Uma chance para a democracia

(ou Todo Cuidado com Hélio Costa é Pouco)

Estou em casa repousando, depois de um ataque de cólicas renais, a pior dor que senti em minha vida. Corrijo: a segunda pior. A queda para a terceira divisão em 2007 me prejudicou mais.

Inacio frança

Quando algum médico me manda repousar, costumo seguir o conselho ao pé da letra. Nem passa pela minha cabeça desobedecer, já não gosto de trabalhar, quanto mais com recomendação médica. Saí do hospital escolhendo qual DVD da minha coleção pirata iria assistir hoje, na possibilidade de avançar no livro de Milton Hatoum e de atualizar a leitura da Carta Capital. Só não fiz tudo isso porque o analgésico que me mandaram tomar dá um sono danado.

A Carta Capital é a única publicação que assino, por isso faço um esforço imenso para não desperdiçar dinheiro deixando a revista intacta em algum canto da casa, para me informar e tentar transformar informação em conhecimento, minha opção é sempre pelos blogs e sites disponíveis na web. E foi exatamente uma matéria a respeito das perspectivas do acesso à banda larga no interior do Brasil, publicada na edição da semana passada (vejam como estou atrasado), que me motivou a atualizar o Caótico com essa “elocubração”.

O texto assinado pelo repórter André Siqueira revela a intenção do presidente Lula de iniciar um grande programa para interiorizar e democratizar o acesso à Internet, mas informa que as coisas ainda não saíram do papel por causa de uma disputa interna na Esplanada dos Ministérios. De um lado, está o eterno funcionário da família Marinho, o ministro das Comunicações, o senhor Hélio Costa. Do outro, o secretário de Tecnologia de Informação do Ministério do Planejamento, o menos conhecido Rogério Santanna.

Cada um apresentou sua proposta ao presidente.

O plano de Hélio Costa é todo fundamentado nas grandes operadoras de telefonia do País: a Oi, Embratel, Telefônica, Vivo, Claro e a Tim. Essa turma investiria R$ 16 bi para criar 30 milhões de conexões Brasil afora. A matéria não diz, mas duvido que esse dinheiro saía dos bolsos das empresas. Aposto que para variar estão de olho no caixa do BNDES.

O ex-repórter da Rede Globo batizou sua proposta de Plano Nacional de Banda Larga, mas as empresas só garantem conexões de 250 k a 1 Mega, aquele serviço caro e ruim que conhecemos nas capitais. A proposta finge ignorar o fato de que as Nações Unidas só consideram Banda Larga as conexões com mais de 2 Mega. Queria ter a cara-de-pau desse ministro.

A proposta do Ministério do Planejamento é completamente diferente. A ideia é usar os 31 mil quilômetros das redes de fibra ótica das empresas estatais de energia (Eletrobrás e Chesf, por exemplo) para levar internet de altíssima velocidade às instituições públicas, telecentros não-governamentais, universidades federais e escolas da rede de pública de ensino. O custo dessa empreitada, segundo a Carta Capital, seria de 1,3 bi.

As conexões domésticas ou das empresas das cidades do interior ficariam sob responsabilidade de pequenas empresas, sim porque ainda existem no Brasil pequenas empresas de internet que resistem ao poder das gigantescas e ineficientes teles.

A disputa não é pessoal. Não há vaidades em jogo. As duas propostas refletem modos diferentes de encarar o mundo e a sociedade.

Hélio Costa defende, de uma só vez, os interesses das grandes empresas de telefonia e dos latifundiários da comunicação. Se o presidente Lula optar pela sua proposta, irá garantir os negócios e os privilégios de empresas como a monstruosa Oi, que fornece seu serviço Velox e o usuário que se lasque para pagar ou reclamar.

Ao mesmo tempo, com serviços pagos a peso de ouro de, no máximo, 1 Mega, o poder de influência das TV e das rádios ganharia uma sobrevida. O que uma coisa tem a ver com a outra? Esse conflito está diretamente relacionado à luta pelo poder de continuar ditando as regras da formação cultural e política da sociedade.

Com uma internet lenta como quer Hélio Costa, a revolução das redes sociais e das lan houses estaria sob contenção, ainda continuaria difícil assistir a filmes e vídeos no computador. Esse direito continuaria privatizado para poucos, ou seja, pelo menos durante mais algum tempo permaneceria exclusivo das famílias Marinho, Sirotski, Saad, de Silvio Santos, do bispo Macedo e dos seus cúmplices regionais, como Paes Mendonça aqui em Pernambuco, Maiorana lá no Pará ou os Magalhães na Bahia.

Se, com conexões lentas, rapazes e moças do interior do Brasil já lotam as lan houses em horário nobre, imaginem como ficaria a audiência da novela e do Jornal Nacional se essa moçada puder assistir coisa melhor ou disponibilizar para o mundo seus próprios vídeos produzidos na escola?

Para se ter ideia do potencial da internet com acesso rápido, vale citar uma pesquisa da Vox Populi, cujos resultados foram comentados por meu amigo Marco Bahé no Acerto de Contas: 56% dos entrevistados afirmaram que sua principal fonte de informação ainda é a TV, porém a mídia que aparece em segundo lugar, com mais de 20% de citações como principal fonte de informação, são os sites e blogs. Os jornais, cada vez mais insignificantes, foram citados por apenas 10% das pessoas entrevistadas.

Percebo que o plano do Ministério do Planejamento pode causar uma ferida mortal e purulenta no latifúndio virtual, pois encara a comunicação como um direito público a ser garantido para todos e não como um negócio que só pode tocado por alguns poucos. O acesso rápido possibilitará que escolas e universidades públicas troquem informações com outras instituições do mundo todo fazendo ligações pela internet, economizando na conta telefônica (olha aí o ministro defendendo os interesses das teles).

Além disso, a proposta pode gerar renda e emprego com centenas de empresas locais investindo em tecnologia e serviços confiáveis em localidades no Semi-árido nordestino ou à margem dos grandes rios amazônicos.

Por tudo isso, temos que ficar de olho em qual será a decisão do presidente da República, precisamos usar o poder dos blogs e dos sites para que mais gente saiba do que está acontecendo e pode vir a acontecer. Sinceramente, creio que essa é uma informação que vale a pena passar adiante, pois dificilmente esse tema terá espaço na mídia corporativa, nós que povoamos a internet é que temos a obrigação de tocar essa discussão.

Fonte: Blog Inácio França