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Colapso da Grécia: a ponta de um iceberg chamado Europa-EUA

O colapso que se aproxima da Grécia lança o alerta de que os desdobramentos da crise econômica global estão apenas começando. O agravamento da crise leva a uma confrontação política que se manifesta em visões representadas pelo G-20 e o G-7. As cúpulas desses grupos, previstas para este ano, prometem fortes emoções.

Por Osvaldo Bertolino

A Comissão Europeia (CE, braço executivo da União Europeia) anunciou apoio ao plano da Grécia para reduzir o déficit do seu orçamento para abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2012, mas disse que mais medidas precisam ser tomadas para diminuir os salários do setor público e colocar as finanças em ordem.

O primeiro-ministro grego, George Papandreou, foi à televisão para anunciar novas medidas de redução de déficit, como um aumento nos impostos sobre combustíveis e um maior congelamento do salário do setor público, alertando os gregos que eles enfrentam a mais severa crise em décadas. As medidas são uma resposta à forte pressão do mercado financeiro, de agências de classificação de risco e da União Européia (UE) para Atenas agir de forma mais rígida e cortar o déficit. A reação foi imediata — entidades sindicais convocaram uma greve de um dia de duração.

Dívida e déficit exorbitantes

Papandreou, que venceu as eleições prometendo taxar os ricos e ajudar os pobres, disse que o seu país é vítima de um ataque especulativo sem precedentes, levando o custo da dívida do país ao maior nível já visto na era do euro. "O país não pode continuar à mercê dos seus bancos e mercados", disse Papandreou, acrescentando que o grande spread entre os bônus do governo grego e os bônus alemães é "completamente injustificado" e que isso estrangula a economia.

A Grécia diz que seus problemas também envolvem a Zona do Euro. Mais países podem ser afetados, disse o ministro das Finanças grego, George Papaconstantinou. "Seguindo a Grécia, há outros países, como a Espanha e Portugal. Isso é porque a questão da Grécia, apesar das características particulares gregas, também é uma questão da Zona do Euro", disse ele.

Papaconstantinou explicou que a Grécia apoiaria um bônus conjunto da Zona do Euro. "Mas dadas as circunstâncias atuais, a Grécia não pode ir em frente e carregar a bandeira a favor dos bônus do euro", disse ele. A dívida e o déficit exorbitante do país reverberaram ao longo do bloco europeu, afetando o euro e os preços dos bônus e levando a especulações sobre um plano de auxílio ao país, o que foi negado por autoridades da UE.

Pressões orçamentárias futuras

A CE afirmou que a Grécia precisa apresentar um relatório sobre o seu progresso até a metade de março. Disse também que o país precisa estar pronto para fazer mais ajustes. A Grécia prometeu reduzir o seu déficit orçamentário do nível atual de cerca de 13% do PIB para menos que o teto aceito pela UE, de 3%, até o final de 2012. "Se o programa for seguido por decisões, por ações, isso terá um impacto positivo no mercado", disse o comissário para assuntos econômicos e monetários da UE, Joaquin Almunia. "Se as decisões não existirem, os mercados vão exercer pressão adicional", sentenciou.

A CE também disse que a Grécia deve separar 10% dos gastos atuais para criar uma reserva de contingência no caso de pressões orçamentárias futuras. O país precisa refinanciar uma dívida no montante de 54 bilhões de euros este ano. Almunia disse que não há motivos para temores de que os problemas fiscais do país possam colocar o euro em risco ou requisitar auxílio aos aliados europeus para evitar uma possível moratória. "Eu estou totalmente convencido de que a UE e a Zona do Euro têm instrumentos suficientes para lidar com a questão e resolver esse problema", disse.

Alguns economistas afirmaram que a Grécia deveria procurar um empréstimo auxiliar do Fundo Monetário Internacional (FMI) para sustentar o seu programa de ajuste e prevenir que a agitação do mercado de bônus se espalhe para outras economias fracas da Zona do Euro, como Portugal e Espanha.

Alerta de Joseph Stiglitz

O prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, numa conferência em Atenas, disse que a Europa precisa de uma solução urgente para os seus elevados déficits. “Existe o perigo real de uma recuperação em W, ou, pelo menos, de um abrandamento significativo do enfraquecimento do crescimento”, disse o economista e professor da Universidade de Columbia.

Segundo ele, a UE deveria recorrer a outras medidas, que não déficit, para apoiar os países que se encontram endividados. A obsessão de recorrer ao déficit das contas públicas para fazer face às dificuldades de curto-prazo leva a aumentos da dívida divida pública, alertou.

