Cearense é destaque nas pesquisas de nanociência

Há uma revolução importante ocorrendo no Planeta e o Ceará faz parte dela. A nanociência e a nanotecnologia têm trazido importantes mudanças em relação às propriedades de materiais. O professor Antonio Gomes é um dos destaques dessa área do País. Ano passado, ele recebeu um prêmio internacional pela sua contribuição nas pesquisas em nanociência

Antônio Gomes

Ele trabalha com materiais com a dimensão de um bilionésimo do metro (nano). A partir de uma técnica chamada de espalhamento de luz, o doutor em Física Antonio Gomes Souza Filho estuda as novas propriedades de materiais de carbono na forma nanoestruturada. Mas o que isso significa? Segundo ele, a riqueza de novos fenômenos induzidos pelo tamanho é “extraordinária“ e é regra para quase todos os materiais quando esses são levados para o nanomundo. E o retorno para a sociedade, em termos de produtos e novas tecnologias, é muito promissor.

A partir dessa mudança de paradigma da estrutura dos materiais, os pesquisadores encontraram novas propriedades para a produção de produtos e conceitos. Quer dizer, uma revolução em todo o mundo. Entre as maravilhas, pode-se destacar roupas que não molham, remédios que são guiados diretamente à célula doente sem afetar as células sadias, embalagens que protegem alimentos por muito tempo, raquetes levíssimas e ultrarresistentes, tintas, janelas e sapatos hidrofóbicos… Tudo isso é feito a partir da nanotecnologia.

Em entrevista ao jornal O Povo, Antonio Gomes destaca a importância da pesquisa realizada no Ceará. “Nós estamos fazemos nanociência em alto nível e contribuindo com o entendimento de como esses nanosistemas funcionam para que as suas propriedades possam ser utilizadas em coisas práticas que chegarão à sociedade“, explica o pesquisador. O Ceará está entre os 10 principais centros de estudo da área na América Latina e a UFC é destaque na produção em nanociência e nanotecnologia.

O professor Antonio Gomes foi um dos agraciados com o último prêmio Somiya, da União Internacional das Sociedades de Pesquisa em Materiais. O prêmio foi concedido pela contribuição no avanço do conhecimento em nanoestruturas de carbono (nanotubos, grafeno). Além de Antonio Gomes, a equipe premiada é formada por pesquisadores dos Estados Unidos, do México, do Japão, além de dois professores de Minas Gerais. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor recebeu um prêmio no ano passado. É a primeira vez que um grupo de brasileiros recebe esse prêmio. Qual a importância disso?

Cada país tem a sua sociedade de pesquisa em materiais, existe um órgão internacional que agrupa todas essas entidades que é a União internacional das Sociedades de Pesquisa de Materias. Essa união realiza um grande congresso. Ano passado foi a 11ª edição. E aí, em 2009, como era aqui no Brasil, coincidiu com o Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais. Esse prêmio é dado para pesquisas que envolvam mais de um continente. No nosso caso foram três continentes: Ásia, América do Norte e América do Sul. Esse prêmio, o Somyia Award é concedido para pesquisas colaborativas, envolvendo equipes de cientistas que trabalharam em colaboração científica e que produziram trabalho de grande impacto e que é reconhecido internacionalmente.

Qual impacto dessas pesquisas?

Desde 2000, estamos envolvidos neste projeto, na UFC. O foco de estudo são as nanoestruturas de carbono. São materiais de carbono na forma nanoestruturada com ênfase nos nanotubos de carbono. A equipe conseguiu descrever (teórica e experimentalmente) uma série de novos fenômenos que até então ninguém tinha observado, tanto desses materiais como fenômenos mais gerais também, e estabeleceu uma série de protocolos para poder estudar com precisão e determinar as características desses materiais usando as técnicas de Física, em especial espalhamento de luz. Tem uma série de avanço tanto na físico-química, mais especificamente na estrutura atômica, propriedades eletrônicas e óticas dos nanocarbonos.

