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Marcelo Cunha: Ao menos o prefeito Kassab aparece!

O discurso do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), quando aparece, e ele até aparece, é parecido com o de um ex-presidente do Grêmio: o time remando para a Segundona, e ele falando das maravilhas do novo site do time. Isso é fuga, escape, e é imperdoável. Certo é admitir que errou… Pedir desculpas, pedir um ano e mostrar serviço. Não fez nada disso, e não vai fazer. Para mim, acabou. Mas pior, bem pior, ao menos na visão Jovitiana de mundo, é, exatamente nessas horas, sumir.

por Por Marcelo Carneiro da Cunha*
para o MPost

Estimados co-alagados, cá estamos, agarrados a algum poste enquanto a correnteza sobe.

Não é exatamente fácil filosofar nesses momentos, e a tendência, especialmente para quem vive em locais continuamente alagados, é deixar o desespero tomar conta, apesar dos conselhos do prefeito para que fiquemos todos tranquilos.

Tranquilos, até que somos, prefeito, mas vá convencer o Tietê a colaborar para com a nossa tranquilidade!

Eu, como a vasta maioria, tento ser um bom cidadão. Tento colaborar e ser justo para com os governantes, diante dos enormes desafios que o Brasil oferece. Tento ser compreensivo e olhar para o possível, mais do que o desejável. Eu sei, você sabe, todo mundo sabe, que o que está chovendo não é normal. Eu acreditava que chuvaradas todas as tardes fosse um privilégio de, sei lá, Manaus? Não são, ou deixaram de ser.

Mas, governantes, estimados leitores, não justificam o salário fazendo o óbvio. Para isso temos gerentes.

Governantes precisam olhar o todo, pensar o todo e pensar adiante. E eles precisam pensar o normal, mas precisam pensar o excepcional, ou somos todos pegos despreparados diante de qualquer, mas qualquer fuga do usual. E a vida, ao menos para esse neto da minha avó Jovita, NUNCA é usual. A vida tem uma média, mas é marcada pelos pontos fora dessa curva. Não preparar o nosso sistema, é flertar com o desastre. Não ter nenhum seguro por que a sua casa nunca pegou fogo, é aceitar o perigo como vizinho. Não ter sistemas de alarmes ou de proteção, é não viver a vida como ela é; e isso, no caso de governantes, é chamado de irresponsabilidade.

E, estimados co-paulistanos, não temos sistemas de proteção que mereçam o nome, e descobrimos isso agora, quando eles são necessários. Os atuais governantes passaram a eleição prometendo facilidades, e agora foram inundados pela vida real, em sua, digamos, fluidez.

Minha formação política foi muito influenciada pelo gauchismo profundo de minha avó Jovita, e se havia uma coisa imperdoável para ela eram os que sumissem na hora do tiroteio. Assumir o erro publicamente, ela compreendia e apoiava e dava uma segunda chance ao vivente. Agora, aparecer dizendo que veja bem, eu não tenho nada com isso, e a culpa é dos garis que não varrem direito, isso era morte política na casa da minha avó.

O discurso do prefeito, quando aparece, e ele até aparece, é parecido com o de um ex-presidente do Grêmio: o time remando para a Segundona, e ele falando das maravilhas do novo site do time. Isso é fuga, escape, e é imperdoável. Certo é admitir que errou, erraram, não havia plano, não havia sonho, se havia, naufragou no primeiro teste mais duro. Pedir desculpas, pedir um ano e mostrar serviço.

Não fez nada disso, e não vai fazer. Para mim, acabou.

Mas pior, bem pior, ao menos na visão Jovitiana de mundo, é, exatamente nessas horas, sumir.

Com a conivência da imprensa aliada, ou seja, toda ela; com o apoio de interesses que não são os nossos, um homem que se apresenta como candidato à Presidência se omite num momento como esse?

Vejam a garota que foi presa ontem durante um protesto, dizendo que “a polícia protege o direito de ir e vir, mas não nos defende de morrermos afogados”. Essa cidadã é governada pelo governador, estimados leitores. Ela tem o direito a proteção, e quem a prendeu foi a polícia estadual, que responde ao governador. Portanto, foi ele quem definiu que preservar o direito de ir e vir é sim, essencial, mas se omite na hora de garantir o direito de as pessoas terem uma razoável expectativa de não morrerem afogadas ou viverem enlameadas.

Além das águas, que são municipais e estaduais, no mínimo, as novas vias expressas que entopem a Marginal Tietê são criação do governador. Ele deveria estar ali para ver o que é tentar atravessá-las quando a coisa fica feia. Para ver a péssima sinalização das obras, que transferem para quem dirige a responsabilidade de evitar tragédias.
Eu espero dos governantes muita coisa, mas me contento com algumas. A maior delas, talvez seja, para esse neto da minha avó, que ele esteja lá antes, durante e depois.

Para o resto, não precisamos de governantes, como eu disse, basta um gerente. Mas gerentes não assumem as responsabilidades maiores, não dirigem estados, e seguramente, não presidem países.

Fica a dica.

*Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.