Isaac Roitman: "Educação é a máquina que prepara as democracias".

Parafraseando Anísio Teixeira, o coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Isaac Roitman, falou ao Vermelho sobre as perspectivas para a educação brasileira a partir da conquista de 50% das verbas do Fundo Social do Pré-Sal. Roitman falou ainda sobre a relação entre educação em desenvolvimento, sobre os principais avanços na área obtidos no governo Lula e sobre os desafios da educação pública.

Isaac Roitman: "Educação é a máquina que prepara as democracias"

Vermelho: Para o senhor, qual é a relação entre educação e o desenvolvimento de um país?
Isaac Roitman: A correlação entre educação e desenvolvimento é absoluta. Isto foi demonstrado em um grande número de países. No entanto é preciso que a educação não seja direcionada somente para o mercado de trabalho e para a competição econômica internacional. É preciso que a educação forme cidadãos com responsabilidade social para que possamos superar a assimetria social no país, um dos nossos maiores problemas.

Vermelho: Quais os principais desafios da educação no Brasil, para que seja um elemento que efetivamente contribua com o desenvolvimento?
Isaac Roitman: O desafio maior é conquistarmos a qualidade no ensino da primeira infância (0-3 anos), no infantil e no ensino básico (fundamental e médio). Com essa conquista teremos certamente também um ensino superior de qualidade. Sem a valorização do professor, principalmente os dos primeiros anos de escolaridade, não teremos nenhuma perspectiva de alcançarmos a qualidade. O professor deve ter uma formação sólida, ter boas condições de trabalho, ter uma carreira baseada em seu desempenho e uma remuneração digna. No dia em que o salário do professor da escola pública estiver na faixa das melhores remunerações do servidor público, as melhores inteligências serão atraídas para o magistério e assim teremos resolvido o principal pré-requisito para a conquista da qualidade na educação.

Vermelho: O governo Lula conseguiu enfrentar alguma questão importante em relação à educação? Quais foram os principais avanços e as principais limitações da política educacional do governo Lula?
Isaac Roitman: No governo Lula ocorreram avanços importantes na educação. Destaco, em primeiro lugar, a obrigatoriedade de ensino dos 4 aos 17 anos; depois o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União) da educação. A DRU retirava do orçamento do MEC, desde 1995, cerca de R$ 10 bilhões ao ano; Em terceiro lugar, a criação do Fundo da Educação Básica (Fundeb), que substituiu o da Educação Fundamental (Fundef), que multiplicou por dez a complementação da União que visa equacionar o investimento por aluno no país, além de incluir as matrículas da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos, desconsideradas pelo fundo anterior, que era restrito ao ensino fundamental regular; Outro ponto a ser destacado ainda são a consolidação dos processos de avaliação da educação e a criação da Comissão Nacional de Avaliação e a instituição do Reuni, que permitiu a expansão dos Institutos Tecnológicos e das Universidades Federais; Por fim, destaca-se a atuação da Capes no ensino básico como suporte para a formação e qualificação de professores e atuação importante no ensino superior da Universidade Aberta.
No entanto, algumas questões crônicas não foram resolvidas, como a erradicação do analfabetismo, o engessamento operacional das universidades públicas e o direcionamento de nossa pós-graduação, priorizando as áreas de fronteira no século XXI da pesquisa e inovação.

Vermelho: O Banco Mundial, durante toda a década de 90, financiou projetos em toda a América Latina – e no Brasil – que fortaleciam a idéia de que países “em desenvolvimento” deveriam se preocupar em investir no ensino básico e que o ensino superior, por exemplo, deveria ser de responsabilidade apenas do setor privado. Qual o objetivo de instituições internacionais em apresentar imposições como estas para realizar empréstimos? Qual a influência que instituições como o Banco Mundial tiveram no desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil, especialmente na década de 90? Como é esta relação hoje?
Isaac Roitman: Na minha opinião nunca deveríamos procurar financiamento internacional para uma área estratégica como é a educação ou a ciência e tecnologia. O financiamento da educação deve ser responsabilidade do Estado brasileiro e as políticas da educação brasileira devem estar sintonizadas com um projeto de nação, que elimine as desigualdades sociais onde cada cidadão tenha a oportunidade de realizar seus sonhos e anseios. A expansão desordenada do ensino superior privado pode ser apontada como uma das seqüelas das políticas educacionais da década de 90. Esse setor atualmente é responsável pela formação de mais de 70% dos estudantes do ensino superior brasileiro.