O que será gerado, a partir desse estudo, para a sociedade na prática?

Por exemplo, no Japão, os pesquisadores envolvidos nesse processo já tem alguns produtos que estão no mercado, por exemplo eletrodos para bateria. São baterias muito pequenas com capacidade de carga muito grande. São usados nanotubos de carbono. Aqui, nós não fazemos tecnologia, do ponto de vista de ter um produto. Nós contribuímos com a pesquisa básica, com o entendimento de como esses sistemas funcionam para que essas propriedades possam ser utilizadas em coisas práticas que chegarão à sociedade.

Esse estudo pode revolucionar o mercado? O que mais essa pesquisa básica pode trazer de produtos para nós?

Ao longo prazo, sim. O nanotubo de carbono tem uma série de coisas em que podem ser trabalhadas. O nanotubo de carbono está na mesma linha da fibra de carbono, só com melhorias. E aí tem muitas aplicações em materiais compósitos. Como o nanotubo é muito resistente, você acaba adicionando algo ao material que a propriedade passa a ser leve e ao mesmo tempo ultrarresistente. Isso para espaçonave, para a aeronave, tudo isso pode ser usado. Nanotubos de carbono já é um problema da indústria. Só a Nanocyl Belga já tem capacidade instalada de três mil toneladas métricas por ano. O principal mercado é na indústria de polímeros como condutores de eletricidade e proteção eletrostática. O mercado estimado de nanotubos é de 2 bilhões de dólares em 2014.

O que motivou o senhor a estudar os nanotubos de carbono?

O motivo principal foi o seguinte: são sistemas que tem uma física muito bonita. Então, do ponto de vista da Física, o que a gente busca é explicar os novos fenômenos que a dimensão desses materiais proporcionam. Pelo fato de serem materiais nanométricos, são materiais com propriedades que nenhum outro material apresentava. Esses materiais, com essas propriedades especiais, motivaram a gente estudar usando a técnica de espalhamento de luz. A gente usa luz para poder acessar as propriedades dos materiais. O grande sucesso da nossa pesquisa foi usar técnicas que não eram consideradas técnicas “padrões“ na nanotecnologia, mas conseguimos obter um entendimento profundo da estrutura desses novos materiais usando essas técnicas.

Há alguma política pública relacionada com pesquisas científicas para essa área aqui no Brasil?

O governo brasileiro tem um programa de incentivo à nanotecnologia. Em 2000, foi criado o plano plurianual de nanotecnologia. Tem vários editais, do Ministério da Ciência e tecnologia, com programas exclusivos em nanotecnologia. No momento a Finep tem um edital de subvenção econômica para o desenvolvimento de produtos à base de nanotecnologia. Eu tive a oportunidade de coordenar dois projetos para jovens pesquisadores na área de nanociência e nanotecnologia. Outro edital maior definiu a formação de uma série de redes. Atuamos como pesquisador de duas delas, uma inclusive de pesquisa só em nanotubos de carbono. Então o governo tem uma política estratégica para investir em nanotecnologia.

Aqui no Ceará onde se estuda nanociência e nanotecnologia?

Em vários locais, não é só na Física da UFC, mas também nas outras universidades do Estado. É difícil quantificar, mas eu diria que tem vários locais inclusive alguns grupos do interior do Estado. Os departamentos de Bioquímica, Química, Engenharia Química, Materiais, Biologia, Farmacologia, Odontologia, entre outros, possuem atividades relacionadas ao tema … Hoje, por exemplo, a gente tem um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), que o governo lançou há pouco tempo. Cada estado tem seus projetos. O Ceará foi contemplado com quatro projetos. Um deles é o instituto para estudar nanobioestruturas. Esse projeto é coordenado na Bioquímica pelo professor Benildo Cavada, mas temos vários pesquisadores aqui da Física envolvidos. São várias as iniciativas do Governo que apóiam essa área, inclusive na esfera estadual.

