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PIB, Selic e autonomia do BC: o debate sobre o papel do Estado

Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. Mas o ritmo ainda é lento. Ainda temos uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas — condições que implicam em temor sobre a longevidade e eficiência do crescimento do PIB.

Por Osvaldo Bertolino

O crescimento de 1,3% da economia no terceiro trimestre do ano na comparação com o trimestre anterior é uma boa baliza para que se possa dimensionar o potencial de crescimento do Brasil. O Produto Interno Bruto (PIB) — a soma de todas as riquezas produzidas no país — chegou a R$ 797 bilhões no período, segundo dados divulgados hoje pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O resultado ficou abaixo da estimativa feita ontem pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmou que a expansão no período seria de 2%. A maior elevação foi registrada no setor industrial, cuja alta na produção chegou a 2,9%, seguida pelo setor de serviços, que apresentou expansão de 1,6%. Já a atividade agropecuária teve queda de 2,5%.

Em relação ao mesmo período de 2008, o PIB teve queda de 1,2%. Nessa comparação, os serviços registraram o melhor desempenho, com alta de 2,1%, enquanto a agropecuária teve queda de 9,0% e a indústria, de 6,9%. Na mesma comparação, o consumo das famílias aumentou 3,9%, o 24º período de crescimento consecutivo.

Acumulado do ano

Um dos fatores que contribuíram para o resultado foi o comportamento da massa salarial real, que cresceu 2,5% no terceiro trimestre de 2009, com aumento da ocupação e do rendimento médio do trabalho. A despesa de consumo da administração pública variou 1,6% na comparação com o terceiro trimestre de 2008 e os investimentos (formação bruta de capital fixo) caíram 12,5%.

No acumulado do ano, a soma das riquezas produzidas no país registrou queda de 1,7% em relação a igual período do ano passado. Isso quer dizer que o Brasil precisará fechar o quarto trimestre com crescimento de 5% em relação ao mesmo período do ano passado para que o Produto Interno Bruto (PIB) registre taxa zero em 2009.

De julho a setembro, o Brasil cresceu 1,3% em relação ao trimestre imediatamente anterior e recuou 0,1% ante 2008. Se o ano terminasse assim, o País marcaria queda de 1% do PIB em 2009, de acordo com o IBGE. Segundo estimativas, para que a economia tenha um desempenho positivo de 0,5% em 2009, o PIB terá que crescer 7% no último trimestre.

Combustível para o crescimento

Mantega diz que não haverá mais combustível para o crescimento. "Já estamos no aperto. Liberamos menos recursos para os ministérios, principalmente de custeio, e vai continuar assim. Não vamos liberar mais até o final do ano porque temos que ter equilíbrio. O que foi feito, foi feito", disse Mantega. O ministro disse que diminuiu os gastos dos ministérios neste final de ano e reconheceu que os ministros estão reclamando. "Está todo mundo reclamando".

O governo acaba de anunciar uma série de medidas para manter os estímulos aos investimentos do setor privado e sustentar o crescimento do país nos próximos anos, que ele estima na casa dos 5%. Em menos de dois meses, este foi o quarto pacote de ativismo fiscal do governo Lula, o que elevou de R$ 2,3 bilhões para R$ 5,5 bilhões o volume de renúncias fiscais para o ano que vem.

A empresários e trabalhadores, que participaram da última reunião do ano do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), Mantega anunciou a prorrogação da desoneração de IPI para bens de capital e do crédito subsidiado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para investimentos.

Prorrogação da desoneração

Além disso, divulgou que vai reforçar em R$ 80 bilhões o caixa da instituição para que elevar os empréstimos ao setor produtivo. Alguns benefícios foram prorrogados até junho do próximo ano. A ofensiva do governo envolveu também iniciativas para estimular o mercado de capitais e o sistema bancário. As instituições financeiras serão autorizadas a emitirem Letras Financeiras, para reforçarem sua capacidade de financiar os investimentos privados.

Lula autorizou ainda a prorrogação da desoneração de computadores prevista na Lei do Bem, de 2005. Indagado se Papai Noel teria chegado mais cedo para a indústria, Mantega disse que o Natal chegou na hora certa para todo mundo no Brasil e será "rico e farto" para a família brasileira.

