a África do Brasil e do resto da América Latina é outra inovação que justifica a escolha de Salvador para ser a sede do FSMT, porque se trata da capital africana do Brasil, com a maior concentração de população descendente dos escravos negros da antiga colônia.

Também será um encontro inter-religioso, porque Salvador é um centro de diversidade de crenças, com forte presença de tradições africanas, que sempre sofreram discriminação no Brasil e ultimamente enfrentam agressões por parte das novas agrupações cristãs pentecostais. Será, ainda, uma oportunidade de combater a intolerância religiosa, afirmou o ativista, que espera a participação de 15 mil a 20 mil pessoas no FSMT. Organizá-lo é “um grande desafio” para a cidade, que tem pouca experiência em receber e participar de eventos internacionais de massa, admitiu o professor. Mas, mesmo assim, a meta é levar para salvador o FSM mundial de 2013, sucedendo Dakar, capital do Senegal, que o organizará em 2011, concluiu Oliveira.

O Fórum da Bahia, entretanto, enfrenta um grande atraso em sua organização, a 70 dias da abertura, além de restrições de grande parte do Conselho Internacional do FSM. A iniciativa não partiu de uma ampla mobilização da sociedade civil local e atende mais a interesses eleitorais, já que o governo do Estado, Jacques Wagner, tentará a reeleição em outubro de 2010, disse Candido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Analises Sociais e Econômicas (Ibase) e um dos organizadores iniciais do FSM. Seu medo é que essa ambiguidade prejudique a organização, levando ao fracasso do encontro, além de não corresponder ao espírito do Fórum Social Mundial.

O FSM teve sua primeira edição em 2001, em Porto Alegre, e sua carta de princípios diz que se trata de um fórum da sociedade civil, onde governantes só podem participar como convidados das organizações e dos movimentos sociais participantes, e não como protagonistas. A principal atividade no Brasil em 2010 será o seminário “Dez anos do FSM”, na capital gaúcha, entre 25 e 29 de janeiro, para fazer um balanço do caminho percorrido e discutir perspectivas futuras do processo. O debate entre governo e sociedade, que se pretende fazer na Bahia, poderia ser realizado em Porto Alegre, “além do mais, nossa experiência anterior mostra que os governantes não querem um debate, mas um palanque” para aparecerem, afirmou Grzybowski.

Por seu lado, os organizadores do Fórum de Salvador dizem que seria impossível fazer uma discussão horizontal entre chefes de Estado e movimentos sociais no Rio Grande do Sul, porque é governado por Yeda Crusius, que pertence ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), de oposição, e enfrenta os movimentos sociais. O governo Wagner, do Partido dos Trabalhadores, apoia o encontro sem interferir e incentiva a possibilidade de contar com a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fórum, acrescentam.

O FSMT de Salvador permitirá a discussão da crise global de forma a definir uma agenda comum até o Fórum Mundial Social de Dakar em 2011, em um “diálogo paritário entre chefes de Estado e atores sociais” e valorizando a cultura dos povos, resumiu à IPS Carlos Tiburcio, assessor especial da Secretária Geral da Presidência da Republica, que apoia o encontro.

O FSM vive há anos tensões internas, que se refletem especialmente em seu Conselho Internacional, formado por mais de 150 organizações de todo o mundo. A repetição de reuniões com presença maciças de pessoas que pouco geram em termos de programas de ação frustra muitos ativistas. Os fóruns temáticos e descentralizados são uma tentativa de desenvolver formas criativas de fomentar debates e mobilizações que possam apontar novos caminhos para o pretendido fortalecimento da sociedade civil em todo o planeta.

Fonte: Envolverde