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Para reviver o universo criativo de Chico Science

"A responsabilidade de tocar o seu pandeiro é a responsabilidade de você fazer-se inteiro." Os versos de Samba Makossa, escritos por Chico Science no início dos anos 1990, simbolizam a relação dele de entrega com a música e de envolvimento com o processo criativo. Hoje, 13 anos após o acidente de carro que matou o artista, a mostra "Ocupação Chico Science" tomará o térreo do Itaú Cultural até 4 de fevereiro.

Já não era sem tempo que uma exposição desse porte, numa cidade como São Paulo – depois de pequenas manifestações isoladas e confinadas no Recife, terra de Chico -, jogasse luz ao mesmo tempo no lado mais humano e no universo criativo da "linha de frente" de um dos estopins do movimento mangue beat como vocalista da Nação Zumbi, banda responsável pela última mudança significativa nos rumos da música brasileira.

Para isso, diferente das ocupações anteriores no Itaú Cultural, como as de José Celso Martinez Corrêa e Paulo Leminski, a instituição contou com uma espécie de curadoria coletiva, capitaneada pelo núcleo de comunicação, com Ana de Fátima Sousa, envolvida com a efervescência cultural recifense da década de 1990, e o núcleo de música, com Edson Natale.

Definido o personagem da ocupação no meio de 2009, os dois recorreram à ajuda das duas pessoas mais gabaritadas a colaborar: Paulo André Pires, produtor que abriu as portas do exterior para a Nação Zumbi, e colecionador inveterado de materiais relacionados à banda daquele período; e Goretti França, que conhece como poucos o acervo pessoal do irmão Chico, já que em seus dois últimos anos de vida ele dividiu o apartamento 302, na Rua Joaquim Nabuco, 507, no bairro das Graças, no Recife.

"Essa ocupação deu outra cor ao dia 2 de fevereiro, ela escondeu a memória triste. Não sei se foi pela forma com que o Itaú Cultural conduziu a exposição, sempre com muita participação da gente. Tenho um sentimento bom, o Chico era uma pessoa de muita festa. Tenho muita saudade dele, mas das coisas boas", diz Goretti.

Em relação aos objetos expostos, todos remetem ao universo pessoal e criativo de Chico. Logo na entrada, os visitantes dão de cara com um Landau exuberante, integrado ao cenário, exibindo no vidro dianteiro uma projeção de um passeio por Recife. O compositor tinha um carro do mesmo modelo, deixado em casa no dia de seu acidente, quando ele dirigia o Fiat Uno de sua irmã. Ao lado do Landau, uma parede grafitada pelo jovem recifense Derlon, com muitas referências ao mangue.
 
Monitores com fotos de Chico, HQs da dupla Dolores&Morales, imagens de influência do compositor, como Antonio Conselheiro, Lampião, Zapata, Zumbi dos Palmares, caranguejos e parabólicas em formato de ímãs que serão colados em uma geladeira, obras de artistas plásticos amigos do homenageado, como Félix Farfan, Evêncio, Fernando Peres e Juliana Notari, cartazes raros dos primeiros shows da Nação em festivais estrangeiros, crachás de identificação das apresentações e uma linha do tempo com os principais fatos da carreira, feita por Paulo André ainda em 1997, após a morte de Chico.

Além do grosso da exposição, que enfoca predominantemente o universo criativo do compositor, tudo segue um caminho até chegar a um pequeno ambiente, ligado mais a objetos pessoais de Chico, como uma roupa desenhada por dona Rita, mãe do músico, um case de CDs com o que ele estava ouvindo na época de seu acidente, um troféu representado por um boneco estilizado com seu rosto, um marinheiro, e a preciosidade de quatro cadernos, que ficam guardados em pequenas gavetas, contendo anotações e esboços de Chico desde o começo da década de 1990.

"Ele tinha uma dinâmica com os objetos que eu conhecia muito bem o significado e o contexto. Por exemplo, ele tinha um marinheiro que chamava de seu "anjo da guarda" e uma sereia que ele dizia ser sua namorada", diz Goretti.

De extrema importância para a ocupação é também o site (http://www.itaucultural.org.br/ocupacao) desenvolvido justamente para não limitar a exposição ao espaço físico do prédio do Itaú Cultural. "Assim, mesmo quem não for de São Paulo, poderá conhecer um pouco mais do universo de Chico", diz Ana de Fátima Sousa.

Fonte: O Estado de S.Paulo