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Centro de Documentação e Memória lança fórum

Com o intuito impulsionar o trabalho de reconstrução da memória dos comunistas e da esquerda brasileira, a Fundação Maurício Grabois, através do seu Centro de Documentação e Memória (CDM), instituiu no último dia 8 de junho o Fórum de Memória.

Fórum da Memória

Segundo Augusto Buonicore, Secretário Geral da Grabois,“o Fórum será um espaço aberto de militância e debate sobre a história partidária e das lutas do povo brasileiro.”Portanto, não será um espaço restrito aos filiados do PCdoB e sim aberto à todos aqueles que se interessem pelo tema.

Nestes dois últimos anos o CDM vem se constituindo numa das referências para pesquisas e fonte de informações tanto para pesquisadores, acadêmicos ou não, como para a imprensa alternativa, editoras, autores, cineastas, etc. “Muitas publicações já utilizaram materiais que hoje estão sob a guarda do CDM. Pessoas que buscam os mais diversos tipos de informação ligam ou mesmo vão à sede para pesquisar”, lembrou Alexandre Prestes, membro da coordenação do CDM.

A história dos comunistas não pode ser reduzida apenas a um conjunto de efemérides, embora elas tenham sua importância. Ela é parte integrante da luta de idéias e instrumento na construção de uma nova hegemonia na sociedade. Dalmo Ribas, antigo militante do PCdoB em São Paulo, lembrou que “a história do PCdoB é um pedaço da história do Brasil, que a sociedade precisa conhecer melhor.”

Foi algo consensual na reunião do Fórum de Memória que a história dos comunistas precisa chegar aos militantes, especialmente aos quadros, e ao conjunto do povo. “A investigação, seus objetivos e resultados precisam ser vivos. Não podemos ficar apenas presos ao passado heróico. É preciso construir elos entre o passado e o presente, criando uma cultura de preservação documental e de discussão sobre a nossa história”, afirmou Fernando Garcia, coordenador do CDM.

Biênio 2008-2010, um avanço na preservação da memória

Foi apresentado um balanço do trabalho de preservação da documentação e da memória realizados nos últimos dois anos pelo CDM. Tudo começou quando mais de 70 caixas de documentos e mais de 3 mil livros chegaram à sede da Fundação Maurício Grabóis, completamente desorganizados. A partir daí teve início o trabalho de organização arquivística do acervo. Foi feito um planejamento estratégico e compradas mapotecas, que armazenariam a rica coleção de cartazes, e arquivos deslizantes para organizar a hemeroteca, a biblioteca e toda documentação avulsa; além de mostruários, mesas, computadores, armários. Houve um grande investimento para montar essa estrutura básica.

O ordenamento desse acervo precisava de profissionais com capacidade técnica a altura dos desafios de organizar todo esse material. Pensando nisso foi contratada, durante sete meses, uma equipe técnica ligada à empresa Armazém da História que já tinha longa trajetória na organização de arquivos ligados á esquerda brasileira. A equipe contava com Eduardo Ochi e Irani Dias Menezes, coordenados por Maria José Mendes Borges e supervisionados por Solange de Souza, todos historiadores e experientes na organização deste tipo de acervo.

Diz o relatório dos especialistas que há 14.267 fotos e imagens, muitas delas oriundas dos jornais Tribuna da Luta Operária e A Classe Operária. “É uma iconografia do início da década de 1980 pra cá. Esse material ilustrou edições do jornal em momentos decisivos da história do PCdoB; por exemplo, a campanha de legalidade, campanha para Assembléia Constituinte, a ação sindical dos comunistas”, recorda Buonicore. Nessa coleção existe séria lacuna, já que a polícia, durante a fase final do regime militar, invadiu, destruiu e saqueou sucursais do jornal Tribuna Operária.

Além das fotos há também 450 tiras de negativos e 350 slides que ainda passarão pela classificação, descrição e catalogação. Gravuras, quadros, cartazes e banners completam o acervo de imagens contidas no CDM. “Essa é uma coleção iconográfica única. É a história do PCdoB através das imagens”, enfatizou Alexandre Prestes.

