Futebol: Os conselhos do rei

Todos estavam apreensivos. Mesmo acostumados a reuniões e encontros com toda a sorte de celebridades do esporte, naquela tarde de março de 2007, nos encontraríamos com o Pelé. Nossa conversa ia ser no escritório da Presidência da República, que fica na cidade de São Paulo. No local, onde todos os funcionários também estavam acostumados com gente famosa de várias áreas e países, havia algo nos olhos de todos que quebrava a monotonia.

Por Julinho Bittencourt

A recepcionista, apesar de ter uma cadeira às costas, nem pensava em sentar. Os assessores andavam pra lá e pra cá com os olhos no relógio. O ministro do Esporte, Orlando Silva e seu assessor, Alcino Reis, comentavam as notícias no jornal e sorriam baixinho. Alguém passou pela porta da sala e anunciou: “Ele acaba de entrar no prédio”. Todos fizeram, involuntariamente, algum movimento para voltar imediata e rapidamente ao ponto onde estavam.

Alguns poucos minutos depois e ele aparece no hall de entrada do andar. Diante do forte aparato de segurança mecânico que há na porta, abriu um largo sorriso e levantou os braços. Um dos seguranças imediatamente abriu todas as portas e retribuiu o sorriso, um tanto constrangido. “Desculpa, o senhor pode passar por aqui, seu Edson”. Pelé imediatamente agradeceu e passou, dando a mão ao rapaz que, não escondendo o contentamento, murmurou diante da gargalhada do seu interlocutor: “Eu sou santista, senhor. Sempre fui”.

Daquele momento em diante, disparou sorrisos e piadas a todos os funcionários, como se fossem velhos amigos. E, de certa forma, eram mesmo. Aproveitou o mote e perguntou o time de todos e, para cada um devolvia uma frase do seu vasto repertório. “Ah, nesse ai eu fiz muito gol”, ou então: “É, naquela época seu time me deu algum trabalho, mas foi pouquinho”, entre outras. Tudo o que pudesse haver de protocolar no local foi dissipado instantaneamente e aquele jeitão tão manjado por todos tomou conta do ambiente em segundos.

O ministro Orlando, torcedor do Vitória da Bahia, entrou na conversa com facilidade e a reunião começou sem que nenhum de nós percebesse. O objetivo principal daquele encontro era uma consulta do ministro ao Pelé para propor mudanças na lei que leva seu nome e regulamenta tudo relacionado ao esporte. O item principal era o fortalecimento do futebol brasileiro. Pelé não escondia a sua apreensão com relação ao grande êxodo de jogadores brasileiros, principalmente para a Europa.

O ministro, por sua vez, não se conformava como o fato do Brasil perder jogadores para países com economias similares ou menores que as nossas. Pelé não só concordou como deu uma lista de jogadores que desde o final da década de 50 partiram do país, como Garrincha, Amarildo, Chinezinho, entre outros. No entanto, ele lembrou que, na época, os jogadores iam embora já maduros, deixando para trás uma carreira imensa. Nos dias de hoje, ainda de acordo com ele, os jogadores vão cada vez mais jovens.

Naquele dia, o ministro mostrou várias alterações na Lei Pelé que criam entre outras, uma melhor definição sobre o que é um Clube Formador. A lei tem sido discutida por vários interessados, entre eles dirigentes esportivos, atletas e ex-atletas, clubes entre outros. O objetivo principal é que um clube que invista na base, ou seja, na formação de jogadores, não tenha o seu patrimônio humano carregado a qualquer preço, principalmente pelos times europeus. A lei, que deve transformar as relações comerciais do futebol brasileiro, tramita atualmente no Congresso Nacional e aguarda aprovação.

Estamos em plena Copa do Mundo e a nossa seleção, pela segunda vez consecutiva, só tem três atletas que jogam no Brasil. Todos os demais estão espalhados pelo mundo, principalmente no continente europeu. Este fenômeno pode acabar transformando os campeonatos brasileiros em espetáculos de segunda linha, coisa que, felizmente, ainda não ocorreu, tal a quantidade de craques que temos.

Naquela tarde de 2007, foi estabelecido um ponto de partida para uma questão chave do nosso futebol. Pelé fez questão também desta discussão tão importante para o esporte que, sem nenhuma sombra de dúvidas é, ainda hoje, quase 40 anos depois de parar, o expoente máximo. Ele se despediu rapidamente e todos no andar fizeram questão de tirar fotos ao seu lado. Pelé atendeu a todos e se foi sorridente e amável, da mesma forma que entrou.

Logo em seguida nós iniciamos outra reunião, que durou cerca de uma hora. Ao descer para pegar o carro na garagem, Pelé ainda estava por lá, tirando fotos e distribuindo autógrafos para os funcionários da manutenção do prédio, incluindo ai os faxineiros, porteiros e pessoal da copa. Ele sorria e abraçava a todos, exatamente da mesma forma que havia feito com as autoridades e assessores momentos antes.