Sem categoria

"Colômbia não tem candidato de esquerda à presidência"

Uma entrevista de Carlos Gaviria, do Polo Democrático da Colômbia, publicada no Página 12, revela as dificuldades que os progressistas enfrentam no país governado por Álvaro Uribe. Gaviria fala da falta de perspectivas da oposição e expõe contradições no seio da própria esquerda, ao destacar que todos os partidos – inclusive o seu – propõem continuar a questionável política de segurança uribista. Ele lamenta que nenhuma candidato às eleições presidenciais de maio seja de fato de esquerda.

O veterano líder do Polo Democrático, Carlos Gaviria, não gosta de cair em desespero, mesmo quando o horizonte próximo dos colombianos não pressagia nada alentador. As eleições legislativas do domingo passado minaram as bancadas da esquerda e a deixaram muito mal colocada para a disputa presidencial em maio. "O próximo presidente será um verdadeiro herdeiro de Álvaro Uribe", prognosticou Gaviria, em uma conversa por telefone com Página 12, de seu apartamento em Bogotá.

Afastado da direção do Polo depois de perder a disputa presidencial interna para o senador Gustavo Petro, o ex-juiz se manteve à margem da campanha eleitoral. Ele diz que, desta vez, não lhe inspira ser protagonista. Na última eleição presidencial, foi o candidato do Polo e, pela primeira vez na história da Colômbia, a esquerda despontou como a segunda força nacional.

Mas Uribe e seus aliados avançaram muito desde então e é pouco provável que essa façanha se repita. "As eleições legislativas mostraram que o país foi se tornando mais conservador. Até o prório candidato do Pólo adotou uma atitude de centro", lamentou o ex-professor de direito de Uribe.

Página 12: Porque a esquerda perdeu tanto terreno na última eleição?

Carlos Gaviria: O país foi se tornando mais conservador sob o governo de Uribe. Os partidos de direita são os que desfrutaram dos benefícios da burocracia. Em contrapartida, a esquerda sofreu uma terrível campanha de difamação, especialmente os setores de esquerda Polo. Nos relacionaram com a luta armada. Em termos absolutos, o Pólo não perdeu muitos votos, mas como o eleitorado cresceu muito, perdemos vagas.

Página 12: Em 2006, a esquerda teve melhor desempenho na eleição presidencial que nas legislativas. Isso pode se repetir em maio?

Gaviria: É muito difícil. O próprio candidato do Polo adotou uma atitude de centro, distanciando-se da esquerda. Como senador, Petro votou a favor do atual procurador-geral da República, um grande fã e aliado de Uribe. Isso levou muitos dentro da esquerda a sairem.

Página 12: Os colombianos ficaram sem uma opção de esquerda para a próxima eleição presidencial?

Gaviria: Sem dúvida. O Polo está fazendo propostas muito semelhantes às de outros partidos. O problema na Colômbia, hoje, é que o centro está mais do que sobrecarregado. Precisamos de um candidato que assuma o lugar da esquerda, distanciando-se da luta armada. Aqui isso não é fácil.

Página 12: Em que todos os candidatos concordam?

Gaviria: Por exemplo, na política de segurança democrática, a política de Uribe para enfrentar as guerrilhas. Não importa a enorme deterioração dos direitos humanos ou as centenas de casos confirmados de falsos positivos (os camponeses e jovens assassinados que o exército faz passar por guerrilheiros). Até Petro disse que seguiria o caminho da segurança democrática. Não há nenhum candidato que ponha adiante a paz, que diga que esta é a única forma de alcançar uma sociedade democrática.

Página 12: Por quê?

Gaviria: Porque Uribe triunfou. Seu projeto foi manter o estado de coisas no país, as desigualdades e a pobreza, enquanto as pessoas se contentavam com a diminuição nos seqüestros. Seu governo não se importou em combater as causas que criaram o conflito: a pobreza e o desemprego, que chega a 13%. Como pode ser que, há dois anos, o PIB ter crescido muito além do que era esperado, mas ainda não se tenha reduzido o fosso entre ricos e pobres, nem tenham sido criados empregos?

Página 12: E ainda assim os colombianos voltarama apostar nos aliados de Uribe, inclusive nos legisladores com ligações comprovadas com os paramilitares.

Gaviria: O país, em sua grande maioria, tem uma consciência tão conservadora que não se importa que alguns membros do Congresso tenham sido associados ao paramilitarismo e, por isso, votaram em seus filhos, primos… Isso dá uma idéia do grau de feitiço da população com o projeto de Uribe.

Página 12: Isso significa que o candidato presidencial de Uribe, o ex-ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, tem tudo para ganhar?

Gaviria: É o favorito. Santos encarna a mesma política de Uribe. O modelo econômico é essencialmente o mesmo e não se esqueça que ele era ministro da Defesa quando surgiram falsos positivos, algo com o que as pessoas não parecem se importar.

Página 12: Mas ele não tem o carisma de Uribe …

Gaviria: Ele não tem o carisma, mas vai ter um apoio ainda mais contundente das famílias mais poderosas do país, porque é um de seus filhos prediletos. O país vai viver em guerra por muito mais tempo, infelizmente. Com sorte, o fracasso em matéria de emprego e saúde começará a desmoronar o prestígio do próximo governo. Santos vai copiar a estratégia de Uribe, embora talvez não com tanto sucesso.

Fonte: Página 12