Avante!: A crise política na Alemanha
Duas grandes manifestações em Berlim e Stuttgart realizadas no último fim-de-semana marcaram uma nova vaga de contestação popular contra a politica anti-social do governo da chanceler Angela Merkel. Num país em que 10% da população detém 60% da riqueza, é cada vez mais difícil convencer os trabalhadores de que os capitalistas, banqueiros e especuladores possam ser considerados “parceiros sociais”, princípio em que teoricamente assenta a ideologia do Estado alemão.
Por Rui Paz, para o Avante!
Publicado 19/06/2010 19:52
Num documento dirigido à imprensa, o Partido Comunista Alemão (DKP) pergunta "porque é que não são os 800.000 milionários e multimilionários existentes na Alemanha a contribuir para a superação da crise, em vez de se penalizarem os desempregados, aposentados, a juventude e as classes médias?".
A demissão, há duas semanas, do presidente Horst Köhler é apenas o episódio mais recente e visível da grave crise política, econômica e social, cujo início remonta ao tempo da chamada “reunificação” e que foi acelerada pela orientação anti-social e belicista do governo do social-democrata Schröder e dos Verdes de Fischer.
De fato, ainda na fase de formação do novo executivo de Angela com os Liberais, após a derrota da grande coligação com o SPD, o ex-ministro da Defesa Jung teve de demitir-se por esconder dados importantes sobre o maior massacre cometido pelo exército alemão desde 1945.
Mas as declarações do seu sucessor Guttenbeg, de que o assassinato pela aviação da Otan, sob o comando do coronel alemão Klein, em que morreram 140 pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, tinha sido "um ato militarmente adequado" levantou uma onda de protestos e indignação.
Passados poucos dias, o ministro teve de corrigir tal afirmação e demitir o inspetor-geral da Bundeswehr para evitar a sua própria demissão. Seguiu-se a crise do euro e o ataque dos especuladores às finanças estatais gregas, em que o governo alemão, sob o pretexto de ajudar a Grécia, demonstrou estar mais preocupado em garantir o crédito do Deutsche Bank e de outros bancos alemães a Atenas.
Em março, a democracia-cristã sofreu uma estrondosa derrota eleitoral (menos 10 pontos percentuais) no Estado federado de maior população, a Renânia do Norte e Vestefália, o que veio confirmar o isolamento do governo. Nunca na história da República Federal da Alemanha se tinha verificado uma tão rápida perda de credibilidade de um governo.
Finalmente, a fuga para a verdade da língua do presidente irritou a social-democracia e os Verdes, que, desde a agressão contra a Iugoslávia, têm vindo a proclamar que a Bundeswehr é uma espécie de serviço social para o estrangeiro.
Também a democracia-cristã, para a qual o exército alemão, além do “combate ao terrorismo”, tem a sublime missão de educar nos princípios da “democracia” os povos culturalmente inferiores e incapazes de se governar, não apreciou tanta abertura analítica.
Mas ninguém, desde os tempos da doutrina do espaço vital com que a Alemanha justificou o desencadeamento da segunda guerra mundial, imaginava, passados 65 anos, ouvir um presidente da república em Berlim dizer claramente que os interesses econômicos e comercias da Alemanha são o principal motivo das missões militares e das guerras no estrangeiro, confirmando a análise de Lênin sobre o caráter das guerras imperialistas e desmascarando os que têm andado há anos a enganar os povos e a desenvolver novos conceitos estratégicos da Otan e das potências capitalistas transatlânticas.