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 Argentina: Roteiro para não esquecer um passado de terror

 A ferida aberta pela última ditadura militar na Argentina nunca foi cicatrizada. Quase 30 anos depois da repressão, as organizações de direitos humanos, parentes de mortos e desaparecidos continuam manifestando a dor gerada pelos atos de violência cometidos no país entre 1976 e 1983.

A evocação à memória da repressão é expressada na capital do país, Buenos Aires, de várias maneiras: desde pichações nos muros que questionam o destino dos desaparecidos até antigos CCDs (Centros Clandestinos de Detenção) transformados em espaços culturais, que hoje divulgam os crimes cometidos no período. Passeatas frequentes pedem a prisão dos militares e das autoridades envolvidas.

A presença nesses locais e eventos ajuda a entender este período da história argentina, a partir da reconstrução tanto do funcionamento da autoridade militar na época, como da desaparição e morte de cerca de 30 mil pessoas e ainda a resistência à impunidade dos responsáveis, que se mantém mesmo após a reabertura democrática, em 1984.

A pesquisadora Sabrina Osowski, responsável pela capacitação dos guias da ESMA (Escola de Mecânica da Armada), antes um dos maiores locais de tortura do país, afirma que as visitas são um exercício de memória, debate e discussão. “Nosso interesse não é que as pessoas tirem fotos e levem um chaveiro, mas que entendam como isso foi possível e o que estes fatos nos dizem sobre nossa atualidade. Tentamos não transformar a visita em um show de horror, e sim dar ferramentas para que saiam daqui com inquietudes e pesquisem mais sobre o assunto”.

Para ajudar quem também busca conhecer em pessoa a história recente do país vizinho, o Opera Mundi preparou um roteiro que vem sendo seguido por visitantes em Buenos Aires entre locais que marcaram a ditadura argentina.

Praça de Maio

Todas as quintas-feiras, as Mães da Praça de Maio marcam presença nesta que é a principal praça de Buenos Aires, em frente ao palácio do governo, pedindo justiça por seus filhos desaparecidos. Suas marchas de resistência à ditadura começaram aos sábados, nos anos 1970, mas como nesse dia o comércio fecha e há poucas pessoas nas ruas, elas acabaram transferidas para as quintas, sempre às 15h30.  

ESMA

Este edifício teve dupla função durante a ditadura militar: a prisão de oposicionistas e a formação de novos militares. Segundo estimativas, cerca de 5 mil pessoas passaram por suas celas e salas de tortura. A instituição ficou nas mãos das forças armadas até 2007, três anos depois de o ex-presidente Néstor Kirchner ordenar o desalojamento dos militares e a restituição do prédio à prefeitura de Buenos Aires.

Hoje, é possível visitar as dependências do local com uma visita guiada aos dormitórios dos militares, ao Casino de los Oficiales (área onde mantinham e torturavam os presos), bem como à maternidade clandestina, onde se realizava o parto das presas grávidas, muitas das quais tiveram seus filhos sequestrados e ilegalmente adotados por outras famílias.

Como o local conserva provas utilizadas em processos judiciais, apenas um grupo restrito de pessoas é autorizado a fazer as visitas gratuitas de pelo menos duas horas. Por isso, é importante marcar horário com antecedência (Av. Libertador, 8151, em Nuñez, Buenos Aires. Agendamento de Visitas: Tel: +54 4704-5525).

Mural Justiça e Castigo

Obra inaugurada em 2007, no bairro portuário de La Boca, em homenagem aos 30 anos de luta das Mães da Praça de Maio. Criado por iniciativa de um grupo da Central de Trabalhadores Argentinos, o mural mostra o julgamento popular de militares, padres e empresários. Ao lado da representação, há um fragmento da Carta a La Junta Militar, do escritor detido e desaparecido, Rodolfo Walsh (Rua Suárez, 300, em La Boca, Buenos Aires).