Como o Ceará está em relação à pesquisa em nanotecnologia em comparação ao resto do País?

Saiu um trabalho em uma revista nos Estados Unidos sobre os centros emergentes em nanotecnologia na América Latina, o Ceará está em nono lugar em toda a América Latina. Então tem um papel bem definido nessa área. A gente tem atraído colaborações científicas importantes. A partir do momento que a gente consegue firmar uma parceria com grandes instituições como o Massachusetts Institute of Technology (MIT), com pessoas importantes do cenário de nanotecnologia mundial, demonstra que a gente tem algo importante a oferecer na área.

Quais são as principais conquistas do Ceará na área da Nanotecnologia?

É difícil a gente quantificar. Na área de materiais, medicamentos, de catálise, no entendimento de propriedades físicas de novos materiais, e principalmente dos materiais de carbono, com certeza, a gente dá uma contribuição muito interessante. Se a gente pegar em termos de impacto de trabalho, a gente tem uma conquista muito interessante, mas são vários as contribuições e os grupos que se destacam na área.

Com a nova dimensão dos materiais estudados, houve uma mudança em algumas áreas de pesquisa?

Com a nanotecnologia, abriu a possibilidade de integração do conhecimento. Não dá mais, por exemplo, para trabalhar com nanomateriais só com conhecimentos de Química ou só com o conhecimento de Física. A nanotecnologia aparece mais como uma plataforma de diferentes conhecimentos interligados. Por isso, que nessa área o trabalho colaborativo e multidisciplinar é extremamente interessante.

Então há esse diálogo permanente entre áreas de pesquisa como Química, Física, Farmacologia, Bioquímica…

Sem esse diálogo não existe nanotecnologia. O que faz a coisa ser promissora como tecnologia é o fato dela agregar e usar o conhecimento de diversas áreas através do que chamamos de convergência das ciências. Aqui na Física da UFC, por exemplo, existe o diálogo com a Farmacologia, com a Química, Biologia, e Bioquímica. A nanotecnologia te dá a oportunidade de conhecer mais profundamente como é a estrutura da matéria. Só que a partir dessas propriedades, a gente vislumbra a possibilidade de uma aplicação em algo. Por exemplo, uma coisa que é fundamental saber é se esses novos materiais são tóxicos ou não. E para ter essa resposta, a gente precisa do farmacologista, do bioquímico e do biológo. Então essas respostas a gente só consegue se tiver diversos tipos de conhecimentos trabalhando junto.

O senhor acredita que a nanotecnologia revoluciona a Ciência?

Revoluciona a pesquisa de um modo geral. Inclusive com impacto nos sistemas de patente e nos sistemas econômicos. Agora, uma coisa que é importante dizer é que ela não é uma nova Ciência, nem é uma nova tecnologia. Ela é uma plataforma que apareceu devido ao avanço das tecnologias. Nanotecnologia se refere ao que diminui de tamanho e que tem alterada a sua propriedade. Se você tem uma coisa grande, diminui e a propriedade é a mesma, não tem sentido em falar em nanotecnologia.

Desde quando essa plataforma existe?

Quem primeiro cunhou o termo nanotecnologia foi o cientista japonês Norio Taniguchi em 1974. Mas foi na década de 90 que isso aparece como jargão da área. Mas não existe um marco de criação. A Ciência trabalha com coisas na escala nano há muito tempo. O termo nanotecnologia aparece na Ciência a partir do momento em que as pessoas conseguem visualizar a nanoestrutura e conseguem controlar e manipular as suas propriedades e quando as diferentes disciplinas começaram a explorar o mesmo tema.

Qual o desafio para essa área de estudo hoje?

Depende muito da área. Hoje já existem mais de 600 produtos sendo comercializados: bicicletas, raquete de tênis, materiais leves e ultrarresistentes, cosméticos, medicamentos, etc. Muito das aplicações de nano estão nos materiais. Mas ainda há muito o que ser estudado. Por exemplo, será que a nanotecnologia só tem coisa boa? Certamente não. Então ainda tem muita coisa a ser estudada. Hoje, é difícil avaliar qual o impacto que essas coisas terão, por exemplo, no meio ambiente.

