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Acidente no Golfo do México: E se fosse com a Petrobrás?

O acidente com a plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, completa um mês e está longe do fim. O petróleo continua a vazar e chovem críticas contra a negligência das agências reguladoras americanas. Mas ele desapareceu do noticiário na imprensa brasileira. Se fosse com a Petrobrás, ela seria beneficiada com esse silêncio da mídia?

Por José Carlos Ruy


A plataforma, após o incidente que causou seu naufrágio

Hoje completa um mês que a plataforma Deepwater Horizon explodiu no Golfo do México e o acidente ainda não está controlado. É possível imaginar o escândalo que a imprensa dos patrões estaria promovendo se, por infortúnio, um acidente semelhante tivesse ocorrido em uma plataforma da Petrobrás. Mas não foi, e o assunto sumiu do noticiário, ficando relegado a notas de menor importância nos grandes jornais.

O acidente aparentemente tem ingredientes semelhantes ao “naufrágio” do sistema financeiro americano, em 2008/2009 – um misto de desregulamentação do mercado e irresponsabilidade empresarial movida a ganância. Só que, no lugar das grandes corretoras financeiras, como a Lehman Brothers, a Merrill Lynch ou a Goldman Sachs, os envolvidos são outros gigantes do capitalismo, como a British Petroleum (que grande parte da mídia publicada no Brasil prefere esconder sob a sigla BP) e prestadoras de serviço como a Transocean ou a Halliburton.

A semelhança decorre justamente na fragilidade da regulamentação da ação dessas empresas, dando espaço para a negligência com normas de segurança na busca da maximização do lucro, envolvendo grandes monopólios e agentes do governo, tudo abençoado pela política neoliberal.

O acidente

A plataforma Deepwater Horizont, de propriedade da British Petróleum, operada pela Transocean e com serviços de manutenção da Halliburton, teve um problema em uma das válvulas no fundo do mar, no dia 20 de abril; o equipamento de segurança falhou deixando os fluídos subirem à superfície. Em seguida, ela pegou fogo, matando 11 trabalhadores que tentavam controlar o acidente. Dois dias depois, naufragou.

A Deepwater Horizon é uma plataforma flutuante (isto é, ela é ancorada no fundo do mar), que explora petróleo no oceano, em profundidades de até três mil metros. Ela estava a 80 quilômetros da costa da Luisiana (EUA); entre ela e o fundo do mar havia uma lâmina d’água de 1.500 metros, e o poço de onde extraia petróleo tinha 5.400 metros de profundidade.

Com o acidente, a Deepwater Horizon começou a despejar no mar, inicialmente, mil barris de petróleo por dia, volume que logo subiu para os atuais cinco mil barris diários que a British Petroleum admite (muita gente suspeita que o volume pode ser muito maior).

A empresa demorou 15 dias para fechar o menor dos três buracos na tubulação. E, no dia 17 de maio, comemorava a “façanha” de ter reduzido em 40% o vazamento, que era de 5.000 barris e passou para 3.000 barris. Isto é, reduziu o despejo no mar de 800 mil litros de petróleo para 480 mil litros diários.

Navios bombeiros tentam debelar incêndio na plataforma antes dela soçobrar

Em um mês já foram despejados no mar no mínimo 90 mil barris de petróleo (algo em torno de 15 milhões de litros), ou um terço da carga de um superpetroleiro, cuja média é de 300 mil barris.

São números presumidos, a partir de informações fornecidas pela própria petroleira. No início de maio, um executivo da Britush Petroleum admitiu, a membros do Congresso dos EUA, que o vazamento poderia chegar a 60 mil barris de petróleo por dia, acima de dez vezes mais do que era então estimado. No dia 18, o temor de funcionários do governo dos EUA cresceu ante a ameaça de chegar a algo próximo dos 100 mil barris diários.

Poderia ter sido um acidente, mas é parte de uma série deles em explorações de petróleo da British Petroleum. Em março de 2005 uma refinaria de propriedade da empresa inglesa explodiu no Texas, matando 15 trabalhadores. A causa: falhas na manutenção. A acusação foi feita pela agência do governo americano encarregada de fiscalizar a segurança no trabalho. Houve críticas também no Congresso dos EUA e no Conselho de Segurança na Química dos EUA, que acusaram a empresa de cortar custos com segurança e manutenção para aumentar os lucros. Ainda em 2005, na passagem do furacão Dennin, o Thunder Horse, uma plataforma da British Petroleum no Golfo do México empenou 20 graus. E, 2006, foi a vez do Alasca: um oleoduto da British Petroleum rompeu-se deixando vazar mais de um milhão de litros de petróleo. Quando ocorreu outro vazamento, meses depois, o governo decidiu fechar a exploração de petróleo no Alasca: segundo pesquisadores do Departamento de Transportes do governo dos EUA, o acidente foi provocado por "corrosão grave" da tubulação, em consequência dos cortes de custos e pela péssima manutenção nos oleodutos.

A Transocean é outra campeã de acidentes. O Wall Street Journal, com base em dados oficiais, assegura que ela é responsável por quase três em quatro acidentes investigados por agência do governo americano ocorridos em plataformas marítimas desde 2008. De 2005 a 2007, plataformas de sua propriedade estiveram envolvida em 13 dos 39 incidentes (1/3 do total) de perfuração em águas profundas investigados pelo governo dos EUA no Golfo do México.

A extensão dos estragos

A mancha de petróleo no mar logo se alastrou, alcançando 50 quilômetros de extensão e cobrindo uma área que corresponde ao estado de Sergipe, e que ameaça quatro estados no sul dos EUA (Alabama, Luisiana, Mississipi e Flórida).