Vermelho: O sr. concorda que a escola pública brasileira está em situação de falência? De que forma o país deve enfrentar este problema? Além de aumentar vertiginosamente o financiamento, deve-se pensar em mudanças no modelo educacional?
Isaac Roitman: Infelizmente concordo. Acho que chegamos ao fundo poço. A educação não pode continuar a ser uma política de governo. Ela deve ser reformulada e planejada e ser uma política de Estado. Para termos esta transformação, é necessário que a sociedade se mobilize permanentemente. Sem pressão social, continuaremos a proporcionar uma educação muito aquém para os nossos jovens. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), através de seu grupo de trabalho em educação, lançou no final de 2009 o Movimento: “SBPC: Pacto pela Educação”. Esse movimento conta com a parceria de vários segmentos importantes da sociedade: acadêmico, estudantil, empresarial, sindical e movimentos sociais: “Todos pela Educação” e a “Campanha Nacional pelo Direito à Educação”. Esse conjunto de entidades fará propostas de curto, médio e longo prazo que serão entregues aos nossos governantes. As proposições serão acompanhadas e avaliadas ao longo das próximas décadas e exercerão pressão para que elas não sejam descontinuadas nos próximos governos. Dentro das medidas, destacam-se: formação e valorização do professor; ambiente escolar adequado; processos pedagógicos permanentemente atualizados, onde os estudantes deverão ser estimulados para a criatividade, a crítica, a responsabilidade social, etc; conteúdos apropriados e utilização das inovações no campo da comunicação; avaliação como processo da melhoria da aprendizagem e gestão profissional. É fundamental que haja financiamento condizente com os processos de transformação a serem implantados.

Vermelho: Para que serve hoje o Ensino Médio no Brasil? E para que ele deve servir? Deve ser uma porta de entrada para a universidade ou para o mercado de trabalho? Qual a relação entre educação e trabalho e entre educação e ciência, tecnologia e inovação?
Isaac Roitman: O ensino médio carece de profundas transformações. Atualmente praticamente ele serve para preparar cérebros, que são treinados para terem um bom desempenho em testes de múltiplas escolhas, utilizados para o acesso ao ensino superior. O ensino médio e profissional deveria ser terminal para parte da população. O importante é que esse ensino prepare recursos humanos de forma competente. Esse profissional deveria ter remuneração semelhante aos egressos do ensino superior. O conjunto de técnicos bem preparados formados no ensino médio/profissional e pesquisadores criativos se constituirão na base do desenvolvimento científico, tecnológico e da inovação.

Vermelho: Os estudantes brasileiros defenderam a bandeira de 50% das verbas do Fundo Social do pré-sal para a Educação e acabaram de ver esta bandeira aprovada no Congresso Nacional. Qual impacto o sr. avalia que uma emenda como esta terá no cenário da educação brasileira? O Senado também aprovou que 80% destes recursos sejam destinados à Educação Básica. Qual a sua opinião acerca desta medida?
Isaac Roitman: Não podemos repetir os erros do passado. O Brasil perdeu várias oportunidades de construir um país mais justo com riquezas naturais que foram desperdiçados e só serviram para prolongarmos a nossa situação de colônia. Assim foi com a borracha, o açúcar, o ouro e com o café. Temos agora uma nova oportunidade com a bioenergia e em um futuro próximo com pré-sal. Os estudantes têm toda a razão, pois as oportunidades perdidas limitarão os horizontes das futuras gerações. Um elevado percentual do Fundo Social deveria deve ser usado para investir na educação que como já dizia Anísio Teixeira é a “máquina que prepara as democracias".

Da Redação, Luana Bonone