Embora, o objetivo seja uma ação coordenada para com o BNDES a função de braço financeiro dos empresários, neste caso, a capitalização pode não implicar aumento do crédito. Se os juros não caírem, os bancos podem optar por aplicar em títulos públicos o que captarem dos clientes e oferecerem empréstimos a juros que chegam a três dígitos ao ano.

Decisão unânime

Por falar em juros, a decisão Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de manter engessada a taxa básico de juros (Selic), em 8,75% ao ano é um entrave ao crescimento. Com isso, o país mantém a desconfortável posição de deter o segundo maior juros reais do mundo.

O Copom alegou, em comunicado, que a capacidade ociosa da indústria estaria sendo gradualmente ocupada, mas que, por enquanto, o juro está em patamar adequado com a meta de inflação. Embora o texto possa reduzir a ameaça de nova escala de aumento dos juros nos primeiros meses de 2010, o BC mantém a posição de principal obstáculo à manutenção ao crescimento da economia.

Para tentar justificar a decisão unânime, os diretores do BC alegam que a manutenção da Selic levou em conta a "flexibilização da política monetária implementada desde janeiro, e por outro, a margem de ociosidade remanescente dos fatores produtivos".
Diante desse quadro, o Comitê "avalia, neste momento, que esse patamar de taxa básica de juros é consistente com um cenário inflacionário benigno".

Para o BC, os juros de quase dois dígitos contribuiriam para "assegurar a manutenção da inflação na trajetória de metas e para a recuperação não inflacionária da atividade econômica". O termo "remanescente" do texto mostra que o BC reconhece que a ociosidade dos fatores de produção existe, mas está sendo gradualmente ocupada. Ao mesmo tempo, o Copom usou a expressão "neste momento" ao tratar do patamar dos juros, o que sinalizaria uma ameaça de nova alta da Selic.

Aspecto político

A decisão também chama a atenção para o aspecto político da macroeconomia brasileira. Depois de dois anos parado, o projeto de lei que tira garante a autonomia formal do BC teve pequeno avanço no Senado. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o relatório do senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), que trata do assunto. Caso seja mesmo aprovado, isso significaria a perda de qualquer controle do Estado sobre o BC.

Na crise de 1999, quando o real quebrou, por exemplo, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) não poderia, por exemplo, demitir da presidência da instituição Gustavo Franco, principal defensor da sobrevalorização do câmbio.
Porém, se depender da base governista, a "vitória" da oposição terá os dias contatos. Isso porque não há interesse dos governistas na aprovação dessa matéria.

Em linhas gerais, o projeto, de autoria do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), coloca no papel a autonomia que o BC hoje exerce na prática. Isso impediria um governo menos alinhado com o mercado financeiro de retomar o controle sobre o banco.

Taxa contínua

Para reforçar essa diretriz, a proposta define, para os diretores do BC, mandatos fixos de quatro anos, que não poderão ser coincidentes com o do presidente da República. A oposição só conseguiu aprovar o relatório do projeto por conta de acordo com os senadores governistas, para desobstruir a pauta da Casa.

Tudo somado, pode-se dizer que está na hora da volta de um debate efetivo sobre o papel do Estado na economia. Países do tamanho do Brasil não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só precisa dessa taxa como precisa que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”.

Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados. É aí que entra a importância do conceito de valorização do trabalho para o desenvolvimento nacional.

O exemplo da Finlândia

Entre o final dos anos 60 e o início da década de 80, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia, país que acaba que ir à bancarrota porque resolveu adotar políticas neoliberais, não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco
Mundial.

Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil. Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade.

Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída por meio de investimentos sociais e infra-estruturais, e da elevação da renda para quem vive de salários.

Melhorias infra-estruturais

Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% até o ano 2015, apenas para evitar um aumento do desemprego. Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano.

Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados. E será que uma economia de R$ 2,6 trilhões pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer uma outra constatação.

Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infra-estruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infra-estruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.

Com informações da Agência Brasil e do Monitor Mercantil