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OAB investiga arquivos secretos da ditadura achados em Santos

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo investiga a denúncia de que documentos secretos do período da ditadura militar (1964-1985) que deveriam estar guardados em um arquivo do governo federal foram parar em um canto da sede regional do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior (Deinter-6), em Santos, no litoral paulista.

O caso está sendo acompanhado pelo coordenador da comissão, Martim de Almeida Sampaio, que mantém contato com o Ministério Público Federal (MPF). Segundo ele, tudo está sendo feito de forma discreta para não haver o risco de perda dos documentos.

A denúncia, publicada hoje (26), pelo jornal Folha de S.Paulo, surgiu por meio de um telefonema anônimo transmitido por um ouvinte ao radialista João Carlos Alckmin, de São José dos Campos, que, imediatamente, acionou o conselheiro da OAB Arley Rodrigues. “Nós agora precisamos de uma resposta sobre a razão por que esses documentos não estão no arquivo público”, disse Rodrigues.

Para Sampaio, há um vazio de explicações sobre o paradeiro de mais de uma centena de desaparecidos políticos. “Em tese, caso sejam achados esses documentos poderemos ter, por exemplo, esclarecimentos sobre as circunstâncias do sumiço do Bacuri”, disse, ao se referir a Eduardo Collen Leite, um dos principais militantes de esquerda contra o regime militar, que atuou ao lado do guerrilheiro Carlos Marighella.

Sampaio disse que vai à Baixada Santista, junto com representantes do MPF, para apurar o caso e ouvir os esclarecimentos do delegado responsável pela unidade policial, Waldomiro Bueno Filho. Além da importância do conhecimento sobre o episódio histórico, os documentos são peças essenciais que podem ser usadas como prova de violação dos direitos humanos.

Leia abaixo a matéria da Folha

Abandonado, arquivo secreto da ditadura é achado em Santos
Documentos estão armazenados fora de ordem, infestados por cupins, traças e poeira, em cerca de 600 pastas e caixas

Ato descumpre resolução que determinava que papéis fossem abertos a consulta; delegado diz que dossiês irão para o Arquivo do Estado

MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A SANTOS (SP)

Espiões nazistas podem entrar disfarçados de latino-americanos no porto de Santos, alertava a polícia em 1943. Romeu Tuma, então chefe da polícia política, é informado sobre um show de Chico Buarque em 1972. Relatos de dois pescadores e de um funcionário público dão conta de que Carlos Marighella, líder guerrilheiro da ALN (Ação Libertadora Nacional), prepara uma ação no litoral paulista em 1969.

Essas histórias estão guardadas num arquivo secreto do Deops-SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), abandonado pela Polícia Civil em Santos e que nunca havia sido aberto a consultas.

A reportagem da Folha entrou pela primeira vez no arquivo. Numa sala com cerca de 18 m2, trancada com cadeado, duas estantes de madeira guardam cerca de 600 pastas e caixas, que abrigam entre dez e 15 dossiês cada uma, tudo infestado por cupins, traças e poeira. A sala fica no segundo andar do Palácio da Polícia, atrás de dois elevadores.

Numa estimativa grosseira, o arquivo teria de 6 mil a 9 mil dossiês. O Deops foi a polícia política no Estado à época da ditadura militar (1964-1985).

Os investigados são sindicalistas, comunistas, guerrilheiros, políticos, padres e líderes estudantis. Não há ordem alfabética ou cronológica no armazenamento. As pastas são organizadas por temas — sindicato dos estivadores, movimento estudantil, Marighella, Jânio Quadros, e assim por diante.

O documento mais antigo encontrado pela Folha é de 1943, sobre os riscos de infiltração nazista no porto; o mais recente, de 1982, sobre lideranças estudantis.

O Deops foi extinto em 1983 e sua documentação deveria ter sido entregue ao Arquivo do Estado a partir de 1994, segundo uma resolução do então secretário da Cultura do governo paulista, Ricardo Ohtake, que criou as normas de consulta a esses papéis. Essa resolução determinava que os arquivos do Deops fossem abertos a consulta pública e que ficariam sob a guarda do Arquivo do Estado.

Santos

O historiador Rodrigo Rodrigues Tavares, autor de dois livros sobre a história política de Santos contada a partir de documentos do Deops, diz que a polícia da cidade sempre negou que tivesse esse arquivo: “Pedi umas quatro ou cinco vezes para consultar essa documentação e a polícia dizia que não tinha mais nada”.

Os livros escritos pelo historiador (O Porto Vermelho e A Moscouzinha Brasileira) foram pesquisados na documentação que a polícia de Santos enviava para São Paulo e está guardada no Arquivo do Estado. Nesse arquivo, há cerca de 50 pastas sobre Santos, segundo ele, menos de 10% do que está abandonado nas 600 pastas que estão naquela cidade.

As 50 pastas existentes em São Paulo não traduziam a importância política que Santos teve no país, na avaliação dele.

A cidade era um dos principais polos dos anarquistas no país e uma das bases históricas do Partido Comunista Brasileiro. Tão importante que o escritor Jorge Amado dedicou um dos livros da trilogia Os Caminhos da Liberdade a Santos — o volume intitulado A Agonia da Noite. “Os velhos comunistas diziam que deveria haver muito mais material do Deops do que aquele que eu achei em São Paulo”, relata o historiador.

Um desses velhos comunistas, Anibal Ortega, 64, militante do PCB desde 1961, diz que o arquivo encontrado agora estava escondido porque os policiais temiam retaliações após a redemocratização do país.

“Muitos comunistas de Santos foram procurar dossiês em arquivos para entrar com pedidos de indenização e não acharam nada”, conta Ortega. A possibilidade de presos políticos serem indenizados foi instituída em 1995 pelo governo federal e, seis anos depois, pelo governo paulista.

Apuração

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) vai pedir que o Ministério Público apure as razões pelas quais os dossiês não foram entregues ao Arquivo do Estado em 1994. O conselheiro Arley Rodrigues diz que a Secretaria de Segurança violou uma norma do próprio Estado. “Se descobrirmos que houve ação ou omissão de algum delegado, ele pode ser punido”, diz. Rodrigues foi informado da existência do arquivo pelo radialista João Carlos Alckmin.

O delegado responsável por Santos, Waldomiro Bueno Filho, diz que não sabia da existência do arquivo, mas que vai transferir a documentação para o Arquivo do Estado. Bueno Filho foi acusado de ter participado de sessões de tortura do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), o que ele nega.
 

Fonte: Agência Brasil