Constatou-se ainda a existência de 733 fitas magnéticas de vários tipos VHS, BetaCam, Mini-DV, U-MATIC, em bom estado. A coleção comporta, por exemplo, o primeiro programa de TV do PCdoB, que o portal da Grabois já publicou. Outras, com níveis variados de defeitos, somam 150. Estas precisam ser limpas e restauradas. Aí se encontram dezenas de programas partidários e seus materiais brutos da pré-edição de programas, documentários, filmes, e outros.

Na coleção de rolos e de fitas K7 é possível encontrar desde programas de rádio, que o PCdoB veiculou nos últimos 25 anos, até gravações de palestras realizadas por João Amazonas e Diógenes Arruda Câmara na Albânia ainda em 1977. Fazem parte do acervo suportes de áudio em inúmeros eventos como reuniões, 7º e 8º congressos, a 8ª Conferência, entre outros.
A biblioteca conta com 2.727 títulos que somam mais de 3 mil livros restrito à história do PC do Brasil, suas relações com outros Partidos Comunistas, a trajetória da esquerda brasileira e documentos de inúmeras outras organizações.

A extensa hemeroteca conta com 849 edições virtuais ou impressas do jornal A Classe Operária, coleção completa da Tribuna da Luta Operária, jornais Voz Operária, Libertação (órgão da Ação Popular Marxista-Leninista), Movimento, Reportagem. Coleção completa das revistas Princípios, Presença da Mulher, Debate Sindical. Além de Revista Proletária, revista Problemas, revista Movimento (da UNE), Problemas da Paz e do Socialismo, Divulgação Marxista, Estudos Sociais, entre outros.

Missão: memória, preservação e divulgação

A principal missão do CDM é a preservação da documentação dos comunistas, mas outra atividade fundamental é a construção da memória sobre bases de investigação documental e coleta de depoimentos. Atualmente o principal instrumento é a história oral. Já foram realizadas dezenas de entrevistas e estão sendo projetadas outras tantas. Nesses depoimentos surgem respostas, mas principalmente novas perguntas, que impulsionam novas investigações.

O projeto de memória conta também com a secção “O que se deve ler para conhecer o PC do Brasil”, elaborada pelo antigo dirigente comunista Dynéas Aguiar. “É um conjunto de roteiros temáticos de pesquisa para quem estiver interessado em conhecer a fundo essa história, através da documentação produzida pelos comunistas. Já desenvolvemos os roteiros sobre os Congressos e Conferências, que são o ápice da democracia partidária. Desenvolvemos também o roteiro sobre a luta interna a partir de 1956, momento muito especial na história do Partido”, explica o próprio Dynéas.

Segundo Fábio Palácio, diretor de publicação da Gabois, “A sociedade brasileira vive um momento em que se desperta para necessidade da preservação da memória. É bom estarmos atingindo este estágio. Há hoje importantes experiências que seguem nesse rumo. Está mais claro que a memória é um campo de disputa política, de disputa da hegemonia”.

Dynéas advertiu que “para que pudéssemos iniciar o trabalho de resgate dessa história de quase 90 anos, foi preciso haver um acúmulo democrático no país. Só agora foi possível destacar quadros para a tarefa, criar condições para o estudo da história dos comunistas e organização de acervos. Tempos atrás nós não podíamos guardar nada. Os materiais eram lidos, passados adiante ou destruídos. Não se podia guardar nem fotos, nem jornais, nada.

Hoje temos milhares de quadros, mas em alguns momentos isso foi reduzido a zero; como no início da década de 1940. Na reorganização em 1962 éramos um punhado e depois da eclosão da Guerrilha do Araguaia e a Chacina da Lapa perdemos dezenas de militantes de muito valor. Hoje temos um partido organizado estruturalmente que respira o clima da democracia há 25 anos.” Somente agora seria possível ao Partido organizar sua memória.

