Sem categoria

Paulo Nogueira Batista Jr.: Ajuda ao Haiti ou colonização?

Haiti: ajuda ou recolonização?

O Haiti tem um governo democraticamente eleito. Precisa de ajuda -e não de ser ocupado militarmente

Por Paulo Nogueira Batista Jr., no jornal Folha de S. Paulo

No final do artigo da quinta passada, relatei a visita que fiz a uma escola para crianças "restavec" em Porto Príncipe dois meses antes do terremoto. As famílias muito pobres, expliquei, mandam crianças pequenas ficar com ("reste avec!") outras famílias. Essas crianças sofrem maus-tratos, viram empregados, quase escravos. E perguntava: onde estarão essas crianças agora? Pois a maioria das escolas da capital fora destruída.

Bem. A embaixatriz do Brasil no Haiti, Roseana Kipman, que está muito envolvida em projetos sociais, me escreveu contando que a escola que visitei, mantida por freiras latino-americanas, sofreu relativamente pouco. Houve feridos, alguns graves, mas "nenhum dos nossos "restavecs" morreu", contou a embaixatriz. Fiquei comovido com o e-mail dela. Vou fazer o possível para voltar em breve ao Haiti para ver a situação com os meus próprios olhos.

Mas não era sobre as crianças haitianas que pretendia escrever hoje, e sim sobre algumas consequências políticas do terremoto, cujo epicentro foi muito próximo da capital. Primeira consequência: depois do terremoto, os EUA, com o propósito de socorrer a população, enviaram milhares de soldados para o país. Segunda: a catástrofe abalou gravemente o governo haitiano e as demais instituições do país. Criou-se, afirma-se, um "vácuo de poder".

Alguns se apressam a ocupar esse suposto vácuo. Em órgãos influentes da imprensa anglo-americana, aparecem reportagens e editoriais sugerindo que o Haiti não tem mais como se autogovernar. O "New York Times" publicou extensa reportagem sustentando que o presidente do Haiti "não está à altura da situação", com base em comentários "off the record" de funcionários dos Estados Unidos e das Nações Unidas. O presidente Préval é apresentado com um homem "quebrado" e "desorientado".

A revista inglesa The Economist foi mais longe. Em arrogante editorial, decretou que o governo haitiano não tem condições de reconstruir o país e recomendou a criação de "uma autoridade temporária com amplos poderes para agir". Segundo a revista, essa autoridade deveria ser estabelecida sob auspícios da ONU ou de um grupo "ad hoc", que poderia incluir EUA, Canadá, União Europeia e Brasil. Supremo ridículo: a revista sugere que Bill Clinton seria a pessoa ideal para dirigir esse governo estrangeiro, talvez seguido por Lula depois que o presidente brasileiro concluir seu mandato!

As pessoas parecem esquecer que o Haiti tem um governo democraticamente eleito, que deve ser respeitado. O Haiti precisa de ajuda -e não de ser ocupado militarmente e administrado de fora para dentro. Uma das grandes preocupações do governo dos EUA, como mencionou Monica Hirst em artigo publicado nesta Folha, é com o risco de um êxodo migratório haitiano.

Poucos dias depois do terremoto, embora não houvesse sinais de haitianos tentando fugir da ilha por barco, um avião da força aérea dos EUA, equipado com rádio transmissores, passou a sobrevoar diariamente o país com uma mensagem gravada pelo embaixador do Haiti aqui em Washington: "Não se apressem a deixar o país. Se vocês pensam que chegarão aos EUA e todas as portas estarão abertas, vocês estão enganados. Vocês serão interceptados no mar e enviados de volta para casa".