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Termina a cúpula do G20: tudo como dantes no quartel d’Abrantes

Concluída no último domingo (27) na cidade canadense de Toronto, depois de dois dias de debate, a cúpula do G20 emitiu um comunicado vago que busca mascarar as divergências entre seus membros e aparentar uma unidade de interesses em torno de algumas questões julgadas fundamentais para um mundo em crise. O resultado mais concreto da reunião, quem sabe o único, foi a prisão de centenas de militantes antiglobalização que participaram de manifestações contra o Grupo.

Por Umberto Martins

Os programas de ajuste fiscal que estão sendo implementados na Europa, sob tutela do FMI, constituíram, desde o início, um dos principais focos de discórdia. A peleja em torno do tema parece ter acabado em empate. O comunicado final do G20 sugere que os países capitalistas mais ricos devem cortar seus déficits pela metade até 2013 e procurar reduzir as dívidas públicas a partir de 2016, o que foi interpretado como uma vitória dos europeus. Os “emergentes” (China, Índia e Brasil, entre outros) ficaram de fora.

Metas contraditórias

Em contrapartida, o documento afirma que o arrocho fiscal não deve comprometer o crescimento econômico, salientando que “o ritmo do ajuste deve ser calibrado cuidadosamente para sustentar a recuperação”. O tempo dirá se é possível conciliar as duas metas contraditórias, ou seja, a recessão do setor público com a recuperação e o crescimento das economias.

Embora em diferentes graus, os pacotes anunciados pelos governos da Grécia, Espanha, Portugal, Itália, França, Inglaterra e Alemanha possuem, um sentido claramente recessivo. O problema é que isto afeta não apenas os povos do velho continente, especialmente a classe trabalhadora. Nas condições de uma economia mundial a cada dia mais globalizada e interligada, o corte de gastos, salários, direitos e emprego tende a deprimir a taxa de consumo e, por extensão, o valor das importações, dificultando a recuperação do comércio mundial.

Sem compromissos

Em relação às propostas de regulação do sistema financeiro, o Grupo que reúne os 20 maiores PIBs do planeta foi convenientemente vago e liberal para agradar gregos e troianos. Quem quiser poderá aplicar um imposto sobre operações financeiras e impor regras mais severas às atividades bancárias, mas nenhum compromisso multilateral nesta direção foi assumido.

Outra polêmica que ficou no ar, com promessa de solução na próxima reunião do G20, marcada para novembro em Seul (capital da Coréia do Sul), diz respeito à reformulação das cotas e do poder de voto das nações no Fundo Monetário Internacional (FMI), uma instituição pretensamente multilateral que na prática sempre foi controlada com mãos de ferro pelas grandes potências capitalistas, em especial EUA e União Europeia.

Reforma do FMI

A proposta de reforma visa aumentar o poder relativo dos chamados emergentes no interior do FMI, mas esbarra na resistência dos governos europeus e estadunidense, que obviamente preferem manter o atual status quo. A China conseguiu impedir que fosse incluída no comunicado da cúpula uma menção elogiosa à flexibilização de sua política cambial, alegando que é um tema de política interna que não deve ser abordado em fóruns multilaterais.

A impressão que fica, após a reunião do último final de semana, é que tudo continua como dantes no quartel d´Abrantes. Refletindo os interesses dos grandes grupos monopolistas internacionais, o G20 fez ouvidos moucos diante dos gritantes e aflitivos problemas das grandes massas populares, que a crise exacerbou e promete agravar ainda mais.

A dor dos pobres

O desemprego, que cresceu de forma violenta e atinge hoje patamares inéditos em muitos países, não entrou em pauta. A supressão de direitos sociais, a elevação da idade mínima para aposentadorias, o corte de salários e outras maldades incluídas nos pacotes fiscais impostos pelos governos europeus, também ficaram à margem das preocupações do Grupo. A dor dos pobres não sai no jornal nem frequenta a imaginação dos poderosos.

Convém lembrar que o chamado G20 financeiro (que não deve ser confundido com G20 “comercial”, constituído pelos países mais pobres sob a liderança do Brasil) foi formado em 1999 como um reconhecimento velado da falência do decadente e desacreditado G8 (EUA, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Canadá mais a Rússia). Mas, não é uma organização à altura dos desafios emanados da crise mundial do capitalismo e da ordem imperialista remanescente da 2ª Guerra.

A voz das ruas

Não devemos esperar daí as sinalizações corretas para tirar o globo dos impasses a que foi conduzido pelo sistema, agora completamente dominado pelos interesses de uma pequena, mas renitente e poderosa oligarquia financeira.

A indignação popular diante desta situação ecoou em Toronto durante a cúpula. Uma multidão estimada pela polícia em mais de 10 mil pessoas marchou pelas ruas da cidade canadense num protesto “antiglobalização”, movido pela convicção de que “um outro mundo é possível”. Inicialmente pacífica, a passeata descambou para a violência, foi duramente reprimida pelas forças de segurança e acabou com a prisão de mais de 800 militantes.

Bem ou mal, os rebeldes encarnam os reais interesses dos povos e da humanidade. O “G20 financeiro”, embora mais amplo do que o G8, representa uma ordem internacional reacionária e caduca, que reclama mudanças radicais e não reformas de fachada.