A divulgação da memória partidária e das lutas do povo brasileiro foi uma preocupação que esteve presente na reunião do Fórum de Memória. Nereide Saviani, diretora da Escola Nacional do PCdoB, enfatizou: “Acho que os roteiros que o Dynéas Aguiar está desenvolvendo podem ser aproveitados nos cursos e currículos da Escola, não só no núcleo que estuda e elabora as questões relativas ao Partido. Do ponto de vista da formação do militante, o conhecimento da história de vida dos comunistas tem uma papel na formação ideológica e no revigoramento das convicções comunistas.”

Esta divulgação está, fundamentalmente, a cargo da página virtual do CDM dentro do Portal Grabois.org. Esta tem sido o melhor instrumento de divulgação do trabalho realizado pelo CDM e da própria história dos comunistas brasileiros. A pagina é composta por extenso leque de documentos, artigos, entrevistas, fotos, áudios, vídeos, bibliografia, roteiros temáticos de pesquisa, notícias, pequenas biografias, depoimentos, resenhas, coleção de A Classe Operária, que cobrem o período do início da guerrilha do Araguaia (1972) até a Queda da Lapa (1976), revistas Princípios e Problemas, jornal Tribuna da Luta Operária. Disponibilizamos uma cronologia destes 88 anos do PC do Brasil e o sistema de buscas de livros da biblioteca do CDM. Nos três primeiros meses da página virtual do CDM contaram com 105.275 páginas acessadas. O áudio da entrevista de Arruda, uma das postagens mais acessadas, teve 7.361 acessos. A coordenação do CDM estima que a página ainda não foi explorada nas suas potencialidades, já que não houve sistemática de divulgação do endereço e nem do conteúdo.

Entre as principais publicações virtuais estão os especiais de 30 anos de falecimento de Octávio Brandão, 85 anos de A Classe Operária, 40 anos da União da Juventude Patriótica (UJP), 8 anos de falecimento do João Amazonas, 38 anos da Guerrilha do Araguaia, o primeiro programa de TV do PCdoB entre outros.

Próximos desafios

O principal desafio do próximo biênio é o preparativo das comemorações dos 90 anos do PCdoB. “Parece que está longe, mas a depender do que queremos desta efeméride podemos estar atrasados. 2012 será um ano importante para a memória dos comunistas: além dos 90 anos da fundação do Partido, teremos também os centenários de Amazonas e Grabois, os 50 anos da reorganização, os 40 anos do início da Guerrilha do Araguaia”, lembra Fernando Garcia.

Parte importante dos esforços do CDM terá como referência essas datas. Envolverá desenvolvimento de pesquisas, produção de ensaios, documentários, entrevistas, estabelecendo relações com outros estudiosos e centros de documentação.

Como lembrou Raisa Marques, diretora de memória do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), “há, em todo país, inúmeros arquivos públicos com documentos sobre os comunistas, é preciso mapear, saber onde estão esses documentos e o que eles refletem”. É um trabalho demorado que precisa de método, tempo e paciência. “Precisamos envolver outros setores da militância dos comunistas, como sindicalistas e mulheres, para que esses também desenvolvam a preservação da memória comunista em suas frentes de atuação. Este Fórum de Memória pode ajudar a cumprir este objetivo.”

O CDM, embora abarque toda história dos comunistas brasileiros, desde 1922 até nossos dias, tem como área de concentração de suas pesquisas o período aberto com a realização do 20º Congresso do PCUS em 1956. Nele Nikita Kruschev leu o relatório secreto que condenava os erros e crimes cometidos por Stalin quando esteve à frente do Partido e do Estado. O congresso representou também uma guinada reformista na estratégia política soviética. Foi quando passou a se advogar com mais força a possibilidade da coexistência pacífica e da competição pacífica entre o bloco socialista e imperialista. Também se pregou a possibilidade da transição pacífica para o socialismo na maior parte dos países capitalistas.

