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Migrações: França endurece a abordagem

Em uma reunião ministerial especial da União Europeia, a França vai propor 298 medidas contra o fluxo de imigrantes que chegam pelo Mar Mediterrâneo. No encontro, os países do bloco buscarão adotar uma nova política de proteção das fronteiras regionais, anunciou o ministro francês da Imigração, Eric Besson. Porém, enquanto os ministros se preparam para este encontro, os ativistas continuam protestando contra a maneira como a França lida com os imigrantes.

Por A. D. McKenzie, para a agência IPS

No começo deste mês, a polícia francesa expulsou imigrantes de um hangar da cidade portuária de Calais, norte do país, onde organizações não governamentais os abrigravam. Besson disse na oportunidade que não haveria uma nova “selva” em solo francês. “Os conflitos que ocorrem no Oriente Médio obrigam estas pessoas – os reais ‘danos colaterais’ – a fugirem para nosso país”, afirmou em um comunicado a organização francesa SoS Sans Papiers.

Esta entidade e a rede transnacional No Borders alugaram o hangar para contar com um “espaço seguro” para que os imigrantes se reunissem, principalmente refugiados afegãos e iraquianos, e quem os apoiassem, disseram as organizações. “Não deveria haver nenhuma razão para os países europeus terem tanto medo dos imigrantes”, disse por telefone à IPS Dan Rosenthal, porta-voz da filial londrina da No Borders. Esta organização defende a liberdade de movimento e um debate mais aberto sobre as migrações.

“Um dos problemas é que os governos criminalizam as migrações. Estabeleceram uma ligação entre ser migrante e ser delinquente”, enfatizou Rosenthal. “As pessoas deveriam poder ir para onde desejassem. E poderia ser usado mais sabiamente o dinheiro que atualmente é gasto em reforçar as fronteiras, impedir a imigração e deter pessoas”, acrescentou. Segundo os ativistas, o problema real que deveria ser abordado é o que faz com que os migrantes coloquem suas vidas em risco para viajar à Europa e por que as políticas de imigração da UE falham com essas pessoas. Mas estas perguntas parecem estar caindo em ouvidos surdos.

As leis da UE em matéria de imigração exigem que os refugiados solicitem asilo no primeiro país onde chegam. Mas muitos não querem ficar em nações como Itália, Espanha ou Grécia. Assim, são levados de um lugar para outro ou devolvidos aos seus países de origem. Alguns mutilam os dedos para que seu ponto de entrada não possa ser rastreado pelas digitais, segundo fontes do governo e de organizações de assistência. A maioria dos que chegam a Calais quer ir para a Grã-Bretanha, onde pensam que a vida será melhor, mas os funcionários britânicos não fazem muito para ajudar a resolver o dilema, afirmam os ativistas.

“O fenômeno de Calais continua porque as políticas oficiais não funcionam”, disse à IPS Violaine Carrère, porta-voz do Grupo para a Informação e o Apoio a Imigrantes, com sede em Paris. “As autoridades não parecem interessadas em encontrar uma solução real. Simplesmente não querem que os migrantes se tornem muito visíveis. Basta ficarem visíveis, e os governos lançam uma enorme campanha publicitária e intervêm com a política. E depois tudo recomeça. O problema é o mesmo há 11 anos”, acrescentou. Besson disse que deseja encontrar uma solução. Nos últimos meses, parecia ser o mais ocupado dos ministros franceses, enviando dezenas de comunicados e realizando entrevistas coletivas inclusive aos domingos.

“As imigrações ilegais constituem um ataque ao nosso pacto republicano, bem como ao nosso pacto econômico e social”, disse, enquanto vigiava a assinatura de um acordo entre a rede ferroviária francesa SNCF e o sindicato nacional de empresas de segurança para acabar com a contratação de trabalhadores “ilegais”, entre outras práticas. “Com o desemprego de cidadãos não europeus em torno de 30%, dar boas-vindas incondicionais em nosso solo a todos os cidadãos estrangeiros que queiram vir e regularizá-los terá somente uma aparência de generosidade. Tal política irá contra os próprios estrangeiros”, acrescentou.

Besson disse que um de seus principais objetivos foi lutar contra as redes de tráfico de migrantes, e que no ano passado a polícia prendeu 4.734 traficantes, entre eles 1.400 empregadores. Em conversa com jornalistas, Besson disse que o número de pessoas que receberam asilo em 2009 e das que obtiveram a nacionalidade francesa mostra que a França é um “país aberto”. Segundo o Ministério da Imigração, no ano passado, 47 mil pessoas pediram asilo no país, o que representa aumento superior a 10% em relação ao ano anterior. A França emitiu 10.900 autorizações de residência para refugiados, 12% a mais do que em 2008 e 32% mais do que dois anos antes, segundo o Ministério.

Besson anunciou que, em 2010, o orçamento para “asilo” aumentará 10%, para mais de 318 milhões de euros (mais de US$ 428 milhões), ou mais da metade do orçamento do Ministério. “A França é o principal país da Europa e o segundo do mundo pela quantidade de solicitações de asilo que recebe”, afirmou o ministro. No entanto, em geral, as autorizações de residência concedidas no ano passado caíram quase 4%, ao diminuir a imigração de profissionais e famílias, por causa da crise econômica.

Em 2009, houve queda tanto na imigração legal como na ilegal, afirmou Besson. Mas o governo quer que a segunda seja totalmente eliminada. De fato, os funcionários expressaram temor de que a França se pareça com a Itália, com imigrantes chegando em balsas, como afirmou o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em uma entrevista no canal francês de televisão TF1. Suas declarações aconteceram poucos dias depois de, em 21 de janeiro, 123 imigrantes, na maioria curdos da Síria, desembarcarem ou serem deixados por traficantes em um praia da Ilha de Córsega. O governo transferiu imediatamente essas pessoas para centros de detenção da França continental, mas depois quase todos foram liberados por magistrados locais. Sarkozy disse que os que não eram verdadeiros solicitantes de asilo seriam repatriados, embora não tenha ficado claro como chegaram à Córsega.

“Se não fazemos isso, as redes criminosas de todo o mundo chegarão à conclusão de que podem desembarcar essas pobres pessoas como bem entenderem nas praias da França”, disse o presidente na entrevista no TF1. Mas, segundo Carrère, esse retrato das ondas de imigrantes que chegam a praias francesas somente alimenta a xenofobia e é “absolutamente escandaloso”. A “decisão dos juízes locais de liberar os migrantes no caso da Córsega foi uma completa denúncia das políticas do governo. Não se pode prender pessoas apenas porque buscam asilo”, ressaltou.

“São as políticas da União Europeia que ajudam a criar os fluxos migratórios, e a situação se resolveria rapidamente se fosse permitido às organizações civis fazer o que é necessário”, disse Carrère a IPS. “Mas, o governo quer isto? A xenofobia e o racismo institucional estão se convertendo na política oficial da França e da maior parte da Europa”, afirmou.

Fonte: Envolverde