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Petrobrás cria norma que dificulta compra de máquinas importadas

A Petrobrás criou uma barreira técnica que vai dificultar a entrada de máquinas e equipamentos importados no país, principalmente vindos da China e da Índia. O primeiro produto atingido é a válvula industrial, mas as novas regras podem ser estendidas a outros itens, como motores, bombas, rolamentos ou redutores.

Se quiserem vender para a estatal, fornecedores de válvulas terão de atender a uma lista de especificações técnicas e obter um certificado de garantia do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). As novas regras vão melhorar a qualidade e a segurança dos equipamentos, segundo a Petrobrás. Mas podem aumentar os custos. Uma válvula chinesa custa um terço do valor da brasileira.

Fabricantes nacionais e estrangeiros podem se qualificar para obter o certificado, mas fontes da estatal e do setor admitem que será difícil para os fornecedores da China e da Índia atenderem às especificações. Para atingir o patamar exigido, as empresas desses países terão de elevar preços. Americanos e europeus dispõem de tecnologia mais avançada e não devem encontrar dificuldade.

A Petrobrás não informa o quanto vai gastar nos próximos anos na compra de válvulas e outros equipamentos, mas as cifras de investimentos da estatal são vultosas. Para explorar as reservas do pré-sal, a Petrobrás planeja investir US$ 111,4 bilhões até 2020. "O objetivo das novas regras é exatamente fazer uma barreira técnica, porque estamos sofrendo muito com a concorrência dos asiáticos", disse Pedro Lúcio, presidente da câmara setorial de válvulas industriais da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) e da fabricante nacional RTS.

Segundo Valter Câmara, coordenador da área de avaliação e inspeção de fornecedores da Petrobrás, que desenvolveu o projeto, a exigência do selo vai funcionar com uma "barreira tecnológica" e "garantir isonomia" entre fabricantes nacionais e estrangeiros. Ele confirma que a Petrobrás hoje compra válvulas asiáticas, porque não existem restrições.

O representante da estatal também diz que a existência do selo vai "descentralizar" a responsabilidade de desenvolvimento de fornecedores, o que reduz despesas. Hoje a Petrobrás é obrigada a visitar fornecedores, testar os produtos e monitorar todo o processo. "A norma dá a diretriz e requer que a indústria nacional se desenvolva", disse Câmara.

Em nota, a Petrobrás esclarece que "a medida visa a garantia de qualidade de equipamentos críticos". Ainda conforme a nota, "empresas de qualquer nacionalidade poderão participar do processo de certificação e, caso a obtenham, poderão participar das licitações". Os empresários brasileiros estão comemorando a medida, que será apresentada aos associados da Abimaq em evento na próxima quarta-feira.

Com a crise internacional, setores como siderurgia ou transporte pararam de comprar máquinas. "Nossa empresa, por exemplo, hoje vive só de Petrobrás", disse Lúcio, da RTS. As novas regras para válvulas foram desenvolvidas pela Petrobrás, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e pela Abimaq durante os últimos quatro anos, mas só agora começam a ser implementadas. A adoção das normas será gradativa, com três fases diferentes, cujos prazos vão até junho de 2010, dezembro de 2010 e junho de 2011.

Conforme a nota da Petrobrás, a exigência de cumprimento da nova norma só será efetivada em licitações que tiverem um número mínimo de empresas certificadas. As válvulas foram escolhidas para o "projeto-piloto" porque são importantes para a segurança e fazem parte de diversas outras máquinas. Em uma plataforma de petróleo, podem ser necessárias mais de duas mil válvulas.

Relatório da OMC

A Organização Mundial do Comércio (OMC) afirma que o setor de petróleo no Brasil, apesar de se dizer aberto, está controlado na prática pela Petrobrás e a empresa exige um porcentual de peças locais na construção de plataformas. A medida poderia ser considerada discriminatória, ainda que a OMC opte por não usar esses termos. A avaliação do comportamento da empresa brasileira faz parte da revisão da política comercial do país, elaborada no primeiro semestre do ano pela entidade.

O governo chegou a se queixar das referências à Petrobrás no documento. A cada quatro anos, países “emergentes” são obrigados a passar por uma espécie de sabatina na OMC. A secretaria da entidade faz um relatório indicando cada um dos problemas e realidades do país avaliado. Não há condenação, mas o exercício acaba expondo o país e suas regras à comunidade internacional e eventuais casos de protecionismo. Uma condenação apenas ocorreria se um parceiro do Brasil abrisse um caso com queixa específica.

Na última versão sobre o Brasil, em maio, a OMC decidiu incluir avaliação sobre a Petrobrás. Segundo o relatório, exigem-se o uso de material e empresas locais na construção de plataformas de petróleo. "Em 2008, a Petrobrás anunciou que manteria a exigência de que entre 55% e 65% de conteúdo doméstico constaria da construção de novas plataformas."

O tema foi alvo de um diálogo entre a OMC e o governo brasileiro, que não gostou de ver explicitado à comunidade internacional as exigências de conteúdo nacional. Em casos envolvendo o setor de automóveis, o tribunal da OMC chegou a ser acionado para avaliar protestos americanos contra a exigência de conteúdo local na produção de veículos na China.

Outra constatação da OMC é de que empresas que queiram estabelecer refinarias ou unidades para estocar gás natural precisam de autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Os critérios seriam "econômicos, técnicos e legais". Para importar produtos à base de petróleo, a OMC diz que o País continua a exigir autorização da ANP. Entre 2004 e 2007, 40 mil pedidos foram submetidos, 95% aprovados. Mas os importadores também são obrigados a se cadastrar. Em 2007, 80% das importações foram feitas pela própria Petrobrás.

A OMC ainda diz que, pela lei, o setor seria aberto a estrangeiros. Porém, tudo passa pela Petrobrás, que é quem estabelece o preço da gasolina. "Na prática, a empresa controlada pelo Estado Petrobrás tem uma posição dominante no setor, controlando virtualmente toda a capacidade de refinarias e sendo um elemento-chave no estabelecimento de preço da gasolina no mercado doméstico."

Com informações do jornal O Estado de S. Paulo