Stiglitz disse também que a UE deveria criar um fundo para ajudar países que se debatem desesperadamente com o problema do endividamento público. Ele questionou o motivo pelo qual o Banco Central Europeu (BCE) empresta fundos aos bancos e não aos governos. “O BCE parece disposto a emprestar aos bancos”, disse. “Mas se está disposto a emprestar aos bancos, por que não emprestar aos governos? A Europa não tem confiança nos governos dos seus Estados-membros?”, indagou.

Mas os países da Zona do Euro insistem que a UE pode lidar com o assunto sem a intervenção do FMI e do BCE — o que seria politicamente vergonhoso e significaria o fracasso das regras orçamentárias do Pacto de Crescimento e Estabilidade (PCE) do bloco.

Artilharia cambial contra a China

Temendo a eceleração dos efeitos do desdobramento da crise, a Europa aponta sua bateria para a direção das economias que sobrevivem em melhores condições. O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schaeuble, disse que o grupo das 20 maiores economias do mundo deve ter uma “abordagem sutil” para combater os "desequilíbrios econômicos". Ele falou em “manipulação da taxa de câmbio”, com o claro objetivo de atingir a China.

A Alemanha é um país altamente dependente do setor de exportação por causa da fraqueza do seu consumo interno. Schaeuble disse que o G-20 deveria lidar com a questão “com cuidado”. "Eu acho que a abordagem certa é coordenar no G-20 a sustentabilidade de esforços econômicos. Mas nós devemos tratar disso de forma sutil", afirmou. A pressão cambial contra a China é a mesma exercida pelos Estados Unidos com intensidade cada vez maior.

A China, obviamente, vê a questão de outra forma. Apesar da mudança de foco que o gigante asiático tenta adotar, o controle cambial é uma de suas principais armas para enfrentar a guerra comercial movida pelas grandes potências. Mas, prevendo o aprofundamento da crise global, a China faz movimentos para preservar a sua economia.

A questão cambial chinesa

O presidente chinês, Hu Jintao, pediu que o país faça um maior esforço para transformar seu modelo de crescimento econômico. Segundo uma rádio local, Jintao quer mudar o foco da economia para a indústria de serviços em vez de exportações, desenvolvimento acelerado em áreas rurais e produções com uso mais eficiente de energia e recursos.

O presidente chinês disse que a qualidade e a eficácia do crescimento do país devem ser melhoradas, mesmo em um momento em que as autoridades tentam conter um superaquecimento ao mesmo tempo em que tentam não colocar em risco o ritmo do crescimento. "A crise financeira global cria uma maior urgência para nós mudarmos o modelo de crescimento econômico", disse Jintao.

De todo modo, a questão cambial tende a se transformar em uma guerra de alta intensidade. Os ministros das Finanças do G-7 — o grupo dos ricos — tratarão o problema como prioridade em reunião neste final de semana na cidade canadense de Iqaluit. A previsão é de que os líderes ricos também comentem, além da moeda chinesa, das reformas financeiras.

Reservas do Japão em relação à China

O ministro das Finanças japonês, Naoto Kan, disse em Tóquio que os ministros podem falar do iuan, que "muitos países" dizem estar desvalorizado dando à China uma vantagem “injusta” de exportação e impedindo um crescimento econômico mais “balanceado”. Tóquio defende um iuan mais flexível, mas tem sido mais reservado na crítica ao sistema cambial chinês.

Kan expressa a lógica de que as injustiças comerciais englobam questões muito mais graves do que essa. "Nós vamos lidar com essa questão baseados no nosso entendimento de que um crescimento econômico estável na China é desejável para o Japão", disse ele. Está certo. A correção das assimetrias passa, por exemplo, pela revisão das taxações e barreiras impostas pelos ricos, que impedem a efetividade da liberalização comercial.

Mas o centro da polêmica ainda é o G-20. A cúpula deste grupo em novembro, em Seul, Coréia do Sul, será "a transição final do G-7 para o G-20", disse Lee Myung-bak, presidente da Coreia do Sul e, neste ano, presidente também do grupo que abarca as 21 maiores economias do planeta mais a UE. O G-7, evidentemente, resiste ao enterro. O governo japonês, por exemplo, não acha interessante trocar o exclusivo G-7, no qual é o único país asiático, por um grupo maior e no qual participa a rival China.

Crise global sincronizada

O Canadá, o menor e menos ruidoso dos países do G7, está mais ou menos na mesma situação: se já é o menor no G-7, quase desaparece no G-20. Por mera coincidência ou intencionalmente, o governo canadense, presidente de turno do G-7, fará, no meio do ano, duas cúpulas, em cidades diferentes. Primeiro, a do G-8 (com a Rússia); depois, a do G-20. O que o G-20 não quer mais é a prática do G-7 de se reunir, soltar o comunicado final e só depois chamar os cinco países que passaram a ser convidados, entre eles o Brasil.

