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Grupo Clarín e ditadura argentina: uma relação carnal

A família que controla o grupo midiático argentino Clarín teve relações tão profundas com a ditadura argentina que desta relação surgiram dois filhos, Marcela e Felipe. A justiça exige que se façam exames de DNA para saber se não se trata de mais um caso de bebês raptados pela ditadura e entregues a famílias que apoiavam o regime militar.

Por Diego Martínez

Família Noble

[O grupo Clarín é o equivalente, na Argentina, das Organizações Globo no Brasil]

O tribunal federal de San Martín ordenou ao juiz federal Conrado Bergesio que realize "de forma imediata e sem mais delongas" os exames de DNA dos filhos adotivos de Ernestina Herrera de Noble, dona do grupo Clarín, e que "submeta (as amostras genéticas) aos cotejos necessários" para conhecer sua identidade.

Os juizes Hugo Gurruchaga e Alberto Criscuolo destacaram que Bergesio "se enreda em discussões não conclusivas" mas sete anos depois de ter herdado a causa "não realiza a medida básica, essencial e inadiável" de cotejar o DNA de Marcela e Felipe Noble com o das 22 famílias que buscam crianças desaparecidas antes de suas adoções.

"A resolução nos permite recuperar a expectativa de que a causa seja resolvida e também acreditar que efetivamente existe o princípio de igualdade perante a lei", considerou Alan Iud, advogado das Avós da Praça de Maio, que pediu a medida há um ano e meio. "É uma decisão muito clara e justa", celebrou Estela de Carlotto, presidente do grupo.

Segundo documentos da adoção, no dia 13 de maio de 1976 a viúva de Roberto Noble se apresentou diante da juíza Ofelia Hejt, de San Isidro, com um bebê a que chamou de Marcela. Disse que a havia encontrado onze dias antes em uma caixa abandonada na porta de casa, em Lomas de San Isidro, e ofereceu como testemunhas uma vizinha e o caseiro da vizinha. Em 2001 Roberto Antonio Garcia, de 85 anos, declarou diante do juiz Roberto Marquevich que nunca foi caseiro. Seu trabalho durante 40 anos foi como motorista de Noble e, depois de sua morte em 1969, da viúva. Garcia acrescentou que Noble nunca viveu na casa que declarou ser dela, dado que o juiz confirmou nos registros oficiais. Tampouco a suposta vizinha vivia no bairro, segundo declarou uma neta e a polícia corroborou.

O expediente de adoção de Felipe sustenta que a suposta mãe, Carmen Luisa Delta, o colocou à disposição da juíza Hejt em 7 de julho de 1976. No mesmo dia, sem dispor de um estudo nem determinar as circunstâncias do nacimento, a juíza concedeu a segunda guarda à viúva de Noble. Marquevich descobriu que a senhora Delta nunca existiu.

Segundo o depoimento apresentado pela Avós da Praça de Maio em julho de 2008, o dado falso sobre o domicílio de San Isidro e a omissão foram "decisivos para determinar a competência do tribunal". Hejt, já falecida, é a mesma juíza que em abril de 1977, sem buscar medidas para localizar a família e diante das evidências de que seus pais haviam sido sequestrados pelo Exército, entregou a guarda de Andrés La Blunda, de três meses, que recuperou sua identidade em 1984.

As irregularidades nas adoções resultaram em 2001 na detenção da viúva de Noble, que o juiz Marquevich pagou com sua destituição em um julgamento político impulsionado pelo Clarín. Seu substituto Bergesin concedeu desde então todas as medidas solicitadas pelos advogados da acusada mas rechaçou obter amostras por métodos alternativos à retirada de sangue solicitada pelas Avós da Praça de Maio e pela promotora Rita Molina. O método [do DNA] já permitiu a identificação de nove filhos de desaparecidos e foi apoiado pelos três poderes do Estado.

"Se adverte que o senhor juiz se envolve em discussões não produtivas enquanto não realiza a medida básica, essencial e inadiável de executar a tomada de amostras de DNA das pessoas cuja identidade se questiona para submetê-las aos cotejos necessários", considerou o tribunal. "Tal omissão resulta nessa altura manifestadamente injustificável, em particular quando se adverte que o trâmite da causa tem mais de sete anos", acrescentou, e resolveu dispor que "o senhor juiz proceda à obtenção das amostras de DNA de forma imediata e sem mais delongas".

Pela jurisprudência do tribunal e pela lei que determina no Código Penal o mecanismo de obtenção de DNA com métodos não invasivos, o advogado Alan Iud destacou que a medida "deve ser realizada imediatamente", à margem de recursos que a defesa possa apresentar. Carlotto recomendou "tomar os cuidados para que as provas sejam obtidas das pessoas que se investiga", não de motoristas ou funcionários de vizinhos.

Fonte: Blog Vi o Mundo