Sem categoria

Walter Sorrentino: Jyoti Basu, grande humanista

Sabe-se que o Partido Comunista da Índia tem um grande papel e influência desde que conquistou o governo de Bengala Ocidental. Abriu-se ali uma grande experiência política, que dura décadas. Um líder dessa experiência, Jyoti Basu, faleceu. O doutor Durval Noronha presta-lhe uma homenagem póstuma, a qual compartilho com os leitores, reproduzindo aqui matéria por ele publicada. Por Walter Sorrentino.

Jyoti Basu

Jyoti Basu, grande humanista

Faleceu no dia 17 de janeiro de 2010, na Índia, aos 95 anos de idade, Jyoti Basu, líder histórico do Partido Comunista Indiano, e primeiro-ministro (cargo equivalente dentre nós àquele de governador) do importante estado indiano de Bengala Ocidental, com capital em Calcutá, pelo longo e ininterrupto período de 23 anos.

Por Durval de Noronha Goyos

Nascido em 1914, em Calcutá, numa família burguesa (seu pai era médico), Jyoti Basu estudou direito no Reino Unido, onde pessoas com o seu perfil frequentemente eram atraídas pelo Partido Comunista Britânico, na busca desesperada por opções humanísticas, face às iniqüidades sociais existentes no seio do Império Britânico e a cruel exploração sistemática de suas colônias.

Jyoti Basu firmou-se como um campeão dos interesses do povo indiano tendo dedicado sua vida à construção de uma sociedade sem castas, classes ou exploração. Inicialmente, após a proclamação da independência da Índia em 1947, ocupou-se da organização sindical dos trabalhadores nas estradas de ferro. Em alguns períodos, entre 1948 e 1951, enquanto seu partido foi banido, teve que se recolher à clandestinidade

Em 1977, a coligação da frente de esquerda, dominada pelo Partido Comunista Indiano, obteve a maioria nas eleições regionais, tendo sido convidada a formar o governo do Estado de Bengala Ocidental, do qual Jyoti Basu tornou-se primeiro-ministro. Sua primeira tarefa foi a de restaurar a estabilidade num meio comprometido pelo radicalismo da extrema esquerda.

No governo de Bengala Ocidental, que dirigiu com um mandato de 23 anos, até o ano 2000, esteve à frente de um ambicioso programa de redistribuição de terras de enorme sucesso. Promoveu a democracia participativa nos campos e assegurou o acesso do povo aos serviços públicos básicos, ações que impulsionaram sua enorme popularidade.

Em 1996, Jyoti Basu quase se tornou o primeiro-ministro da Índia, não tivesse o seu partido adotado o modelo de “apoio sem participação” no governo. No entanto, seu pragmatismo convenceu aos quadros dirigentes do Partido Comunista Indiano a abandonar os seus tradicionais fundamentos ortodoxos. Ao fazê-lo, reconheceu-se a impossibilidade da criação de uma sociedade comunista no momento, e a conveniência de buscar modelos de crescimento econômico nacional fundados no capital, nos moldes da bem-sucedida experiência chinesa.

Esse processo de transformação desencadeou uma reação de crescimento econômico generalizado em Bengala Ocidental, sem que seus líderes tivessem perdido a consciência das grandes desigualdades sociais existentes na Índia de hoje, as quais ainda compreendem não apenas as disparidades na distribuição de riquezas, como também a discriminação decorrente do tradicional regime de castas.

O legado histórico de Jyoti Basu é um de tolerância, de pragmatismo inteligente e de comprometimento com o humanismo, com a decência e com o bem comum. A Índia perdeu um grande homem, mas seu exemplo continuará bem vivo na memória de seu povo.

Artigo publicado no Última instância: http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas_ver.php?idConteudo=63641