A mudança drástica levou a uma crise do movimento comunista internacional, a maior da sua história. Geraram-se inúmeras cisões nos partidos comunistas partidos nacionais e uma grande cisão no campo socialista entre a URSS e a China. No Brasil essa mudança de perspectiva se refletiu na “Declaração de Março de 1958” e nas resoluções do 5º Congresso (1960). O resultado final desses conflitos políticos e ideológicos foi a constituição de dois partidos comunistas em nosso país.

Outros centros de pesquisa, como AEL/Unicamp e Cedem/Unesp já possuem ricos acervos sobre a trajetória dos comunistas nos períodos anteriores. Enfatizaram, inclusive, nas suas pesquisas a atuação de outras organizações de esquerda brasileira, fundamentalmente o PC Brasileiro. “Nossa contribuição será, principalmente, a investigação das causas da cisão ocorrida em 1961-62 e o processo de desenvolvimento do PC do Brasil, reorganizado em 62. Mas, isso não quer dizer que não vamos tratar do período anterior. Afinal o PC do Brasil foi fundado em 1922 e tem uma trajetória de luta abnegada nos seus primeiros 40 anos”, afirmou Buonicore.

O trabalho de memória não pode ser centralizado num país continental como o Brasil. Descentralizando é possível desenvolver pesquisas localizadas, mais ágil mapeamento de arquivos, desburocratização do trabalho cotidiano, envolver diretamente mais pessoas. Além disso. Os CDM estaduais criarão maiores oportunidades de construir a memória de maneira mais rica, fugindo do eixo Rio-São Paulo. Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois sugeriu que “é preciso ver com as representações estaduais da Grabois quais serão os responsáveis formais pelo trabalho de documentação e memória em cada um dos estados”.

Fórum de Memória: espaço de militância e debate

Segundo Buonicore, o Fórum de Memória será “um órgão consultivo informal do CDM, um espaço de militância e debate em torno da memória dos comunistas e da esquerda brasileira, sem exclusivismo e sectarismo. Ajudará a pensar nas futuras linhas de pesquisa sobre os temas vinculados a essa história. Contribuirá na elaboração de artigos, ensaios, resenhas e na aglutinação de outros militantes da memória e pesquisadores, acadêmicos e não-acadêmicos.
Seus membros ajudarão no mapeamento e contatos com outros arquivos, no trabalho de digitalização/digitação de documentos, darão sugestões de entrevistados, contribuirão na construção de roteiros e transcrição das entrevistas, entre tantas outras atividades que poderão colaborar. O Fórum de Memória funcionará através de reuniões presenciais, nacionais ou regionais, mas se utilizará dos meios virtuais para que se possa envolver os interessados de todo país”. Estuda-se a possibilidade de constituir um grupo na internet, aproveitando as ferramentas do Portal da Fundação Maurício Grabois.

Adalberto Monteiro lembrou que o Partido Comunista do Brasil é “uma instituição que caminha para o seu centenário e já adquiriu certo grau de inserção na sociedade. Muita gente já refletiu sobre essa história. O Fórum de Memória vai agregar, em gradações diferenciadas e com aportes distintos, diferentes personalidades em prol dessa obra. Desde as pessoas que tem um grau maior de vínculo com o projeto, que participarão de reuniões, até pesquisadores que à distância poderão contribuir das mais diversas formas no trabalho de construção da memória comunista.”

O Fórum de Memória não será um espaço fechado, estará aberto aos militantes e não-militantes. A única condição é que tenham em comum o interesse pela reconstrução da história dos comunistas e da esquerda brasileira. Buonicore, também, enfatizou ainda que “para aglutinar esses militantes da memória é preciso amplitude, nem todos os pesquisadores que trabalham com os temas propostos são, necessariamente, filiados ao PCdoB. Muitos, inclusive, podem ter divergências políticas com este Partido”. Mas serão sempre bem-vindos se quiserem colaborar nesse projeto.

Fonte: Portal Fundação Maurício Grabois