Antônio Capistrano: Tiradentes, Brasília e Lamarca

O mês de abril nos traz à lembrança datas históricas que se interligam por algum motivo. O dia 21 de abril é a data do assassinato do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

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Ele, desde a Proclamação da República, é considerado o mártir da Independência. Tiradentes foi morto por enforcamento e depois teve seu corpo esquartejado, salgado e espalhado pelas estradas de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. A casa em que morou foi derrubada e a terra salgada para torná-la infértil, para que nem uma planta nascesse naquele local. Motivo, traição. Essa foi à sentença.

A rebelião de Vila Rica foi considerada um ato de lesa-majestade, contrária aos interesses da metrópole, e isso era um crime, uma traição, uma conspiração contra o governo da época. Mesmo depois da nossa independência, em 7 de setembro de 1822, o nome do alferes Joaquim José da Silva Xavier não aparece na historiografia oficial da época. Nenhum historiador do Império, nem o mais famoso deles, Francisco Adolfo Varnhagen, que escreveu História Geral do Brasil em cinco volumes, não menciona a existência de tal personagem. Durante o império, Tiradentes tem o seu nome apagado da história do Brasil, foi banido como traidor.

O seu “crime”, sonhar com um Brasil livre, independente e republicano, era a sua utopia, mas, para o governo da época, era uma traição.

O grande dramaturgo alemão, Bertolt Brecht, membro do Partido Comunista Alemão, escreveu uma frase lapidar, que diz: “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”. Hoje, o alferes Joaquim José da Silva Xavier é um herói nacional, não mais um traidor. Com o advento da República, em 15 de novembro 1889, Tiradentes sai da lista negra de traidores da Pátria para o panteom dos heróis da República.

O dia 21 de abril passou a ser feriado nacional, homenagem a um homem que contrariou o regime e as autoridades da época, lutou por seus ideais, transformou-se em um herói nacional. Esse feriado é a consumação da frase de Brecht, “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”. Tiradentes é um herói nacional e não um traidor.

No dia 21 de abril de 2010 Brasília completa 50 anos da sua inauguração, ela foi inaugurada no último ano do governo de Juscelino Kubitschek, o idealizador da nova capital do nosso país. Juscelino escolheu esta data para inaugurar Brasília não por acaso, era uma homenagem ao grande herói republicano Joaquim José da Silva Xavier, mineiro como ele. Para pensar e construir Brasília, Juscelino entregou o comando do projeto a duas grandes figuras da arquitetura brasileira, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Obra arrojada, mas de grande importância estratégica para o país. Hoje, Brasília é um patrimônio arquitetônico da humanidade.

O arquiteto Niemeyer, um velho militante comunista, foi perseguido e exilado pela ditadura, motivo, as suas ideias e a sua luta contra a ditadura. Mas Oscar venceu, retornou ao país, hoje é venerado por todos, Niemeyer é um orgulho nacional, completa este ano, no dia 15 de dezembro, 103 anos de vida. Mais uma vez a frase de Brecht se confirma, “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”.

Juscelino Kubitschek morreu em um estranho acidente de carro na estrada Rio – São Paulo, fato ocorrido no dia 22 de agosto de 1976. Esta história está no livro “O Beijo da Morte”, escrito por Carlos Heitor Cony e Anna Lee. E, em depoimento de um agente do serviço secreto Uruguai que fala sobre a “Operação Condor”, operação que visava assassinar lideranças do Cone Sul, entre os listados estavam o ex-presidente Kubitscheck, o ex-governador Lacerda e o ex-presidente João Goulart.

E Lamarca? Carlos Lamarca era Capitão do Exército, um oficial de esquerda, um patriota, que saiu do Exército e passou a apoiar a luta armada no final dos anos sessenta. Lamarca tem sido tratado pelo Exército Brasileiro como um traidor. Agora mesmo a juíza federal Claudia Maria Pereira Bastos Neiva acatou a alegação do Clube Militar de que Lamarca não poderia ser beneficiado pela lei da anistia porque desertou do Exército para entrar na luta armada contra o regime militar. Lamarca servia em São Paulo, ele foi caçado como um bandido, um traidor da Pátria, foi assassinado, pelas forças da repressão, em uma emboscada em setembro de 1971 no sertão da Bahia.

A juíza Claudia Maria Pereira de Bastos Neiva, antes de ter prolatado a sua sentença, deveria ter lido a sentença que condenou Joaquim José da Silva Xavier.

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro publicou, em 1992, no ano do bicentenário da morte de Tiradentes, a sentença que o condenou à morte, como também publicou o livro do deputado José Valente intitulado “A defesa, a sentença e o advogado de Tiradentes”. Talvez se a juíza tivesse lido esses trabalhos, embasada na história, a sua sentença não teria sido a que foi proferida, acatando a alegação do Clube Militar e retirando os direitos da família de Lamarca. Mas, como escreveu o dramaturgo Bertolt Brecht, “A verdade é filha do tempo e não da autoridade”. Lamarca é o alferes Joaquim José da Silva Xavier dos tempos modernos. Saudemos, portanto, no mês de abril os 50 Anos de Brasília, os candangos vindos de todo o Brasil para construí-la, o presidente JK e os poetas do concreto, Lúcio Costa e Oscar Niemayer. Sem esquecer Tiradentes e de Lamarca, dois construtores da nacionalidade brasileira.

por Antônio Capistrano é professor de história