A British Petroleum tentou minimizar o tamanho do estrago e seu presidente, Tony Hayward, declarou ao jornal inglês The Guardian que “o Golfo do México é um oceano muito grande” ante o qual o vazamento seria pequeno “em relação ao volume total de água”. Essa opinião irresponsável foi reproduzida, no Brasil, entre outros lugares, na página eletrônica do deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), no dia 18 de maio, numa nota intitulada “BP considera modesto impacto ambiental de vazamento”.

Ao contrário, o vazamento que hoje completa um mês representa um risco ambiental de grandes proporções. Os especialistas temem que a mancha de petróleo atinja a corrente marinha que contorna a península da Flórida e seja espalhada por toda a costa Leste dos EUA; há também o temor de que o óleo derramado atinja a Corrente do Golfo, contaminando o Atlântico norte e levando a poluição para o litoral europeu banhado por aquela corrente.


Correntes marinhas podem espalhar resíduos de petróleo nos dois lados do Atlântico

O vazamento pode se transformar assim em uma verdadeira catástrofe econômica e ambiental; só na costa leste dos EUA, a indústria do turismo da Flórida poderia entrar em colapso. Os moradores do litoral dos estados ameaçados podem ser gravemente afetados, da mesma forma como a vida animal na toda a região. Como medida preventiva, o governo dos EUA estendeu a área de proibição da pesca na área econômica exclusiva no Golfo de 10% para 19%. No dia 18 de maio, a Guarda Costeira dos EUA já havia encontrado na costa de Key West, na Flórida pelotas de alcatrão cuja origem seria o vazamento da Deepwater Horizon. Nesse dia já haviam sinais de contaminação a mais de 90 quilômetros da área onde ocorreu o acidente.

Desregulamentação – ou as montadoras cuidando do trânsito

Um dos dogmas do neoliberalismo é a extinção da regulamentação estatal, coibindo a livre ação do capital em busca do lucro máximo. As atividades econômicas, diz aquele dogma, devem ser deixadas à regulação “automática” feita pelo mercado. É algo como deixar com as montadoras de automóveis toda a regulamentação do trânsito (guardas, engenharia de tráfego, polícia rodoviário, radares, etc, etc) e das emissões de gases poluidores. Pode-se prever o resultado.

Até 2008 a exploração de petróleo em águas profundas era proibida no lado americano do golfo do México. Naquele ano, o presidente George Bush, em acordo com o Congresso americano, suspendeu a proibição. Plataformas como a Deepwater Horizon (que começou a funcionar em outubro de 2009) puderam então ser instaladas. Mas, quando – em 30 de abril, uma semana após o acidente – Obama voltou a proibir a exploração de petróleo na região, o estrago já estava feito.

A desregulamentação vai além da permissão para a operação das plataformas marítimas e envolve principalmente o cumprimento de regras sobre o funcionamento das empresas. As críticas contra a negligência das agências reguladoras se multiplicam. Um editorial do influente The New York Times (“Quem é o responsável?”, 12 de maio) resumiu as críticas mostrando que a corrupção cresceu no Serviço de Gerenciamento de Minerais (responsável pela fiscalização das petroleiras) no governo Bush. Alinhavou histórias de empregados que recebiam presentes das empresas concessionárias, favoreciam clientes, se envolviam em casos de drogas e sexo. E só agora, “depois do desastroso vazamento, descobrimos como os reguladores da agência foram rejeitados pelas empresas quando tentaram fazer seu trabalho”, disse.

Segundo o jornal novaiorquino, depois de pedirem que a indústria adotasse mais sistemas de prevenção de explosões, funcionários da agência recuavam e aceitavam garantias dadas pela própria empresa “de que os dispositivos eram virtualmente infalíveis”. Outros quiseram fazer uma análise mais completa de impacto ambiental do projeto da British Petroleum, mas logo desistiram, conformando-se com as garantias da empresa “de que um grande vazamento de petróleo era improvável”.

A agência “evidentemente não conseguiu pressionar a indústria a modernizar o equipamento que utiliza para combater os vazamentos”, diz o editorial. E a tecnologia usada no golfo é praticamente a mesma de vinte anos atrás. E concluindo apelando pela construção de “um sistema de regulamentação robusto e imparcial, capaz de colocar no eixo uma indústria grande e lucrativa em que não se pode confiar e é incapaz de policiar a si mesma”.

O próprio Ken Salazar, secretário do Interior do governo dos EUA, admitiu esses problemas ao reconhecer a existência de algumas “maçãs podres” entre os 1.700 funcionários da agência, cuja maioria é formada, disse, por pessoas honestas e capazes. E foi forçado a admitir também que a negligência do Serviço de Gerenciamento de Minerais pode ter contribuído para o desastre.

O silêncio da imprensa brasileira

A imprensa brasileira tem razão ao fingir-se de morta diante da catástrofe ambiental provocada pela British Petroleum. Ela é mais um fator de descrédito para o receituário neoliberal propagandeado pelos grandes jornais e redes de tevê em nosso país. A mídia brasileira é a campeã na defesa do estado mínimo, da desregulamentação, da liberdade de ação para o capital e suas empresas monopolistas.

Além disso, o acidente com a Deepwater Horizon ocorreu na “pátria adotiva” da maior parte da elite brasileira, os EUA, expondo o atraso tecnológico, a negligência, a corrupção, o desleixo – males costumeiramente atribuídos a países do “terceiro mundo” e impensáveis no “primeiro mundo”.

Por isso ela tem razão ao esconder o assunto: o acidente no Golfo do México é pedagógico e expõe ao ridículo os fundamentos da ideologia neoliberal defendida pelos portavozes do grande capital neste lado do mundo.