Lápides

Por toda a cidade há lápides com bordas coloridas com informações sobre mortos e desaparecidos, colocadas por seus amigos, familiares e a Comissão de Bairros pela Memória e Justiça.

Alguns endereços onde podem ser vistas: Rua Malabia, 2148, em Palermo; Rua Jorge Luis Borges, 2252, em Palermo; Rua Paraguay 2155, na Recoleta; Av. Corrientes com Medrano, em Almagro; Av. Callao, 274, em San Nicolás; Av. Corrientes com Uruguay, em San Nicolás.

Clube Atlético

Desde 2002, um grupo de arqueólogos trabalha na recuperação deste CCD, que funcionou em um porão, de fevereiro a dezembro de 1977 e foi demolido para a construção da autopista 25 de Maio. Mais de 1500 pessoas passaram por suas 41 celas estreitas (chamadas de “tubos”) e três salas de tortura. A iniciativa de recuperar o local surgiu a partir do pedido de um grupo de sobreviventes e de entidades de direitos humanos.

O lugar, que recebia visitas, está fechado devido à falta de segurança gerada pela autopista, que passa em cima do memorial. No entanto, do lado de fora é possível ver as escavações, plantas do local e uma grande silhueta, representando os desaparecidos, e placas com os nomes de cada um deles (Av. Paseo Colón com rua Cochabamba, em San Telmo, Buenos Aires).

Parque da Memória

A área de 14 hectares, localizada em frente ao Rio da Prata, reúne homenagens a desaparecidos. A principal delas é o Monumento às Vítimas do Terrorismo de Estado – quatro longos muros com os nomes, ano por ano, dos mortos e desaparecidos. Somente os das vítimas de 1976, o ano mais violento da repressão, ocupam 47 metros dos muros.

Os monumentos do parque comovem e convidam à reflexão. A 30 metros da costa se vê, com os pés sobre a água, uma escultura de aço em tamanho real de Pablo Míguez, sequestrado aos 14 anos, olhando para o horizonte. Outra instalação, intitulada 30.000, é composta por 25 bastões verticais com a pintura do retrato utilizado pela avó do artista Nicolás Guagnini, em protestos pelo filho desaparecido. À medida que o espectador se desloca, o rosto se distorce, aparece e desaparece, na frente do rio (Av. Costanera Rafael Obligado, ao lado da Cidade Universitária, em Belgrano, Buenos Aires).

El Olimpo

Os murais pintados na fachada das quatro ruas do quarteirão que ocupa este ex-CCD são uma das mais fortes expressões da insatisfação da sociedade argentina em relação à impunidade dos militares acusados de tortura e assassinatos.

Neles, há frases pintadas como “Os povos latino-americanos contra os genocidas de ontem e de hoje”, “Aqui se torturou” e “Você sabe por que Julio López não está aqui?”, em referência ao pedreiro desaparecido, em 2006, plena democracia, após depor contra Miguel Etchecolatz, primeiro militar acusado de crimes de lesa humanidade e condenado à prisão perpétua.

Quando os presos deste CCD chegavam ao quirófano (sala de cirurgia, em português), onde seriam torturados, eram recebidos com uma placa que dizia “Bem vindos ao Olimpo dos Deuses”. Hoje, em seu interior, há cartazes coloridos com informações das vítimas e uma biblioteca pública com livros proibidos durante a ditadura. O local também promove cursos em escolas sobre terrorismo de Estado e direitos humanos (Rua Coronel R. Falcón com av. Olivera, em Floresta, Buenos Aires).

El Aplauso

Localizada na entrada do Instituto Universitário Nacional de Artes, a escultura de sete pessoas agradecendo ao público foi feita pela artista Mariana Gabor em homenagem a atores desaparecidos durante o regime militar. Na escada frontal, estão expostos em placas de azulejos os nomes de 17 deles (Rua French, 3617, Buenos Aires).

Fonte: Opera Mundi