Ninguém sabe se esses novos materiais são prejudiciais à saúde?

Não. Nanopartículas e nanomateriais a gente sempre teve, no escapamento do carro certamente são formados nanotubos de carbono. O que está ocorrendo agora é que estamos controlando e manipulando essas estruturas e principalmente, produzindo em larga escala. E não se sabe ainda quais impactos dessas novas estruturas para o planeta.

Então não dá pra saber os benefícios e prejuízos que tudo isso pode causar para a humanidade.

Hoje já tem uma série de protocolos. Por exemplo, tem o protocolo chamado Reach, feito pela comunidade européia, que só discute os riscos da nanotecnologia. Isso hoje é levado muito a sério e a discussão já chegou nas sociedades civis organizadas e está sendo realizada muita pesquisa no tema, principalmente na Europa. Em relação aos benefícios, um dos grandes desafios que vai impactar a vida das pessoas é a interação entre sistemas orgânicos e inorgânicos. Por exemplo, o uso de DNA para produzir materiais. Vou especificar. Há materiais que têm propriedades especiais que nenhum outro tem. Os sistemas biológicos, por outro lado, também possuem propriedades especiais que ninguém tem. Quando você junta os dois você acha uma série de potencialidade para esse sistema. Por exemplo, o conceito de você guiar um medicamento pelo corpo inteiro sem que ele seja destruído por nada e só venha a parar na célula doente. Essa é uma das formas de atuação da nanotecnologia que poderá trazer benefício para as pessoas.

Qual o foco dos seus estudos atualmente?

No momento estou concluindo um ano de pós-doutorado na Unicamp. Além de outras atividades ligadas à físico-química de nanomateriais, estou contribuindo em um estudo que avalia o impacto de nanomateriais no ambiente e também em estratégias de como mitigar esses impactos usando os desenvolvimentos da própria nanociência. Essa é uma área importante e que em breve precisamos ter respostas para a sociedade sobre os riscos dessas novas tecnologias.

Perfil

Professor Antonio Gomes Souza Filho, 34 anos, do Departamento de Física da UFC, trabalha com nanomateriais de carbono desde a tese de doutorado, defendida em 2001 na UFC. Atualmente, ele coordena projeto de pesquisa em nanociência e projetos de colaboração internacional com o México e França. É pesquisador da Rede Nacional de Pesquisa em Nanotubos de Carbono, Rede Nacional de Nanobioestruturas e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Nanobioestruturas. Hoje, ele faz pós-doutorado na Unicamp.

Nanociência e nanotecnologia são termos usados para definir o domínio da ciência que investiga novos fenômenos e novas propriedades na escala de 1 – 100 nanômetros (nm). O nanômetro é a bilionésima parte do metro.

Diferentes áreas do conhecimento têm estabelecido um domínio de tamanho para o qual o termo nano é apropriado.

Na escala nanométrica os materiais possuem propriedades que dependem do tamanho e da forma. É exatamente essa dependência que permite que os cientistas consigam, como nunca se tinha feito antes, um alto grau de controle das propriedades físicas e químicas dos materiais.

Isso possibilita desenhar um material com propriedades bem definidas e requeridas para uma determinada aplicação.

Muitos setores da indústria serão afetados pela nanotecnologia – principalmente a indústria eletrônica, química, farmacêutica, e de materiais.

A institucionalização da nanotecnologia como política científica de Estado foi consolidada nos EUA durante o ano 2000 e hoje cerca de 60 países possuem nanotecnologia como política de desenvolvimento.

A Universidade Federal do Ceará (UFC) está entre as dez universidades brasileiras com maior produção em nanociência e nanotecnologia.

Fonte: Jornal O Povo