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Paulo Nogueira Baptista Jr.: Um certo binômio juro alto/câmbio

O binômio juro alto/câmbio valorizado prejudica o crescimento, as contas públicas e o equilíbrio externo

Por Paulo Nogueira Baptista Jr., no jornal Folha de S. Paulo 

A economia brasileira continua sendo celebrada em prosa e verso no exterior. Nunca vi nada igual. O nosso velho e arraigado "complexo de vira-lata" acabará sendo enxotado de fora para dentro.

O entusiasmo externo facilita muito meu trabalho aqui no FMI, claro. Mas não deixo de ter dúvidas e vacilações. Nas madrugadas de insônia, que não são poucas, fico às vezes me perguntando: merecemos tantos encômios? Talvez eu ainda sofra do referido complexo, mas a minha impressão é que a nossa performance econômica não tem sido assim tão espetacular.

Hoje, está sendo divulgado o PIB para o terceiro trimestre. Escrevi este artigo, ontem, sem saber os resultados exatos. Mas já sabíamos que os números seriam bons. Cresce a expectativa de que a economia possa retomar o crescimento de forma sustentada. Alguns já temem excesso de demanda.

Por enquanto, esse temor parece difícil de justificar. Uma das fraquezas persistentes da economia tem sido um ritmo relativamente baixo de crescimento. Na década atual, tivemos períodos de expansão rápida, como em 2008, antes do agravamento da crise mundial. No entanto, em geral, o PIB brasileiro tem aumentado de forma modesta, a taxas provavelmente inferiores ao nosso potencial.

No meu entender, certos aspectos da política macroeconômica adotada pelo Brasil contribuem para manter a economia abaixo do seu potencial e torná-la, em certa medida, mais vulnerável dos pontos de vista fiscal e externo.

Refiro-me, em especial, ao binômio juro alto/câmbio apreciado. Os juros já foram mais altos, mas ainda são excepcionalmente elevados para padrões internacionais. Em parte por isso, o real é uma das moedas que mais se fortaleceram em 2009.

Inegavelmente, o binômio juro alto/câmbio apreciado favorece o controle da inflação. Produz, porém, três impactos negativos no campo macroeconômico a curto e médio prazos: a) aumenta o deficit e a dívida do setor público; b) aumenta o deficit estrutural do balanço de pagamentos em conta-corrente; e c) reduz o crescimento da economia.

O impacto adverso sobre as finanças governamentais decorre do fato de que o setor público é hoje credor líquido em moeda estrangeira. Em outubro, a dívida externa líquida do setor público não financeiro era negativa em nada menos que 9,3% do PIB.

O impacto sobre a conta-corrente do balanço de pagamentos dispensa maiores explicações. O câmbio valorizado tende a prejudicar as exportações e a estimular as importações de bens e serviços. As projeções de mercado aí no Brasil indicam um aumento do deficit em conta-corrente de US$ 18 bilhões em 2009 para US$ 37 bilhões em 2010.

A redução do crescimento econômico ocorre basicamente por duas vias: os juros altos seguram a demanda interna, ao mesmo tempo em que a moeda valorizada diminui a capacidade de exportar e aumenta a participação das importações no atendimento da demanda interna.

O crescimento acaba ficando mais dependente de políticas fiscais expansionistas. A ampliação de gastos do governo e a diminuição da carga tributária podem funcionar -e geralmente funcionam- como instrumentos anticíclicos. Mas, além de certo ponto, esse tipo de instrumento pode comprometer as contas públicas, já sobrecarregadas pelos efeitos diretos do binômio juro alto/ câmbio valorizado.