A crise global, sincronizada, funcionou como cimento para a unidade do G-20. Mas a tentação de cada país seguir seu caminho passa a ser forte, agora que a recuperação conjuntural da economia se dá "em múltiplas velocidades", diz Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI. Tome-se, por exemplo, o tema da reforma do sistema financeiro, que estará com toda a certeza na agenda das duas cúpulas do G-20 neste ano.

Os EUA saíram na frente com uma proposta ousada e polêmica. Strauss-Kahn apoia o pacote, mas diz que faltou coordenação com os demais países do G-20. Myung-bak, ao contrário, afirma que não acredita "em modelo tamanho único" porque cada país tem situações diferentes em seus bancos.

Temas complexos da agenda do G-20

Outro item obrigatório da agenda do G-20 é o que o jargão batiza de "estratégias de saída". Ou seja: a retirada dos colossais pacotes de estímulo governamental à economia. O Brasil, pela voz de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central (BC), considera desnecessário manter os estímulos e defende que a economia volte a ter "voo normal" — sem as muletas dos pacotes.

Mas, nos demais países, não há segurança a respeito de qual é o risco maior: se sair já ou retardar a saída. Strauss-Kahn, que participa do G-20 em nome do FMI, reconhece que há problemas em qualquer uma das duas decisões. Mas prefere correr o risco de retardar a retirada.

Há mais temas complexos na agenda, suficientes para prever que as cúpulas em 2010 do G-20 não serão nem plácidas, como foram, na maioria, as do G-7/G-8, nem fortemente solidárias como as de 2008/09. Um dos problemas centrais é a situação da economia norte-americana. O governo do presidente Barack Obama trava uma batalha com o sistema financeiro, em meio a sinais de que a crise não arrefeceu.

Erros das instituições financeiras

O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, disse que o governo manterá a nova taxa que pretende impor aos grandes bancos pelo tempo que considerar necessário para recuperar o dinheiro utilizado no resgate financeiro. Anteriormente, ele havia falado em 10 anos, o que renderia US$ 90 bilhões. Mas Geithner esclareceu no Congresso que não há limite fixo para a retirada.

Em uma audiência no Comitê de Finanças do Senado, Geithner estimou que o custo poderá atingir os US$ 100 bilhões. Segundo projeto da Casa Branca, deverão pagar a taxa as entidades com ativos superiores a US$ 50 bilhões, que são as que mais se beneficiaram do programa de resgate financeiro de US$ 700 bilhões, explicou o secretário do Tesouro.

Para que o projeto entre em vigor, a Casa Branca precisa da aprovação do Congresso, onde os legisladores republicanos são críticos da proposta. Geithner explicou que todos os bancos se beneficiaram das garantias públicas e que a taxa é uma forma de recuperar o dinheiro. "Queremos garantir que no futuro os contribuintes não sejam obrigados a salvar as grandes instituições financeiras das consequências de seus erros", afirmou.

Padrão que precisa ser demolido

Outro sinal de que a crise continua provocando estragos é o corte, pelas empresas privadas norte-americanas, de 22 mil postos de trabalho. Em dezembro, 61 mil empregos foram eliminados pelo setor privado, de acordo com os dados da ADP Employer Services. Desde o início da crise econômica e financeira, em dezembro de 2007, os Estados Unidos já perderam 7,2 milhões de postos de trabalho. Joseph Stiglitz disse, em Atenas, que a taxa de desemprego estaria “muito mais elevada” se não fosse pelas medidas implementadas pelo governo.

O conselheiro econômico da Casa Branca, Paul Volcker, cujo prestígio dentro do governo do presidente Barack Obama está crescendo, anunciou que pediria ao Congresso controles nos investimentos por parte de grandes bancos. O ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), um especialista em política monetária e defensor global de uma regulação financeira mais rígida, explicaria ao Senado detalhes sobre a "regra de Volcker", proposta no mês passado.

O Brasil, obviamente, deve analisar com muito apuro todos esses movimentos. É necessário dizer sempre que o padrão monetário adotado até aqui precisa ser demolido. A relação que o Brasil adotou com o sistema financeiro desde os primeiros passos da “era neoliberal” nunca foi racional. Historicamente, o capital especulativo procurou abrir as portas do país para a sua entrada e saída, com garantias de pagamento do seu dízimo. Na questão financeira, já está mais do que na hora de procuramos o rumo do clube dos países que prezam sua soberania e nos integrarmos de fato a ele.

Com agências