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O Brasil começa a enfrentar o histórico déficit da habitação

Depois de amargar um período relativamente longo de estagnação e baixo crescimento, sufocada pela escassez de financiamento, a construção civil vive hoje no Brasil o que os economistas classificam como boom, um robusto crescimento, que vai se revelando uma poderosa alavanca para o desenvolvimento nacional.

Por Umberto Martins

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Beneficiado por programas como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa, Minha Vida (MCMV), pelas obras associadas à Copa do Mundo e às Olimpíadas e, especialmente, pela ampliação do crédito imobiliário a juros mais baixos, o ramo deve crescer 9% neste ano, bem acima da taxa estimada para o conjunto da economia, que gira em torno de 6%.

Controvérsia

No ano passado, a construção amargou os efeitos da crise mundial do capitalismo, irradiada dos EUA e originada precisamente na bolha imobiliária. O IBGE apurou queda na produção do ramo, mas seus números foram contestados pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), para quem o instituto considerou apenas as compras realizadas pelas empresas e não o valor agregado nos imóveis construídos.

A CBIC diz que o desempenho em 2009 foi positivo, estimando um avanço de pelo menos 2%. O nível de emprego também aumentou, o que contraria a hipótese de recessão. Entre janeiro a dezembro daquele ano, em que o PIB caiu 0,2%, foram gerados 177.185 novos postos de trabalho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

Seja como for, a recuperação da atividade em 2010 é incontestável e tem um notável impacto sobre o mercado de trabalho e os demais ramos e setores da economia nacional. Neste ano, espera-se a criação de pelo menos 180 mil novas vagas com carteira assinada no ramo.

Importância na economia

Segundo informações da CBIC, a construção respondeu por 13,5 milhões de empregos diretos e indiretos na economia em 2008. A cadeia produtiva do ramo inclui edificações, obras viárias, construção pesada, mobiliário, materiais de construção, equipamentos, comércio e serviços e representa 18% do PIB, conforme a mesma fonte.

Nada menos que 30,23% do valor da produção industrial em 2008 foram agregados pela construção civil, onde atuam 205 mil empresas. A atividade é altamente relevante para o desenvolvimento também em função da relação privilegiada que mantém com a taxa de investimentos, ao lado da indústria de bens de capital.

Os investimentos, que o IBGE traduz como Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), constituem a força propulsora da expansão da economia. Com base nos dados do IBGE, a CBIC calcula que a construção civil representou 70% da FBCF em 2008 (para o ministro Mantega este percentual equivale a 50%). Além disto, o ramo atua basicamente no mercado interno, tem um reduzido coeficiente de importação (apenas 2%), sendo menos vulnerável aos humores do mercado internacional e às restrições do balanço de pagamentos.

Lula e FHC

Em seu Estudo Setorial sobre a Construção Civil, divulgado recentemente, o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) atribui o boom em curso no ramo às políticas de cunho desenvolvimentista do governo Lula, destacando a ampliação das linhas de financiamento habitacional, com juros mais reduzidos, o programa Minha Casa, Minha Vida (com taxa de juros a 6% a.a), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os investimentos para a realização da Copa do Mundo de Futebol (2014), que acontecerá em 12 cidades, e Olimpíadas (2016), que ocorrerá no RJ. Também pesou, ao lado disto, a redução do IPI sobre materiais de construção.

Lula resgatou a construção do descaso a que tinha sido relegado pelos governos anteriores. Os investimentos aplicados no programa Minha Casa, Minha Vida, em dois anos de execução, chegam a ser cinco a seis vezes maiores que os gastos no ramo durante os oito longos anos em que o tucano FHC ficou encastelado no Palácio do Planalto, segundo o professor de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Márcio Buzar, entrevistado pela jornalista Márcia Xavier, de Brasília.
O saldo do financiamento imobiliário contratado em 2009 superou o de igual período de 2008 e neste ano o montante de recursos destinados ao setor deve chegar a 78,3 bilhões de reais, a julgar pelas estimativas do governo. Desta forma, o Brasil começa a enfrentar o histórico e gigantesco problema do déficit habitacional, que se desdobra nas ocupações irregulares de áreas de preservação.

Alto grau de exploração

O crescimento do setor é uma boa para a classe trabalhadora, a economia e nação. Mas, conforme revela o conjunto de matérias que compõem a reportagem especial sobre a construção, cuja publicação iniciamos nesta quinta (27), os operários não têm muitas razões para comemorar.
O ramo empregava, em 2008, 6,9 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, o equivalente a 7,5% da população ocupada (92,39 milhões), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, do IBGE). Ainda segundo essa pesquisa, a maioria dos ocupados do ramo é constituída de empregados por conta própria (39,2%) e pelos sem carteira de trabalho assinado (24,6%). Merece destaque a crescente participação da mulher na construção, que também será abordada neste especial.

A informalidade é um grave problema. Do total de ocupados, apenas 28,5% tinham carteira assinada. O salário, embora subindo (modestamente), em função do crescimento, que aumenta a demanda por mão-de-obra, é uma retribuição miserável pelo trabalho exaustivo e não raro embrutecedor realizado.

Mansões e cortiços

O valor médio dos pisos salariais da categoria em 2009 foi de 580,33 reais (Dieese). “Na Finlândia, um pedreiro ganha 8 mil reais e um ajudante R$ 4 mil”, informa Antônio Lopes, presidente do Sindicato dos Marceneiros de São Paulo, em entrevista à jornalista Joana Rozowykwiat. A contrapartida do elevado grau de exploração da classe operária são os altos e crescentes lucros auferidos pelos empresários, como sugere recente reportagem da revista “Isto É Dinheiro” intitulada “Sua casa, meu milhão”.

Um outro problema sério para a categoria é a segurança no trabalho, também abordada nesta reportagem especial em matéria da jornalista Mariana Viel. Em 2009 foram registrados 58,2 mil acidentes no ramo. Quem constrói casas, edifícios e mansões é tão mal remunerado que muitas vezes não tem sequer onde morar e se vira em palafitas, favelas ou cortiços.

Os trabalhadores e trabalhadoras lutam para mudar esta realidade de injustiça, insegurança e exploração. Os sindicalistas apontam os baixos salários como a principal causa de descontentamento na categoria, que tem tradição de combatividade e na Bahia também reivindica a redução da jornada de trabalho, conforme revela de Salvador da jornalista Camila Jasmin. A saída para a classe operária é só uma: a luta, em defesa do crescimento com valorização do trabalho, que no caso significa salários maiores, jornada menor, emprego formal e segurança.

As matérias que compõem esta reportagem especial serão publicadas quinta (27), sexta (26) e no sábado (27).