Fórum de Juízes: Procuradora defende Comissão da Verdade

Em entrevista concedida ao jornal Correio do Povo na edição deste domingo, a professora e procuradora do Estado de São Paulo, Flávia Piovesan, palestrante na abertura do VI Fórum Mundial de Juízes, defendeu a proposta de criação da Comissão Nacional da Verdade incluída no Programa Nacional de Direitos Humanos, que tem o objetivo de apurar casos de violação de direitos humanos durante o regime militar.

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"A Lei de Anistia no contexto brasileiro e a relação com o direito internacional de direitos humanos" foi o tema abordado. Flávia deixa claro que o Brasil ainda não cumpriu com suas obrigações nesta área. Para a procuradora, este debate não é revanchista e abrir essa ferida não significa criar instabilidade política no país.

CP – O Brasil vem conseguindo cumprir com os tratados internacionais relacionados aos direitos humanos?

Não, porque a Lei de Anistia brasileira é uma afronta ao direito internacional. Ela beneficia tanto as vítimas quanto os algozes do regime, que praticaram violações contra os direitos humanos em nome do Estado.

CP – A Lei de Anistia brasileira é falha?

Avalio essa legislação como um ilícito internacional. O Estado brasileiro deve estar atrelado aos parâmetros protetivos internacionais, que proíbem a tortura, concedem o direito à verdade e o direito à memória no âmbito individual e coletivo. É importante lembrar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos invalida leis de anistia porque as mesmas violam tratados internacionais e colaboram na perpetuação das impunidades, significando uma injustiça continuada.

CP – O Programa Nacional de Direitos Humanos propõe a criação da Comissão Nacional da Verdade. A senhora é favorável a esta iniciativa?

O direito à verdade é fundamental. É importante saber quem somos e a construção da nossa história. Com esta compreensão, o país saberá os rumos que pretende tomar.

CP – Qual o papel do Judiciário neste processo?

O Poder Judiciário tem responsabilidade na aplicação dos parâmetros internacionais de direitos humanos. Cabe a ele assumir a responsabilidade de fazer triunfar os direitos humanos. À medida que a sociedade tem a visão que a Justiça funciona, que alcança tanto o mais simples cidadão quanto os mais poderosos, ficará acentuado o conceito de República, de que todos são iguais perante a lei.

CP – O setor militar não é favorável à formação da Comissão Nacional da Verdade, alegando que a proposta é revanchista. A crítica tem procedimento?

A transição política no Brasil foi lenta e gradual, que nasceu do desgaste dos militares. Existiu uma fusão entre o poder civil e o militar. Este é um assunto que desagradou todos os governos pós-ditadura. É fundamental que a sociedade possa romper com esse passado e eliminar o continuísmo autoritário em tempos democráticos. A Justiça de transição abrange quatro dimensões: direito à verdade; direito à justiça, direito à reparação e reformas institucionais profundas. A experiência brasileira mostra que apenas uma dimensão foi atingida, a da reparação.

CP – O Brasil está atrasado em relação a outros países da América Latina?

Sim. No Uruguai os militares foram levados à Justiça. Alguns perderam as patentes e os proventos das aposentadorias. Naquele país, o Estado tem exercido o dever de investigar, processar, punir e reparar as violações contra os direitos humanos. No caso brasileiro, este debate ainda amedronta. Abrir essa ferida não significa criar instabilidade política no país.

CP – No contexto geral, o Programa Nacional de Direitos Humanos lhe agradou?

Ao longo das ditaduras na América Latina, a agenda dos direitos humanos sempre foi vista como uma agenda contra o Estado. O conceito mudou com a redemocratização da região. O Brasil estabeleceu o 1º Programa Nacional de Direitos Humanos em 1996, onde os direitos civis e políticos tiveram prioridade. No 2º Programa, em 2002, foram incluídos os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. O mérito deste 3º Programa é o de ampliar e atualizar os debates que estão no cotidiano da sociedade, como as uniões homoafetivas, a legalização do aborto e a importância de separar Estado e religião. As polêmicas que se criaram em torno do Programa deverão contribuir para fortalecer a política de direitos humanos no Brasil.

Da redação local
com informações Correio do Povo Net