George Câmara: A Copa que precisamos ganhar
Estamos acompanhando com atenção e entusiasmo o desempenho da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2010, disputada na África do Sul. Revivemos “a pátria de chuteiras”, na expressão do gênio Nelson Rodrigues.
Publicado 26/06/2010 09:02 | Editado 04/03/2020 17:08
Ao assegurar a conquista da realização em território brasileiro da próxima Copa do Mundo, em 2014, o Brasil marcou um “gol de placa”, parafraseando Joelmir Betting ao se referir ao gol de Pelé contra o Fluminense no Maracanã em 05 de março de 1961, na vitória do Santos por 3 a 1.
A confirmação da realização da Copa de 2014 no Brasil consagra, antes de qualquer coisa, a boa fase por que passa o nosso país no cenário mundial atualmente. Prestígio decorrente do desempenho frente à crise econômica mundial em curso e prestígio de um governo que se afirma na geopolítica internacional. Com a altivez que nunca teve a elite brasileira.
Torcemos pelo hexa, em 2010, e pela conquista do título também em 2014. Em solo brasileiro, vamos dar o troco em relação ao que se deu na Copa de 1950, quando o Brasil perdeu o título para o Uruguai em pleno Maracanã. Afinal, o mais belo futebol do planeta merece a consagração. O que não merecemos é a manipulação. Nossas vitórias em campo, consagradoras, não podem esconder nossos principais desafios como povo e como nação: enfrentar os graves problemas como a desigualdade e a exclusão social. Saldar a dívida histórica desse país com o seu valoroso povo.
Nos últimos cinquenta anos as cidades brasileiras, sobretudo as regiões metropolitanas, se transformaram em espaços da assimetria e do caos. Nos seus indicadores sociais, ostentam a face cruel de um Brasil bem diferente daquele sonhado nos estádios e campos de futebol.
Diante da inexistência de um projeto nacional de desenvolvimento calcado na valorização do trabalho e na geração de oportunidades para os seus concidadãos, o Brasil foi palco, nessa última metade de século, do maior fluxo migratório do interior para as capitais e demais centros urbanos do país. O censo demográfico de 1950 revelava que 36% das pessoas habitavam nas cidades. Apenas cinquenta anos depois, o censo de 2000 apontava o número assustador de 82%. Sem que essas cidades se preparassem para receber, em condições dignas, tamanho contingente.
Sob a orientação (ou desorientação) da elite dirigente, foi aplicado no Brasil um modelo de desenvolvimento subserviente ao capital estrangeiro, concentrador de riquezas e, portanto, gerador de inúmeras desigualdades e injustiças que recaíram sobre o povo.
Entre outros resultados igualmente desastrosos, as consequências não tardaram a se manifestar: os piores indicadores sociais em matéria de Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, que analisa o padrão médio das pessoas no tocante à educação, saúde e poder aquisitivo. Nesse quesito, o Brasil ostenta os piores níveis de desigualdade no cenário mundial.
Em matéria de infraestrutura urbana, o resultado não poderia ser pior: como herança maldita, o vergonhoso déficit na cobertura dos serviços mais elementares como habitação, saneamento ambiental, mobilidade urbana e regularização fundiária.
Já que teremos a Copa de 2014 no Brasil, a partir das doze cidades que sediarão os jogos poderemos iniciar um movimento para que toda a população brasileira tenha assegurado, até lá, a plena cobertura dos serviços básicos essenciais à dignidade humana, o que até hoje foi negado ao nosso povo. Sem abrir mão da outra, essa é a Copa que precisamos ganhar.