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Nova onda migratória dá o tom do Brasil do século 21

Está no DNA do brasileiro a convivência com a diversidade étnica. Formado por índios, negros e europeus, o país passou por diversos deslocamentos populacionais internos e externos. Tais processos imprimiram no país um caráter mestiço, agregador, multicultural e pacífico do ponto de vista da convivência entre os povos, o que, no entanto, não apagou – porém suavizou – traços racistas comuns em tantas outras nações.

Por Priscila Lobregatte

Em momentos diferentes da nossa história, mas especialmente a partir da segunda metade do século 19 e durante o século 20, o contexto nacional e internacional resultou em dinâmicas econômicas que demandaram o aumento da mão de obra, principal razão para tais deslocamentos.

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O final da escravidão abriu espaço para ondas migratórias subsidiadas. “Estávamos num período de transição para o trabalho assalariado e a mão de obra europeia veio para suprir as necessidades de uma população que emergia no plano urbano brasileiro”, diz ao Vermelho a professora Rosana Baeninger, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. “A imigração europeia teve, ainda, um forte componente do ponto de vista da construção da nação brasileira que era a busca pelo ‘embranquecimento da raça”.

No começo do século 20, a elite brasileira tinha como uma de suas teorias mais queridas a do embranquecimento do povo. Para ela, a vinda de levas de imigrantes da Europa forjaria no Brasil uma nação mais clara e, por isso, mais nobre. Tal visão conservadora também foi uma das responsáveis pelo alijamento social da população negra recém-liberta.

 
Bolivianos reivindicam seus direitos na Praça da Sé  

Hoje, os motivos são outros. “As imigrações atuais também seguem uma etapa do desenvolvimento da economia no âmbito internacional, mas são muito marcadas pela questão da migração indocumentada devido à alta mobilidade do capital. Entender a chegada de estrangeiros aqui ou a saída de brasileiros é entender o processo de circulação do capital”, explica Rosana.

Segundo a professora, a questão da busca por melhores condições de vida é a forma como esses novos imigrantes encontraram para verbalizar sua opção. “A questão é que o motor da migração é a desigualdade social. O que determina essas ondas e impulsiona uma seletividade migratória são processos históricos, sociais, políticos e econômicos”. E, dentre esses fatores, se destaca a questão do baixo custo da remuneração dos trabalhadores, o que leva a condições subumanas de trabalho e vida especialmente em grandes metrópoles.

Já a postura comum a muitos países de fechar suas fronteiras aos estrangeiros não leva em consideração esses aspectos e, por isso mesmo, não funciona, causando segregação e xenofobia. “Não se trata apenas de uma relação de causa e efeito, mas de processos tanto nos países de origem quanto nos de destino. São fenômenos estruturais que também têm a ver com a questão da reestruturação produtiva e essas migrações acontecerão principalmente nas grandes cidades, que são os lugares onde está a maior fatia do capital internacional”, argumenta Rosana.

 
Rosana: motor da migração é a desigualdade social (por Antoninho Perri)  

Nesse contexto, a região metropolitana de São Paulo – objeto de estudo da professora – ganha relevo no âmbito nacional. “Entender São Paulo é entender sua vocação migrante, tanto interna quanto externa. Ao mesmo tempo, as grandes teorias migratórias internacionais vão dizer que na hierarquia urbana mundial, as grandes metrópoles vão conviver com fluxos migratórios com os quais antes não conviviam. Então, o que ocorre na capital paulistana – ou no Rio de Janeiro, por exemplo – já aconteceu em Londres, Nova Iorque e Tóquio há muito tempo”.

Diante dessa realidade natural da formação urbana, Rosana Baeninger diz que “é preciso inserir o fluxo migratório como elemento positivo da dinâmica populacional e da economia e não como um problema”. E, para isso, o primeiro passo é a documentação dos estrangeiros. “Essa é uma questão muito importante porque está diretamente ligada ao reconhecimento de sua identidade; é assim que eles passam a ser vistos e reconhecidos como cidadãos. Acordos com países do Mercosul já possibilitam isso e inclusive melhorias nas condições de trabalho. Acho que esses são ganhos políticos que terão reflexo na permanência desses imigrantes e na contribuição que eles têm a dar ao país de destino”.