Sem categoria

Mariano Molina: Por que quebrar lanças por José Mujica

Às vezes parece que repetir o passado guerrilheiro, a prisão ou a tortura sofrida é voltar a um passado para evitar refletir sobre o presente. O próprio Pepe Mujica defende claramente que "não se pode viver do passado e as credenciais devem ser renovadas a cada dia". Portanto, tentarei apontar alguns outros elementos sobre o novo presidente do Uruguai.

Por Mariano Molina*, em Página 12 

Às vezes parece que repetir o passado guerrilheiro, a prisão ou a tortura sofrida é voltar a um passado para evitar refletir sobre o presente. O próprio Pepe Mujica defende claramente que "não se pode viver do passado e as credenciais devem ser renovadas a cada dia." Portanto, tentarei apontar alguns outros elementos sobre o novo presidente do Uruguai.

Indo ao Uruguai profundo disse sempre que é mais fácil ganhar uma eleição que mudar um pouco a forma de pensar de uma sociedade, que as mudanças culturais são lentas e que a chegada ao governo não significa a tomada do poder. Ele nunca evidenciou declarações sobre mudanças radicais em um sistema democrático no qual grupos econômicos são mais poderosas que as forças políticas e as instituições.

Ele pertence à essa esquerda latino-americana que decidiu lutar sob as condições que se impuseram nos nossos países, levando a mochila não só de mártires e de pessoas desaparecidas, mas de sociedades mergulhadas na pobreza e dependência.

A atitude foi e é a de enfrentar as dificuldades da época, buscar caminhos e não abrir mão dos objetivos históricos, embora alguns tenham preferido entender a realidade a partir da imprensa do sistema, que repete uma e outra vez as contradições, mas oculta sistematicamente as conquistas. Apenas nesta linha se explica o uso comum que (os meios de comunicação) fazem de sua imagem quando, por exemplo, amplificam até o cansaço palavras para os empresários com o único propósito de criticar o governo nacional, destacando as questões formais e não o conteúdo de suas ações.

O novo governo da Frente Ampla é produto de uma paciente construção da unidade, que tem quase quarenta anos, arraigada no coração do povo e dos setores mais pobres do país. Não escapa às divisões e disputas internas, nem aos personalismos ou sectarismos, mas tem a virtude de saber se unir em momentos-chave e frente ao inimigo comum.

O Pepe é um grande transmissor de idéias, que enfoca os temas profundos e trancedentais de uma sociedade com sensibilidade. Conseguiu entrar enos rincões humildes, sempre esquivos para a esquerda, e interpelar setores progressistas dos partidos tradicionais.

Entre as suas principais causas, está a luta contra o consumismo e o desperdício; e tem insistido ainda em um importante limite aos salários de confiança e cargos eletivos, embora a Frente Ampla não acompanhe esta proposta. Não tem o ego de outros líderes e sempre apostou no coletivo: "Escolher um presidente não é eleger um rei que sabe tudo."

Propõe um Uruguai inteligente, produtivo, mais industrializado, limitando todos os tipos de monocultura e que "venda pouco para muitos", para não depender de outras economias. Ele se opôs à ALCA, ao Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e levantou a necessidade de o Mercosul ter políticas conjuntas na economia global.

Pepe Mujica deixou claro em 1 de março que o Mercosul e a América Latina são prioridades irrevogáveis, para além dos esforços que estão sendo feitos para causar divisões na esquerda latino-americana e de alguns protagonistas da "esquerda" que repetem esses esquemas.

O governo de Pepe vai lutar por novas mudanças na educação, no acesso à habitação e à distribuição da riqueza. Ele propõe o trabalho voluntário nas grandes causas sociais do país, como a construção de moradias.

Sua presidência rompe com o preconceito de classe, com uma tradição de dirigentes politicamente corretos e representa setores sociais esquecidos que o consideram um dos seus e uma geração que não desistiu, apesar das misérias próprias dos seres humanos.

Quando Pepe Mujica foi eleito e milhares de pessoas celebraram em todo o país, Mujica se aproximou de seus antigos colegas para recordar conceitos históricos, por vezes esquecidos pela dinâmica eleitoral e politiqueira: "As causas como as nossas não se consertam em uma eleição. Elas precisam de um longo prazo e de gerações comprometidas".

Por estas pequenas e outras grandes razões, vale a pena quebrar lanças em favor de Pepe Mujica e da Frente Ampla.

*Mariano Molina é jornalista

Fonte: Página 12