Bruno Padron: Nem Globo, nem Dunga!

O episódio das ofensas de Dunga dirigidas ao jornalista Alex Escobar, da Rede Globo, revelaram muito mais do que a falta de educação do treinador ou uma suposta desforra aos desmandos da emissora ao longo de décadas. Tornaram-se ainda mais expostas as promíscuas relações entre a Vênus Platinada e a entidade máxima do futebol brasileiro. Por outro lado, o modelo implantado na seleção faz lembrar nossos piores tempos, tanto na bola quanto na vida.

Por Bruno Padron

Dunga era um bom cabeça-de-área nos tempos de gramado, nada além disso. Ficou conhecido por seu estilo durão em campo, tanto na marcação dos adversários quanto nas orientações a seus companheiros de equipe. A tarja de capitão do tetra em 94 foi conseqüência natural de sua postura nas quatro linhas.

A escolha do seu nome para treinador da seleção mais vezes campeã do mundo visava, inicialmente, conter a bagunça que ocorreu em 2006, na concentração de Weggis, onde a imprensa e os torcedores tinham livre acesso aos treinamentos e, inclusive, aos jogadores.

Em cerca de três anos de trabalho, Dunga escolheu a dedo o seu grupo para a Copa. Escanteou qualquer um que pudesse “contaminar” o ambiente de trabalho com uma predisposição a organização de churrascos com pagode, ou festas noturnas regadas a álcool, sexo e sorrisos.

Com esta opção, Dunga colocava-nos duas questões a pensar: O Brasil poderia prescindir do talento em nome de um perfil comportamental que se encaixava na proposta do comando técnico? O próprio comando sentia-se incapaz de “enquadrar” os atletas que não atendiam a esse perfil em um regime de concentração e treinamentos mais adequado a uma Copa do Mundo?

Contrapondo-se à zona de 2006, um regime monastérico em 2010. Poucos treinamentos acessíveis à imprensa, nenhum contato mais próximo com os torcedores, viagem com bastante antecedência à África do Sul, entre outras medidas, evidenciavam uma preocupação obsessiva com relação aos abusos anteriores.

Para manter o regime disciplinar sob controle, Dunga recusou, e proibiu aos atletas, entrevistas exclusivas à Rede Globo, que havia firmado acordo com a CBF para tal fim. Aí entra o x da questão!

Não é novidade que a Globo, detentora dos direitos de transmissão das competições organizadas pela CBF, além dos jogos da seleção brasileira, determina horários, datas e até as condições climáticas das partidas (vide Internacional versus Flamengo, pelo Brasileirão-09, em Porto Alegre, onde não era possível jogar, apenas nadar).

Também não significa nada novo o fato dos clubes brasileiros passarem por dificuldades financeiras oriundas de administrações tenebrosas, e não encontrarem na CBF um amparo para se reerguer do caos.

A entidade tem, ao longo do tempo, se notabilizado por administrar os lucrativos negócios feitos em nome da seleção brasileira, abandonando os clubes à própria sorte. Diante disso, pouco resta às agremiações senão “passar o chapéu” para a Globo, implorando por adiantamentos de cotas de TV que, por sinal, são irrisórias se comparadas aos lucros obtidos pela família Marinho com o futebol brasileiro.

Nesta histórica relação entre a emissora e a CBF, as duas sempre se dão bem, às custas dos clubes e, principalmente do lado mais fraco da corda, os torcedores.

A Globo, principal “parceira” das dinastias que se apossam da CBF há décadas, tem prioridade de acesso à seleção brasileira, até porque tem a tal da exclusividade. Exclusividade dá furo, furo dá audiência, audiência dá anúncio, anúncio dá dinheiro, e por aí vai.

E os torcedores são obrigados a pagar caro à emissora, seja em ingressos, pacotes de pay-per-view, ou qualquer outro produto que contenha a parte que cabe ao “plim-plim” neste latifúndio chamado futebol.

Sem nenhum ranço, a postura de Dunga ao recusar o acordo é corretíssima. Afinal de contas, se esta é a conduta da comissão técnica perante a imprensa, nada mais justo do que tratar todos os veículos de forma isonômica, a despeito de tratativas firmadas com a direção da CBF. Até por isso que Dunga está lá.

Porém, convém analisar as opções feitas pela comissão técnica por um viés crítico.

Com as declarações recentes de Dunga a respeito da própria história do nosso país, percebe-se que sua omissão diante de inúmeras atrocidades cometidas durante o período escravocrata e a ditadura militar revela um homem limitado, autoritário e arrogante.

Alguém investido da nobre tarefa de dirigir a seleção brasileira que, a cada quatro anos torna-se, durante um mês, o homem mais importante do país, deve ao menos ter uma postura respeitosa, não somente com a imprensa, mas fundamentalmente com seu povo. E isso falta a Dunga.

Quanto as opções táticas do treinador, podemos crer que não representam a tradição do futebol brasileiro, mas são opções dele, que possui esta incumbência. Mas educação e respeito são ótimos, e todo mundo gosta. Tanto o Alex Escobar, quanto as famílias que perderam parentes durante a ditadura, quanto os negros e negras que ainda sofrem pelas marcas da escravidão.

Também há certo revanchismo da parte de Dunga contra a imprensa, a quem credita uma perseguição pessoal à época da Copa de 90, período conhecido como Era Dunga. Mas sabe-se que haviam problemas naquela seleção que estavam absolutamente fora do futebol.

Dunga assumiu para si a responsabilidade pela Copa. Convocou quem quis, com participação importante de Jorginho, determinou sozinho toda a metodologia de preparação da seleção, não dialogou com a opinião pública. Resumindo, chamou no peito como um bom capitão, não como um grande treinador.

Esta necessidade de centralizar tais decisões e contar principalmente com quem se submete ao seu modelo de futebol e conduta, explicam convocações como a de Felipe Melo e Kléberson. E a partir daí podem descrever a crônica de uma tragédia anunciada, como a eliminação diante da Holanda, de virada e perdendo o volante da Juventus expulso após um pisão em Robben. Na vitória ou na derrota, o mérito era de Dunga. E não vencemos.

Quando prescinde-se do talento, em nome de comprometimento e patriotismo, corre-se o risco de não possuir alternativas que mantenham o nível do time por 90 minutos, que dirá por toda uma Copa.

Ficam as lições de que o caminho para a vitória é tão importante quanto a determinação em obtê-la. Um futebol mais brasileiro pode, sim, vencer a Copa. E o próprio Brasil é prova disso.

Durante a Copa, Dunga rosnou, latiu, mas…

Por tudo isso, entre a Globo e o Dunga, que saiam os dois!