Sem categoria

Grécia: recessão avança e trabalhadores estão em pé de guerra

Parece que o capitalismo grego entrou em parafuso. O Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia caiu 0,8% nos últimos três meses de 2009 em comparação com o trimestre anterior, que também registrou recuo de 0,5%, segundo informações divulgadas nesta sexta (12) pelo Serviço Nacional de Estatísticas do país. Em relação ao quarto trimestre de 2008 a queda foi de 2,5%. Os investimentos declinaram 19%, enquanto o gasto do governo subiu 8,4%, indicando expansão do déficit público.

Por Umberto Martins

O comércio exterior despencou, com as importações retrocedendo 18% e as exportações caindo 15,5%. Estimativas da União Europeia apontam uma contração de 2,25% da economia grega em 2010, num contraste com outras nações que já emitem claros sinais de recuperação. A recessão na Grécia é, assim, uma das mais dramáticas e profundas da Europa e do mundo. O problema foi agravado pela eclosão de uma autêntica crise da dívida externa, que guarda muitas semelhanças com a crise brasileira dos anos 1980.

Crise da dívida

Estimulado pela banca internacional, durante o ciclo de crescimento da economia mundial (2002 a 2008), o país acumulou uma dívida de 300 bilhões de dólares, que equivale a 113% do PIB, e registrou um déficit público de 12,7% em 2009. Quando estourou a crise, os empréstimos para refinanciamento dos débitos secou, o chamado risco-país disparou e as taxas de juros seguiram a mesma trajetória, conduzindo a Grécia às portas da moratória.

Diante do impasse, e sob forte pressão dos credores internacionais e da União Europeia, o governo social-democrata de George Papandreou anunciou um plano de ajuste traduzido em dois pacotes econômicos que elevam a idade para aposentadoria, corta salários e benefícios do funcionalismo e aumenta impostos. O objetivo declarado pelo governo é reduzir as despesas do Estado e o déficit público, engordar as receitas e evitar a moratória. Quer garantir o pagamento dos banqueiros cortando na carne da classe trabalhadora.

Luta de classes

Mas os sindicatos, o Partido Comunista e os trabalhadores estão reagindo à altura. Em poucos dias o país foi sacudido e paralisado por três greves gerais (a última na quinta-feira, 11), acompanhadas de manifestações de rua nas quais sobressai a vontade popular de impedir que o ônus da anarquia financeira seja descarregado sobre os mais pobres para assegurar os gordos lucros dos bancos que fomentaram a crise.

É nítida e notável o acirramento da luta de classes no país. E o impasse está longe do fim. Na sexta (12), quando Atenas ainda respirava a poeira da greve geral realizada no dia anterior, o poderoso sindicato dos servidores públicos da Grécia, que representa meio milhão de pessoas, convocou uma nova manifestação, com paralisação, para a próxima terça-feira (16), contra o arrocho salarial imposto à categoria. Ao anunciar a convocação da greve, o presidente do Adedy, Spiros Papaspiros, advertiu que “a luta contra as medidas que dão fim a nossos direitos trabalhistas persistirá”.

No mesmo dia (16), o Conselho de Ministros de Economia e Finanças da União Europeia (Ecofin) estará reunido em Bruxelas para debater a crise na Grécia. Não se deve esperar um bom conselho deste fórum, que insiste numa orientação reacionária e tem por guia os interesses da oligarquia financeira européia.

Radicalização

A tendência aparentemente inevitável na atual conjuntura é a radicalização dos conflitos sociais. A Grécia, um elo frágil do imperialismo europeu, é o palco principal da tragédia em curso. Mas os problemas que abalam a credibilidade e a saúde do euro não estão circunscritos às fronteiras da nação helênica.

O índice oficial de desemprego na Espanha está beirando os 20%, o déficit público é de 11,4% do PIB. Portugal está às voltas com um déficit público de 9,3% do PIB e o governo também quer que a classe trabalhadora (principalmente do setor público) pague a crise. A bolha imobiliária da Irlanda estourou com um déficit de 11,5% do PIB. Greves e manifestações trabalhistas tornaram-se recorrentes na Espanha e Portugal ao longo dos últimos meses. Não era de se esperar outra reação, pois os governos desses países também anunciaram pacotes de ajuste econômico com um só conteúdo: cortar salários para pagar dívida.

O futuro do euro

A Itália acumulou uma dívida equivalente a cerca de 115% do PIB. O primeiro-ministro do país, Silvio Berlusconi, um falastrão que cultiva ligações perigosas com o neo-fascismo, gabou-se recentemente de um pacote econômico que promete transferir, segundo suas próprias palavras, “80 bilhões de euros do setor público para o privado”, incluindo uma ajuda de 12 bilhões de euros aos bancos. Quem será que vai pagar a conta?

A classe trabalhadora já deu sinais de que não quer sair no prejuízo. Na sexta (12) foi realizada uma greve geral e cerca de um milhão de pessoas foram às ruas das principais cidades italianas protestar contra o desemprego e a ausência de políticas sociais. Os trabalhadores também estão reivindicando a regularização da situação dos imigrantes, que são alvo de uma odiosa discriminação no país.

A crise expôs as contradições, misérias e fragilidade da União Europeia, que se expandiu para o leste após a derrota do “socialismo real”, mas está atolada no pântano dos interesses reacionários da oligarquia financeira e é incapaz de apresentar um projeto de futuro digno do apoio popular.

Do outro lado do atlântico não é difícil notar a decomposição do poderio econômico dos EUA e do padrão dólar, que tem os dias contados. Mas as perspectivas para o euro não são nada brilhantes.